1. Breve introdução
De adesão é a maior parte dos contratos de prestação de serviços.
Tipo de contratação que, a bem da verdade, não é novo. Formalmente, o conceito surge na França, aos anos vinte do século passado. Mas há quem diga que o primeiro contrato de adesão da história se fez entre Deus e o povo eleito. Confiada a Moisés, a tábua com os dez mandamentos pode ser vista como o divino contrato a cujos termos o povo aderiu.
Admitido esse ponto simpático aos jusnaturalistas, como admito eu próprio, o contrato de adesão acaba até parecendo algo bom, justo e necessário. Necessário porque um elevado número de negócios hoje é realizado em massa. E ao tempo em que surge o conceito de contrato de adesão, vão também se iniciando os estudos sobre as massas, suas circunstâncias e perspectivas, causas e efeitos. Eis o que diz o famoso filósofo espanhol José Ortega y Gasset sobre o que chamou de fenômeno do lotado1:
Extremamente simples de enunciar, ainda que não de analisar, eu a denomino o fato da aglomeração, do “lotado”. As casas, lotadas de inquilinos. Os hotéis, lotados de hóspedes. Os trens, lotados de passageiros. Os cafés, lotados de consumidores. As praças, lotadas de transeuntes. As salas dos médicos famosos, lotadas de enfermos. Os espetáculos, desde que não sejam muito estranhos, lotados de expectadores. As praias, lotadas de banhistas. O que antes não costumava ser problema, começa a sê-lo quase continuamente: encontrar lugar.
(...)
O fato é que, antes, nenhum desses estabelecimentos ou veículos costumava lotar, e agora transbordam, e sobra gente ansiosa por usufruir deles. Ainda que isso seja lógico, natural, não se pode ignorar que antes não acontecia e que agora acontece; portanto, que houve uma mudança, uma inovação; o que justifica, pelo menos num primeiro momento, nossa surpresa.
É certo que o tom que o grande escritor empresta é mais ácido, mas não menos certo é que o fenômeno existe. E, existindo, está conectado ao que se pode considerar sociedade de massa ou sociedade de consumo, conceitos não exatamente iguais, porém confundíveis em muitas medidas. Desde que se escreveu a primeira linha a respeito do fenômeno do lotado, desde que se cunhou o título contrato de adesão, a situação se intensificou bem mais, exigindo respostas objetivas do Direito.
O contrato de adesão não é algo em si mesmo ruim. Ele é, antes, necessário; ou, se não necessário, ao menos inevitável. Tem muito a ver com a massificação e a estandardização das relações jurídicas, o que exige contratos desenhados por condições gerais.
Aqui, por falar em condições gerais, o intuito é mencionar cláusulas que servirão para elevado número de contratos, uniformes, não negociadas, e sim estipuladas pelo proponente.
Cláusulas, enfim, que não seguem a lógica contratual inicial, porque deles se ausenta em plenitude o princípio da autonomia da vontade. E, à falta do princípio, a primeira afirmação a se fazer sobre o contrato de adesão é esta: não vale para ele, de maneira irrestrita, a máxima de que o contrato faz lei entre as partes.
O contrato de adesão é, sim, válido e eficaz, vincula proponente e aderente, mas não é absoluto como absolutos são, a rigor, os contratos informados pela autonomia da vontade, pela livre e individualizada negociação.
Essa é a desvantagem fundamental. Existem ainda, porém, vantagens expressivas. De ordem econômica e de natureza prática.
O modo adesivo reduz o tempo e os gastos de celebração e de regulação dos contratos. Permite o cálculo antecipado do custo de produção de bens ou de fornecimento de serviços empresariais. Facilita a divisão de tarefas dentro da organização empresarial do proponente, bem como a coordenação entre seus membros. Contribui, por fim, para a criação de normas supletórias e, ao menos em parte, busca maior segurança jurídica.
Portanto, não são poucas as vantagens que o contrato de adesão atrai para aquele que faz uso dele. Essa modalidade de contratação é comum em muitos campos negociais como o bancário, o securitário, de transportes, de educação.
Todas as vantagens, porém, perdem fôlego diante do desequilíbrio entre as partes e da presumida situação de hipossuficiência do aderente, seja ou não o contrato de consumo. Essa desvantagem pede do Poder Legislativo intervenções constantes, por meio de normas legais de proteção, e do Poder Judiciário, seja por controle abstrato, seja por controle concreto.
Em síntese, o grande problema do contrato de adesão é sua propensão ao dirigismo, à abusividade clausular.
Não raro, cláusulas de condições gerais se tornam abusivas e, portanto, antijurídicas. Daí a importante dos mecanismos jurídicos de controle. Cláusulas abusivas em contratos de adesão são inválidas, ineficazes, quando não nulas de pleno direito.
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