Novo Código Civil: ameaça ou oportunidade?
Renato Chiodaro
Marcos de Camargo e Silva*
O prazo para as adequações aos novos parâmetros encerrou-se em 11 de janeiro de 2004, tendo a técnica legislativa sido aperfeiçoada a tal ponto que a omissão será penalizada, em obediência estrita ao princípio de que "dormientibus non succurrit jus" (o direito não socorre a quem dorme).
Assim, para os sócios que pretendem manter a empresa em situação regular, preservando, dentre outros aspectos, a limitação de suas responsabilidades, foi imprescindível não desdenhar do prazo acima. Vale lembrar que é remotíssima, para não dizer impossível, a probabilidade de prorrogação do prazo legalmente assinalado. Isso porque a data limite foi fixada no próprio Código Civil, e sua alteração requer um procedimento legislativo complexo e demorado.
Portanto, as alterações necessárias tiveram de ser feitas até 11 de janeiro de 2004, sob pena das sociedades se tornarem, automaticamente, irregulares, ficando expostas às desagradáveis conseqüências impostas pela nova lei.
É surpreendente notar que a preocupação externada pelos empresários (que doravante deverão ser designados de outra forma, já que o termo empresário é agora de uso exclusivo dos titulares de firmas individuais) resume-se ao cumprimento de um prazo. Trata-se de uma visão sem a amplitude condizente com o cenário globalizado e dinâmico da atualidade.
O novo Código Civil, cujo projeto tramitou por mais de 20 anos, não cuidou de trazer apenas um novo conjunto de regras com uma data limite para adequações. Mais que isso, o novo diploma impôs uma nova ótica nas relações jurídicas, não apenas na esfera do direito de família, sucessório e contratual, mas também no direito mercantil, que passa agora a denominar-se direito empresarial.
É certo dizer que, se de um lado muito esforço, energia e dinheiro foram gastos para "reinventar" as sociedades, adequando-as às tendências de momento (downsizing, reengenharia e consultorias de gestão, dentre outras), criando a tão necessária vantagem competitiva, de outra face, raras vezes essas evoluções foram traduzidas na carta magna societária, o contrato social.
Estamos, agora, diante de uma enorme oportunidade. É hora de o contrato social refletir a moderna organização empresarial em que se transformou grande parte das sociedades limitadas hoje existentes.
É bem verdade que, superada a "vacatio legis" de um ano e transcorridos mais de dez meses de vigência do novo diploma, apenas agora começou-se a perceber a dimensão e complexidade das mudanças trazidas.
Cabe indagar a todos aqueles que encaram o prazo de 11 de janeiro de 2004 como um obstáculo se em algum momento da vida da sociedade os seus sócios gastaram valioso tempo para repensar o contrato social em suas minúcias. Estes, freqüentemente, sequer traduzem a realidade societária da empresa.
É a hora de fazê-lo.
Esta necessidade de revisão do contrato social deve ser encarada como oportunidade, e não como obstáculo. Reportamo-nos, a esse respeito, ao consagrado sistema de análises SWOT - "strengths" (forças), "weaknesses" (fraquezas), "opportunities" (oportunidades) e "threats" (ameaças) -, o qual recomenda o exame do cenário interno a partir de suas fraquezas, visando buscar melhores forças, e no cenário externo, identificar as ameaças, transformando-as em oportunidades.
A título de exemplo, podemos citar o artigo 1.028, I, combinado com o parágrafo 2º do artigo 1.031 do Código Civil em vigor, o qual estabelece a obrigatoriedade de liquidação da quota de sócio falecido, pagando-se os herdeiros em 90 dias, em dinheiro, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. Ou seja, deve-se encarar a ameaça da adaptação dos contratos sociais como uma oportunidade, uma vez que há o risco de a vontade dos sócios ser suplantada, na sua omissão, por determinações legais.
Cabe destacar, nesse prisma, a preocupação do legislador com a função social nas relações jurídicas, resultando, no tocante às empresas, em uma irreversível inversão de valores: passa-se de uma visão restrita, de acordo com a qual a empresa possuía como finalidade única gerar resultados financeiros para seus detentores, em detrimento a todo o restante, para uma visão holística, na qual o resultado financeiro representa um dos fatores a serem considerados em um contexto muito mais abrangente, que envolve, dentre outros, o meio-ambiente, os funcionários, clientes e fornecedores.
Os comerciantes devem encarar a magnitude dos seus empreendimentos, assumindo, de uma vez por todas, que o empreendimento construído transcende sua própria existência, avançando as gerações seguintes. A empresa precisa, assim, reunir condições que permitam-na alcançar a perpetuidade, sendo capaz de absorver e acompanhar as mudanças e características de cada geração.
O contrato social é a base para a garantia de manutenção do sucesso e perpetuidade do negócio, sobre a qual poderão ser aplicadas inúmeras ferramentas de desenvolvimento, dentre as quais destacamos a governança corporativa. Não há como edificar empreendimentos duradouros sobre uma estrutura vulnerável.
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* Advogados do escritório De Vivo, Whitaker e Gouveia Gioielli Advogados
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