ALCA: Eventos recentes e perspectivas
Mauro Berenholc
Leonardo Peres Da Rocha e Silva*
Ao final do VIII Foro Empresarial das Américas, os representantes empresariais concluíram um documento de mais de 60 páginas com recomendações e propostas específicas aos negociadores governamentais. Os ministros, em contrapartida, firmaram, durante a VIII Reunião Ministerial, a Declaração de Miami, documento que estabelece as diretrizes para a fase final das negociações da ALCA, que deverá ser implementada a partir de 2005.
Neste trabalho, pretendemos fazer referência aos principais resultados desses dois eventos, bem como tecer alguns comentários sobre as perspectivas que se apresentam a partir da nova formatação negociadora acordada em Miami.
VIII Foro Empresarial das Américas - As Recomendações dos Setores Empresariais
Os representantes empresariais reunidos em Miami tiveram a oportunidade de apresentar e discutir algumas de suas posições a respeito dos mais importantes temas constantes da minuta de acordo da ALCA, preparada a partir das contribuições dos 34 países.
A Coalizão Empresarial Brasileira (“CEB”), formada em 1996 com o intuito de coordenar o processo de influência e participação do setor empresarial brasileiro nos diversos foros de negociações comerciais internacionais, conduziu durante os últimos meses uma discussão intensa e produziu um documento importante com as posições do empresariado brasileiro a respeito dos termos da minuta do acordo sendo negociado pelos diplomatas. Em Miami, os representantes da CEB defenderam tais posições perante as organizações empresariais dos EUA, da Argentina, do Peru, do Panamá, do México e do CARICOM (países integrantes da Comunidade Caribenha), entre outras.
Após dois dias de discussões, os representantes empresariais presentes ao VIII Foro Empresarial das Américas elaboraram um texto com recomendações1 relevantes em relação às negociações oficiais sobre os seguintes temas: (1) agricultura, (2) acesso a mercados, (3) direitos de propriedade intelectual, (4) serviços, (5) política de concorrência, (6) investimentos, (7) compras governamentais, (8) subsídios, antidumping e direitos compensatórios, (9) solução de controvérsias, (10) economias menores, e (11) assuntos institucionais.
O documento de recomendações dos representantes empresariais foi apresentado oficialmente aos ministros durante uma reunião ocorrida no último dia do VIII Foro Empresarial das Américas. Em tal documento, os empresários (i) procuraram salientar os principais dispositivos que esperam ver incluídos no acordo da ALCA, (ii) indicaram a necessidade de se buscar um acordo ambicioso e abrangente sob a ótica empresarial e (iii) pediram maior transparência no processo negociador, ou seja, maior acesso às informações relativas às negociações. Os representantes empresariais também fizeram constar do documento final os assuntos sobre os quais não foi possível alcançar consenso.
Durante a reunião conjunta com os representantes empresariais, os ministros prometeram examinar as recomendações e levá-las em conta na nova fase de negociações, que se iniciou com a assinatura da Declaração Ministerial de Miami, em 20.11.2003.
VIII Reunião Ministerial - A Declaração de Miami
A Declaração Ministerial de Miami2 estabelece as diretrizes para a conclusão, até janeiro de 2005, das negociações para a formação de uma ALCA “abrangente e equilibrada”, levando “em consideração as diferenças nos níveis de desenvolvimento e tamanho das economias”.
Fruto das negociações lideradas pelos governos do Brasil e dos EUA nas últimas semanas, a Declaração Ministerial de Miami está sendo considerada um marco no processo de integração hemisférica, na medida em que (i) autoriza os “países a assumir diferentes níveis de compromissos”; (ii) indica que deverá ser desenvolvido “um conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações, aplicáveis a todos os países”; e (iii) permite “que os países que assim o decidam, no âmbito da ALCA, acordem obrigações e benefícios adicionais.”
A Declaração Ministerial de Miami estabelece ainda que caberá ao Comitê de Negociações Comerciais (“CNC”)3 a elaboração de um conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações aplicáveis a todos os países, que inclua dispositivos em cada uma das seguintes áreas de negociação: acesso a mercados; agricultura; serviços; investimento; compras governamentais; propriedade intelectual; política de concorrência; subsídios, antidumping e direitos compensatórios; e solução de controvérsias.
Procurando obedecer ao conceito de flexibilidade acordado entre os países, a Declaração Ministerial de Miami prevê que o CNC definirá os procedimentos para o desenvolvimento de negociações visando a celebração de acordos bilaterais ou plurilaterais, que estabeleçam uma maior liberalização e compromissos mais abrangentes e aprofundados para os países que assim desejem.
Nos termos da Declaração Ministerial de Miami, espera-se para o início do ano de 2004 a intensificação das negociações e dos trabalhos do CNC, dos nove Grupos de Negociação e do Comitê Técnico de Assuntos Institucionais (“CTI”), a fim de possibilitar o prosseguimento simultâneo das negociações e sua conclusão de acordo com o cronograma. Com relação ao Grupo de Negociações4 sobre Acesso a Mercados, que trata da eliminação progressiva das tarifas e das barreiras não-tarifárias, a Declaração Ministerial de Miami determina que as negociações sejam concluídas até 30.9.2004.
Comentários Finais
“ALCA Light”, “Alquita”, “ALCA à la carte”, “Macarronada hemisférica”, “ALCA Aladizada”, etc. Vários adjetivos vêm sendo usados para descrever o tipo de ALCA que poderá ser alcançada a partir do que foi negociado recentemente por Brasil e EUA, e que está refletido na Declaração Ministerial de Miami como compromisso dos 34 países.
Algumas críticas também foram apresentadas pelos especialistas, que temem sobretudo os impactos negativos que poderão ser causados ao Brasil por esse modelo complexo de negociações. Muitos parecem reconhecer, contudo, que o modelo de negociações estabelecido na Declaração Ministerial de Miami significa o esforço dos negociadores para o alcance de uma ALCA “possível”, dadas as divergências existentes entre Brasil e EUA com relação à abrangência das regras a serem incluídas no acordo sobre temas sensíveis aos dois países (como regras sobre imposição de medidas antidumping, subsídios agrícolas, investimentos e propriedade intelectual).
O fato é que não só o governo, mas principalmente os empresários brasileiros precisarão envidar esforços para atuar nas negociações que acontecerão para a conclusão de um acordo “flexível” da ALCA. Como são consideráveis as incertezas criadas por esse modelo de negociações mais complexo, os setores empresariais terão que se mobilizar e se coordenar ainda mais para demonstrar claramente suas pretensões e sensibilidades perante os negociadores brasileiros.
Nesse contexto, parece-nos fundamental que o governo (i) leve em consideração os termos do documento de recomendações da CEB e do VIII Foro Empresarial das Américas; (ii) possibilite um maior intercâmbio de informações sobre as negociações, de modo a permitir maior envolvimento do setor privado; e (iii) reconheça no setor empresarial brasileiro o elo fundamental para o avanço das negociações comerciais internacionais.
Ao setor empresarial brasileiro, por outro lado, caberá (i) intensificar o relacionamento com o governo, (ii) elaborar posições claras e específicas sobre cada um dos temas das negociações; e (iii) aumentar os esforços de coordenação setorial para transmitir tais posições com maior legitimidade.
Assim, o êxito na formatação de uma ALCA “flexível” demandará um engajamento ainda mais intenso dos representantes dos setores produtivos dispostos a ampliar e consolidar o processo de integração hemisférica, a partir de um modelo de desenvolvimento do comércio intra-regional que possibilite também a geração de mais empregos e riqueza para a população desses países. Quanto maior a coordenação entre os negociadores e os representantes empresariais brasileiros na formulação de propostas em cada um dos temas a serem negociados, maiores serão as chances de se alcançar um acordo comercial mais adequado aos interesses econômicos e sociais do Brasil.
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1O documento elaborado pelos empresários durante o VIII Foro Empresarial das Américas está disponível no seguinte endereço: https://www.miamiftaa2003.com/pdfs/recommendations/portugues.pdf
2O texto da Declaração Ministerial de Miami em português está disponível no site: https://www.ftaa-alca.org/Ministerials/Miami/declaration_p.asp
3De acordo com a Declaração Ministerial de São José da Costa Rica, o "CNC terá a responsabilidade de orientar o trabalho dos grupos de negociação e de decidir sobre a arquitetura geral do acordo e assuntos institucionais. Ao CNC caberá a responsabilidade global de assegurar a plena participação de todos os países no processo da ALCA. Ademais, assegurará que este tema, em particular as preocupações das economias menores e aquelas relativas a países com diferentes níveis de desenvolvimento sejam tratadas em cada grupo de negociação (...)"
4Os nove grupos são: agricultura, acesso a mercados, direitos de propriedade intelectual, serviços, política de concorrência, investimentos, compras governamentais, subsídios, antidumping e direitos compensatórios e solução de controvérsias.
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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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