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A diferença jurídica de consumidor e investidor no direito imobiliário

Muitas pessoas compram imóveis residenciais ou comerciais, no período de aquecimento do mercado, como investimento, esperando vendê-lo com ganhos após a conclusão das obras.

16/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

É de suma importância que o Direito acompanhe as mudanças da sociedade, de modo a garantir a aplicação contemporânea aos casos levados ao Estado, como conflito.

Alguns Tribunais, como o de São Paulo e do Rio de Janeiro já possuem uma nova forma de interpretar as discussões relacionadas aos distratos – casos em que o cliente desiste do contrato de compra e venda de um imóvel, principalmente financiado.

Necessário entendermos e conseguimos diferenciar as relações jurídicas entre “CONSUMIDOR e “INVESTIDOR”.

Essa diferenciação torna-se essencial para que se busque tratar adequadamente as figuras jurídicas e todas suas peculiaridades.

O que deve ser levado em consideração, ao analisar essas relações é o perfil do comprador, e além disso deve haver também tratamento diferenciado aos que adquiriram o bem para investimento e não para uso próprio.

A mudança tem impacto na definição dos valores que serão devolvidos aos clientes e na forma de pagamento e correção do preço.

As decisões anteriores colocavam todos os clientes na mesma condição e tinham como base a aplicação do CDC, o que permitia a devolução de até 90% dos valores que haviam sido pagos pelo imóvel.

Agora, quando a compra é feita para investimento, os magistrados tem mudado o entendimento, e decido pela aplicação do CC. E, nesse caso, a determinação é para que se cumpra o contrato assinado entre o comprador e o vendedor, visto não se tratar de relação de consumo.

O que se vê nestes recentes julgados são percentuais de devolução mais baixos, em média 70% do que havia sido pago pelo cliente, além de atribuição de fruição pela disponibilidade do bem e eventual reteção do sinal/arras.

Além disso, tem sido permitida, nos tribunais, a devolução parcelada desses valores, a aplicação de juros somente após a decisão final e a correção monetária calculada a partir do ajuizamento da ação.

Como consumidores tem se mantido a retenção da nova lei de distratos, que é pela devolução de 75% dos valores pagos à vista, aplicação de juros já a partir da citação da ação e correção monetária calculada a partir da data de desembolso do cliente.

Isso tudo representa uma mudança expressiva dentro da restituição e possibilita um equilíbrio na condução dessa questão dos distratos.

O tema é de grande importância, e tem grande impacto no setor porque não havia jurisprudência pacífica, o que observa-se uma nova construção após a nova lei de distratos.

O número de distratos, crescente desde o começo da crise, há cerca de quatro anos, é considerado altíssimo. Só no ano passado, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), as desistências dos clientes representaram o equivalente a 31,6% das vendas de imóveis novos.

Muitas empresas loteadoras e construtoras estão prestes a quebrar por causa disso.

Já há decisões com a nova interpretação, diferenciando o cliente investidor daquele que adquiriu o imóvel para uso próprio, nas 4ª, 6ª e 7ª Câmaras de Direito Privado do TJ/SP e também na 25ª Câmara Cível do TJ/RJ, entre eles, importante apontar os processos no TJ/SP (Apelação 1116739-74.2016.8.26.0100), dois compradores tentavam se desfazer da aquisição de dez unidades de uma só vez. Também há caso de tentativa de quebra de contrato de compra de salas comerciais (Apelação 1003676-90.2015.8.26.0590) e aquisição de quarto de hotel (Apelação 1110740-43.2016.8.26.0100).

Destacamos que a compra de um imóvel na planta não pode ser uma "opção de graça", que permite ao cliente ficar com o imóvel se o preço subir ou, se cair, ter o seu dinheiro de volta.

Tal prática, além de criar uma crise de liquidez nas incorporadoras, forçam as mesmas a vender as unidades abaixo do custo, gerando um prejuízo real e contábil muito grande, uma vez que os resultados destas vendas já haviam sido contabilizados e terão que ser revertidos.

O desembargador Luiz Fernando de Andrade Pinto, comparou a discussão a uma situação inversa de um dos casos no TJ/RJ (Apelação 0066013-17.2016.8.19.0001),. "Imagine que por conta da consabida retração substancial do mercado imobiliário, a construtora/incorporadora estivesse em dificuldade de adimplir sua parte na avença. Certamente essa postura seria desafiada judicialmente e, por óbvio, o Judiciário asseveraria sua ilicitude", afirmou o magistrado em seu voto.

Se olharmos o volume de unidades adquiridas, o tipo do imóvel ou mesmo o perfil do consumidor, se é alguém que tem condições de discernir que trata-se de uma compra irrevogável e também se há outras ações de distrato movidas por ele, já é possível entender outras linhas de diferenciação entre “investidor” e “consumidor”.

A controvérsia deve ser analisada à luz do atual contexto econômico brasileiro, da jurisprudência que não vê abusividade na retenção de 30% dos valores pagos para a hipótese de desfazimento do negócio por iniciativa do adquirente, sem culpa da vendedora, e, do real interesse dos apelados neste nítido investimento.

O mercado imobiliário esteve congelado por anos, e antes mesmo de melhorar, piorou com a situação agravada pela crise econômica que se vem acentuando, em face da pandemia do covid-19.

Como resultado, há uma avalanche de ações versando sobre distratos de compromissos de compra e venda, cujos pedidos devem ser analisados com cuidado, para evitar a quebra das construtoras com o excesso de rescisões e, pior, condenações à devolução de valores em percentual maior do que a prevista em contrato. Aliás, sempre distantes do preço atual do objeto (o imóvel).

Outro ponto a ser levado em conta é que nem todo comprador adquire o imóvel para nele residir.

Muitas pessoas compram imóveis residenciais ou comerciais, no período de aquecimento do mercado, como investimento, esperando vendê-lo com ganhos após a conclusão das obras. Como a valorização que se esperava não ocorreu (em comparação com outros ativos financeiros), esse grupo de consumidores-investidores simplesmente desiste da compra, equiparando-se ao adquirente da casa própria que eventualmente não tenha condição de saldar seu débito.

Nesse contexto, a jurisprudência não tem ficado insensível e mostra-se acertadamente cada vez mais atenta à diferenciação entre “investidor” e “consumidor” e seus reflexos no Direito Imobiliário.

Carlos Gustavo Villela de Oliveira
Advogado, com experiência no mercado empresarial, nas áreas de contrato, imobiliária e relações comerciais.

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