A crise gerada pela COVID-19 teve um impacto relevante sobre o fluxo migratório de cidadãos brasileiros. As restrições de viagem impostas por diversos países fizeram com que as pessoas físicas adiassem eventuais planos de redomiciliação. Apesar disso, notamos que ainda há um grande interesse, por parte dos brasileiros, em explorar as possibilidades de mudança para o exterior. E se essa mudança for acompanhada de uma oportunidade de redução da carga fiscal, ainda melhor. Diversos países europeus têm oferecido regimes fiscais especiais para não-residentes que queiram se estabelecer em seus territórios, tornando a mudança ao exterior uma opção atrativa também do ponto de vista econômico.
Vários desses regimes oferecem isenções ou a aplicação de um tributo reduzido sobre os rendimentos auferidos pelas pessoas físicas fora de seu território, desde que cumpridas determinadas condições.
Mas este não é o único benefício fiscal que pode decorrer de uma mudança de residência. A mudança de residência também pode abrir espaço para um planejamento patrimonial e para eventual antecipação da herança.
Imaginemos, por exemplo, que um brasileiro se mude para Portugal, tornando-se residente fiscal naquele País. Imaginemos ainda que este brasileiro tenha filhos que permaneceram no Brasil. Caso este brasileiro venha a fazer uma doação em dinheiro a seus filhos residentes no Brasil, esta doação não poderá estar sujeita ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”), imposto de competência estadual que pode atingir uma alíquota de até 8%, dependendo do Estado responsável.
Isso porque, de acordo com a Constituição Federal do Brasil, a cobrança do ITCMD sobre doações feitas por residentes no exterior depende de regulamentação por lei complementar. Esta lei complementar nunca foi editada. Portanto, até o momento, qualquer cobrança de ITCMD nessa situação é ilegal.
Apesar da limitação acima, diversos Estados brasileiros inseriram disposições em sua legislação interna para cobrar o imposto nesses casos, alegando que, na falta de lei complementar, os Estados poderiam legislar de modo suplementar.
Vários contribuintes passaram a entrar com medidas judiciais para discutir o tema. Um desses casos foi julgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, que analisou a constitucionalidade das disposições da lei paulista que visava cobrar ITCMD sobre doações realizadas por residentes no exterior, bem como sobre as transmissões causa mortis em que o de cujus era residente, domiciliado, tinha bens ou teve seu inventário processado no exterior.
O STF entendeu que o Governo do Estado de São Paulo não poderia cobrar imposto nessas situações, dada a ausência de lei complementar, deixando claro que, enquanto não for editado tal normativo, a cobrança do ITCMD é inconstitucional.
Assim, no atual panorama normativo, caso um não-residente no Brasil faça uma doação de recursos aos seus filhos residentes no Brasil, eles não estarão sujeitos ao pagamento do ITCMD, possibilitando assim a transferência de patrimônio de um modo bastante eficiente, do ponto de vista fiscal brasileiro.
Resta saber se esta doação seria tributada no exterior. No caso de Portugal, por exemplo, não haveria tributação nessa situação.
Portugal é um dos países mais procurados pelos brasileiros que querem mudar de residência, tanto pela ligação gerada pelos fluxos migratórios do passado, quanto pelo idioma e cultura.
Para as pessoas físicas brasileiras que possuam cidadania europeia, a mudança para Portugal é bastante fácil. Para se tornar residente em Portugal, tais pessoas físicas devem apenas se estabelecer naquele País.
Para quem não tem cidadania em um dos países membros da UE, a residência pode ser concedida por meio de um visto de residência, sendo as opções mais comuns os denominados Visto D7 (pensado para aposentados, pensionistas e titulares de rendimentos próprios) e Visto Gold (oficialmente denominado autorização de residência para atividades de investimento).
Tanto o Visto D7 como o Visto Gold permitem o estabelecimento de residência em Portugal, mas existem duas grandes diferenças entre ambos: o Visto Gold obriga a realizar um investimento mínimo em Portugal (enquanto que o Visto D7 não obriga) e o Visto Gold permite que o seu titular apenas permaneça por 7 dias por ano em Portugal (enquanto que o Visto D7 obriga o seu titular a permanecer no mínimo durante 6 meses consecutivos ou 8 meses interpolados, por ano, em Portugal).
Visto Gold
Através do Visto Gold, em vigor desde 2012, Portugal oferece a possibilidade de ser considerado residente em Portugal àqueles que estiverem dispostos a investir determinados valores no país.
Para a obtenção do Visto Gold existem oito condições de investimento:
1) Comprar bens imóveis de valor igual ou superior a 500.000 euros ou 400.000 euros quando os bens imóveis estejam localizados em zonas de baixa densidade populacional;
2) Adquirir bens imóveis construídos há mais de 30 anos ou em zonas de reabilitação urbana e que devam ser renovados de valor igual ou superior a 350.000 euros ou 280.000 euros quando os bens imóveis estejam localizados em zonas de baixa densidade populacional;
3) Transferir capital de valor igual ou superior a 1 milhão de euros para conta à ordem de entidade financeira portuguesa;
4) Criar 10 empregos em Portugal ou 8 empregos em locais de baixa densidade populacional;
5) Investir um valor igual ou superior a 350.000 euros em investigação científica ou 280.000 euros quando a investigação for desenvolvida em zonas de baixa densidade;
6) Investir valor igual ou superior a 250.000 euros (ou 200.000 euros se o investimento for feito em zona de baixa densidade populacional) na produção artística ou na preservação do patrimônio cultural nacional;
7) Aplicação de valor igual ou superior a 350.000 euros em fundos de investimento ou capital de risco;
8) Investir de valor igual ou superior a 350.000 na constituição de uma empresa sediada em território português com pelo menos 5 colaboradores.
Para além de permitir o estabelecimento de residência em Portugal, o Visto Gold permite ainda que o seu titular solicite uma autorização de residência para os membros do seu agregado familiar e, mantendo o investimento por pelo menos 5 anos, será possível aos titulares da autorização de residência candidatarem-se à nacionalidade portuguesa.
Cabe notar que, em 12 de fevereiro de 2021, o Governo português anunciou novas regras relativas às condições de obtenção do Visto Gold (Decreto-Lei n.º 14/2021). Essas mudanças no programa só terão efeito a partir de solicitações recebidas a partir de 1º de janeiro de 2022. As autorizações de residência concedidas antes dessa data não serão afetadas, assim como as reuniões familiares para autorizações concedidas antes dessa data.
Entre as alterações mais significativas do programa, destacamos a limitação das áreas em que será possível realizar investimentos imobiliários. De fato, não será permitido investir em imóveis na cidade de Lisboa, Porto e na região do Algarve e nas zonas costeiras. Essas limitações se justificam pelo fato de essas localidades terem recebido a maior parte dos investimentos desde a implantação do programa, gerando uma distorção no mercado imobiliário. Por isso, muitos moradores foram obrigados a abandonar essas áreas devido a um aumento significativo nos preços dos imóveis e aluguéis. Essas mudanças, no entanto, não se aplicarão no caso de propriedades comerciais.
Outra novidade importante será o aumento do valor do investimento mínimo requerido, que vai dos atuais 1 milhão de euros a 1,5 milhões no caso de depósitos bancários, e de 350.000 euros para 500.000 euros no caso de investimentos em private equity ou fundos de capital de risco.
Residente Não Habitual
As pessoas físicas que se mudem para Portugal e que queiram beneficiar de um regime tributário mais favorável poderão solicitar a aplicação do regime do Residente Não Habitual.
Através da aplicação de tal regime especial, qualquer pessoa física, independentemente da sua residência anterior ou cidadania, que se torne residente fiscal em Portugal, e que não tenha sido residente em Portugal nos 5 anos anteriores, poderá beneficiar deste estatuto tributário especial.
O estatuto de Residente Não Habitual é válido por um período de 10 anos, durante o qual alguns rendimentos de fonte estrangeira (ou seja, obtidos fora de Portugal) poderão estar isentos de imposto de renda em Portugal (ou ser tributados a uma alíquota reduzida de 10% ou 20%), enquanto alguns rendimentos de fonte portuguesa (ou seja, obtidos em Portugal) poderão ser tributados a uma alíquota reduzida de 20%. As alíquotas normais de imposto de renda em Portugal são progressivas (aumentam consoante o rendimento) e podem chegar a 53%.
Mas quais são os rendimentos que podem estar isentos de imposto de renda em Portugal? São sobretudo os rendimentos passivos de fonte estrangeira (juros, dividendos, alguns royalties, mais-valias em valores mobiliários e outros tipos de rendimento de capital, mais-valias e rendas imobiliárias), os rendimentos do trabalho dependente de fonte estrangeira (salários, etc.) e os rendimentos do trabalho independente de fonte estrangeira, quando auferidos no âmbito de uma atividade considerada de elevado valor (segundo a lista oficial – por exemplo, médico ou diretor-geral de empresa).
E quais os rendimentos que poderão ser tributados a uma alíquota reduzida de 10% ou de 20%? As pensões e aposentadorias de fonte estrangeira são tributadas a uma alíquota reduzida de 10%, enquanto os rendimentos do trabalho dependente e independente de fonte portuguesa (quando auferidos no âmbito de uma atividade considerada de elevado valor) são tributados a uma alíquota reduzida de 20%. Nas demais situações, os rendimentos serão tributados segundo as alíquotas gerais do imposto de renda em Portugal.
É importante notar que a aplicação da isenção ou das alíquotas reduzidas de 10% ou 20% aos rendimentos recebidos pelo titular do estatuto de Residente Não Habitual vai depender dos termos do acordo de bitributação entre Portugal e o país onde são obtidos os rendimentos (por exemplo, o Brasil). Em qualquer um dos casos, os rendimentos não poderão ter origem em uma jurisdição offshore.
Quem quiser obter o estatuto de Residente Não Habitual, e não tenha sido residente em Portugal nos últimos 5 anos, deverá primeiro formalizar a sua residência temporária ou permanente em Portugal (assim se tornando residente fiscal em Portugal) e depois solicitar a atribuição do estatuto de Residente Não Habitual. O pedido de atribuição deve ser feito até 31 de março do ano seguinte ao da chegada em Portugal.
Os vistos de residência (Visto D7 ou Visto Gold) e o regime do Residente Não Habitual são complementares, mas não se confundem. Os vistos de residência apenas garantem a possibilidade de estabelecer residência em Portugal, mas não têm qualquer efeito tributário. Para quem queira se mudar para Portugal, a única maneira de conseguir um regime tributário mais favorável (quando comparado com os demais residentes em Portugal) é aplicar para o regime do Residente Não Habitual.
De qualquer forma, é importante lembrar que em uma transferência de residência será sempre necessário verificar a legislação do país de saída e do novo país de residência, bem como planejar antecipadamente o passo a passo da mudança.
Muitas vezes, parte-se do pressuposto de que a estrutura de gestão do patrimônio de um país produz os mesmos efeitos tributários no outro. Por exemplo no caso de residente não habitual, considerando que nem todos os rendimentos beneficiam de um tratamento tributário favorável e que cada rendimento recebido deve preencher alguns requisitos para poder estar isento ou se beneficiar das alíquotas reduzidas de 10% ou 20%, é fundamental que o futuro titular do estatuto de Residente Não Habitual faça um planejamento patrimonial e tributário antes de formalizar a sua residência em Portugal, para assim poder aproveitar ao máximo as vantagens do regime.