1. Introdução
O tema em pauta no presente artigo é a discussão sobre a controvérsia originada na afetação dos Recursos Especiais 1.694.261/SP, 1.694.316/SP, 1.760.907/RJ, 1.757.145/RJ, 1.768.324/RJ e 1.765.854/RJ, rotulados sob o tema 987, que tem como questão jurídica central a possibilidade da prática de atos constritivos em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal de dívida tributária e não tributária.
Com isso, diante dos dispositivos legais aplicáveis à recuperação judicial e ao processo de execução fiscal, o assunto aqui debatido fomenta a discussão sobre a definição do Juízo competente para decidir sobre a prática de atos de constrição no processo executivo da Fazenda Pública.
Para a elaboração do presente, os meios de consulta foram a literatura jurídica que trata sobre o tema, a jurisprudência pátria do Superior Tribunal de Justiça, e do próprio acervo legislativo sobre o assunto, como a lei 11.101/05 e a lei 6.830/80.
2. Da disposições legais que embasam a discussão em pauta
Preliminarmente, para que possamos precisar o debate quanto à definição do Juízo competente para apreciar e decidir os atos de expropriação requeridos na execução fiscal – se será o Juízo Universal ou o próprio Juízo da execução fiscal - é de importante relevância anotar os dispositivos legais das legislações de recuperação judicial e da execução fiscal, que se entende pertinente.
Elencado na Seção I do Capítulo III da lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, são apresentadas ao interpretador da norma, as disposições gerais que concernem ao processo de recuperação judicial, inaugurado de modo propedêutico pela nova lei de falências, em contraste com o instituto da concordata previsto no decreto-lei 7.661/45, que não mais é aplicado smj, no entanto, se faz apenas ao que se refere as disposições transitórias do novel diploma, estampados entre os artigos 189 a 201.
Sem maiores delongas, o artigo 49 da lei 11.101/05, trata de forma acurada, que estão sujeitos ao processo de recuperação judicial - portanto, ao controle de legalidade exercido pelo Juízo Universal – todos os créditos em face da empresa que postula o benefício legal, até a data do pedido. Ressalte-se, contudo que, na melhor redação deste dispositivo, notamos a alusão aos denominados créditos sujeitos, que concorrem no procedimento. O dispositivo retro mencionado, in verbis:
“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.”
No que diz respeito a cobrança judicial do crédito tributário, podemos observar hialina exceção legal ao artigo 49 da lei 11.101/05. É que, pela lei 5.172/66, Código Tributário Nacional, em seu artigo 187, disposto na Seção II do Capítulo VI de que trata das garantias e privilégios do crédito tributário, nota-se expressa menção à cobrança judicial do crédito tributário que não se sujeita ao processo de recuperação judicial. Essa norma originou-se de maneira quase perfeita ao preceituado no dispositivo da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Isso porque o art. 187 do CTN teve redação alterada pela lei complementar 118/05, sancionada pelo então presidente da época, no mesmo dia em que a lei 11.101/05, ambas entrando em vigor após o mesmo período de vacância.
Na mesma toada, tratando-se da cobrança na esfera judicial que preceitua o dispositivo da lei tributária, é indispensável a referência à lei 6.830/80, que trata sobre o procedimento da execução fiscal de dívida tributária ou não tributária inscrita em Dívida Ativa. A referida Lei, em seu artigo 5º, mas não de maneira certeira – em razão da época que fora editada – pontua que:
“Art. 5º - A competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário.”
Portanto, diante das assertivas legais anteriormente apresentadas, naturalmente se conclui que não há a sujeição do crédito tributário ao processo de recuperação judicial, e consequentemente, não há conflito perante os dois Juízos, certo? Imperando-se o Juízo fiscal sobre o recuperacional.
Na verdade, a discussão é mais profunda e tal afirmação deve ser feita com cautela.
3. Da controvérsa do tema 987
Como já mencionado, mas não esclarecido, a afetação dos Recursos Especiais 1.694.261/SP, 1.694.316/SP, 1.760.907/RJ, 1.757.145/RJ, 1.768.324/RJ e 1.765.854/RJ ao Tema 987 da sistemática dos recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça, contribuiu com o debate acerca da competência entre os Juízos da execução fiscal e da recuperação judicial. Tal discussão possui como questão jurídica central a possibilidade da prática de atos constritivos em face de empresa em recuperação judicial em sede de execução fiscal de dívida tributária e não tributária.
A referenciada controvérsia, todavia, não originou preliminarmente o debate em si. Isto porque, os Conflitos de Competência 120.432/SP e 153.998/ DF, dentre outros CC suscitados, ainda na pendência de julgamento pela Segunda Seção do STJ, conforme entendimento da Corte Especial, já levantaram a matéria para discussão no âmbito judicial. Enquanto não definido pela Segunda Seção, a jurisprudência que impera sobre o Tribunal é de que:
[...] em que pese o comando do artigo 6º, §7º, da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual o deferimento da recuperação judicial não afeta as execuções de natureza fiscal, o Superior Tribunal de Justiça tem perfilhado entendimento no sentido de que os atos de constrição ou de alienação, destinados à satisfação de créditos fiscais, devem ser confiados ao Juízo Universal, para que esse possa exercer o respectivo controle, aquilatando a essencialidade do bem envolvido à atividade empresarial e, por conseguinte, ao processo de soerguimento. Em outras palavras, “os atos de alienação ou de constrição que comprometam o cumprimento do plano de reorganização da empresa somente serão efetivados após a ausência do Juízo da recuperação judicial, tendo em vista o objetivo maior da Lei n.11.101/2005, que é o da preservação da empresa, da sua função social e do estímulo à atividade econômica” (CC 153.627/PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 17/08/17, grifado) [...]. (STJ – CC: 156.935/SP 2018/0043220-0, relator: ministro Marco Buzzi, Data de Publicação: DJ 18/5/18) (grifado)
No mesmo ano do julgamento acima apontado, houve a afetação dos REsp à sistemática dos repetitivos, pelo STJ, sob o tema 987, como alhures mencionado, havendo de forma indireta uma vinculação sobre a matéria dos CCs suscitados, tendo em vista que, tratando-se da possibilidade de prática de atos de constrição, pela Fazenda Pública, em face de empresa em recuperação judicial, há, indubitavelmente, relação com a competência jurisdicional para definição destes atos, considerando a atual jurisprudência e o princípio do Juízo Universal da recuperação judicial.
Em suma, tanto os Conflitos de Competência apontados, como a controvérsia apresentada pelo tema 987 dos repetitivos do STJ, insistem na não aplicação do dispositivo legal do artigo 6º, § 7º da lei 6.830/80, quando da análise da viabilidade da constrição em detrimento de empresa em recuperação judicial, respeitando o princípio da função social e da preservação da empresa.
4. Conclusão
Diante do exposto, pode-se verificar que, a jurisprudência pátria pelo sistema de precedentes judiciais relativiza a aplicação do artigo 5º e 6º, § 7º da lei 6.830/80, ao controverter a cobrança do crédito fiscal à viabilidade econômica da empresa em recuperação judicial, ficando a cargo do Juízo Universal a verificação de tal possibilidade.
_________
Cabe à Segunda Seção do STJ julgar conflito entre juízo da execução fiscal e o da recuperação judicial. [S. l.], 8 jan. 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 18 set. 2020.
REPETITIVOS e IACs. [S. l.], 19 jun. 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 18 set. 2020.
MIGALHAS (ed.). Conflito entre Juízo da execução fiscal e Juízo da recuperação judicial de competência do STJ: competência interna da Segunda Seção. [S. l.], 31 mar. 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 18 set. 2020.
SUPERIOR Tribunal de Justiça STJ - CONFLITO DE COMPETÊNCIA: CC 156.935/SP 2018/0043220-0. [S. l.], 18 maio 2018. Disponível clicando aqui
BRASIL. Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma Lei. [S. l.], 9 fev. 2005.
BRASIL. Lei Federal nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. [S. l.], 9 fev. 2005.
BRASIL. Lei Federal nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. [S. l.], 22 set. 1980.