A base constitucional brasileira estabelece princípios gerais da atividade econômica ao destacar a valorização do trabalho humano, a livre iniciativa e a justiça social. Tais princípios apresentam alta carga programática, inseridos em um projeto de desenvolvimento constitucionalmente qualificado, que informam metas e políticas para a sua implementação na tradução da razão pública que orienta o Estado. Entretanto, se tais princípios ditam as diretrizes e os rumos desse projeto ou programa constitucional, eles não são suficientes, por si só, para a sua efetivação, diante de sua alta carga de abstrativização. A formação da razão pública das políticas regulatórias demanda princípios e instrumentos de ação.
Como os diversos princípios e comandos de ordenação econômica da Carta de 1988 se irradiam para o sistema infraconstitucional, a aplicação das leis e dos atos normativos regulátorios deve ocorrer a partir de uma leitura constitucionalmente qualificada dos planos e diretrizes, corporificados em critérios objetivos e auditáveis, tais como metas de inflação, índices de atividade econômica, índices de atividade industrial, índices de emprego, índices de desenvolvimento humano, capazes de quantificar os impactos das políticas públicas. As atividades reguladas pelo Estado devem levar em conta tanto os elementos qualitativos da base principiológica da ordem constitucional quanto os elementos quantitativos a serem definidos em planos e políticas públicas na formação da razão pública.
A partir de um simples exame da complexidade da função regulatória, apreendida como aquela função estatal de planejar e normatizar a ordem econômica constitucionalmente qualificada, resta claro a tanto da necessidade de se seguir uma base principiológica constitucionalmente dada quanto da importância de se formar a razão pública a partir de interesses distintos, antagônicos ou difusos (públicos e privados), com o uso de expertise técnica, durante todo o processo de decisões regulatórias que corporifica as políticas públicas nos diversos mercados.
Para que as agências regulatórias independentes possam contribuir efetivamente para uma adequada regulação da nossa economia, possam ser corretamente avaliadas, aperfeiçoadas e até mesmo contestadas é fundamental identificar não só as funções a elas atribuídas, mas também estudar os impactos esperados de suas normas e a qualidade dos seus atos normativos1. Esse é o raciocínio que se aplica ao estudo do instrumento de análise de impacto regulatório (“AIR”), ferramenta de gestão das propostas normativas nos mercados regulados. Nesse sentido, cumpre analisar a recente normatização da AIR no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, tendo em conta a agenda de governança pública.
O lançamento pelo Governo Federal, das “Diretrizes Gerais e Roteiro Analítico Sugerido para Análise de Impacto Regulatório” e do “Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório” (2018) seguem a tendência atual do nosso ordenamento jurídico de buscar instrumentos técnicos para a melhoria das informações e da qualidade da atuação regulatória. Nesse ponto, vale destacar dois desses instrumentos:
A AIR, instrumento de avaliação empírica e ex ante dos custos e benefícios de uma regulação, pode ser definida como um processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos, tendo como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão.
A Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) é um instrumento de avaliação do desempenho do ato normativo adotado ou alterado, considerando o atingimento dos objetivos e resultados originalmente pretendidos, bem como demais impactos observados sobre o mercado e a sociedade, em decorrência de sua implementação.
Tal tendência atual pode ser sintetizada nesses novos instrumentos de análise dos impactos (visão prospectiva ou ex-ante) e dos resultados regulatórios (visão retrospectiva ou ex-post). Em ambos os instrumentos, há necessidade de ponderação dos elementos principiológicos, mas eles, por suas características próprias, são desenvolvidos como elementos de definição, medição e avaliação de ações e suas consequências. Esses instrumentos são apontados pelos especialistas como fundamentais para compreender melhor o funcionamento esperado da atividade regulatória e suas consequências.
A AIR se desenvolveu na esteira de uma agenda global de liberalização econômica e modernização do aparato regulatório a qual prescrevia agentes reguladores independentes da máquina central do Estado e novos instrumentos gerenciais de eficiência e produtividade para o setor público2. Embutida nesse receituário havia a crença nas agências regulatórias independentes como condição sine qua non para a preservação da segurança jurídica dos negócios, atração de novos investimentos e recuperação da credibilidade institucional estatal. Nesse contexto, a AIR surge como um instrumento útil e legitimador da atuação das próprias agências regulatórias, ao possibilitar a medição mais objetiva dos efeitos esperados das atividades desses agências, na implementação de planos ou programas governamentais, bem como ao franquear o processo de formação de certos atos regulatórios ao escrutínio público prévio via audiências e consultas abertas, em sintonia com a accountability democrática e com uma nova agenda de desenvolvimento econômico e social mais inclusiva.
Hoje, há regras brasileiras para a edição de normas que impactem a atividade econômica, a denominada análise de impacto regulatório3. Aos poucos vão se formando uma nova mentalidade, novos marcos legais e um novo modus operandi no âmbito da onda regulatória que privilegia uma agenda focada na melhoria da governança, da qualidade da regulação e da medição dos seus resultados, a partir da avaliação das consequências potenciais dos atos, tal como previsto no art. 20, da LINDB.
As normas jurídicas brasileiras que disciplinam a AIR procuram divisar quais são as hipóteses indispensáveis de utilização desse instrumento de avaliação das consequências esperadas dos atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados. Desde logo, a regulamentação da AIR reforça sua aplicação às entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, no âmbito de suas competências. Portanto, pela sua regulamentação, nota-se que a AIR pode ser utilizada para estimar as consequências de uma grande gama de atos regulatórios.
A AIR, como instrumento de avaliação de proposições normativas, é capaz de deixar registros mais visíveis sobre as consequências esperadas de uma política pública e, desse modo, contribuir para o exercício do controle de regularidade formal e material da qualidade das políticas públicas regulatórias, ao fornecer parâmetros mais objetivos para a condução do gestor público.
Sem a AIR, é maior a ameaça de relatórios de auditoria contaminados pelo mito do regulador onisciente, com a adoção de uma interpretação desfocada dos atos do gestor pelos órgãos de controle, segundo parâmetros e informações não existentes à época ou então presumindo informações não factíveis ao tempo dos acontecimentos. Essa distorção de julgamento ocasionada por presunções indevidas pode favorecer uma miopia autoinduzida dos órgãos de controle, conduzindo, por sua vez, a um certo anacronismo de controle4. No limite, sem instrumentos de gestão de impacto das normas, tais como o AIR, pode-se gerar até como um efeito não intencional o apagão das canetas na administração pública, pelo medo do pessoal técnico em avançar com a implementação das normas regulatórias.
Tendo em conta todos os avanços institucionais possíveis com a normatização da AIR, não devemos desperdiçar a oportunidade de seguir na implementação e aperfeiçoamento desse instrumento de avaliação da qualidade regulatória.
Cumpre reconhecer avanços importantes na normatização da AIR, no âmbito da agenda mais ampla de modernização do Estado brasileiro e da sua capacidade regulatória potencial, ou seja, atualmente, há instrumentos legais e regulamentares mais efetivos para o exercício da gestão regulatória.
Por outro lado, ainda é preciso aguardar para ver se essa capacidade regulatória potencial irá se converter em qualidade regulatória efetiva, equivale dizer, se o novo conjunto de regras permitirá desenvolver instrumentos idôneos e abrangentes de avaliação das propostas e dos resultados da nossa regulação estatal. Em resumo, é preciso conferir se os avanços institucionais serão aperfeiçoados e acompanhados de boas práticas ao longo do tempo, segundo uma perspectiva pragmática.
Além disso, será igualmente importante integrar a perspectiva pragmática da AIR ao arcabouço principio lógico do direito regulatório e do direito constitucional econômico, a fim de que o ciclo analítico se desenvolva amparado por balizas conceituais e por concepções de planejamento próprias do Estado Democrático de Direito inaugurado com a Carta de 1988, reduzindo as assimetrias informacionais.
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1- MOTA FILHO, Humberto Eustáquio César. Direito Regulatório. FGV Law Program. Editora FGV, Rio de Janeiro, 2020.
2- OCDE. Recommendation of the Council of the OECD on Improving the Quality of Government Regulation. Paris, 1995.
3- A regulamentação das AIRs veio com o Decreto nº 10.411 de 30 de julho de 2020, o qual disciplina a análise de impacto regulatório de que tratam o art. 5º da lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, e o art. 6º da lei 13.848, de 25 de junho de 2019, e dispõe sobre o seu conteúdo, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigatória e as hipóteses em que poderá ser dispensada.
4- Anacronismo: conceito presente no estudo da história que aponta a incorreção ao se aplicar conceitos e ideias contemporâneas para hábitos, decisões ou instituições do passado. Ao transportar esse conceito para o campo do controle dos atos regulatórios, faz-se uma analogia para o que seria um anacronismo de controle.