Migalhas de Peso

Da fiscalização à condenação: o perigo oculto dos autos de infração trabalhistas

É preciso estar atento ao perigo escondido nos autos de infração trabalhistas e ponderar cuidadosamente os riscos resultantes de um pagamento inadvertido das multas impostas pela fiscalização do trabalho.

2/3/2021

(Imagem: Imagem Migalhas)

A empresa sofre uma fiscalização do trabalho. O auditor fiscal detecta uma irregularidade – por exemplo, o descumprimento de uma das 37 Normas Regulamentadoras do extinto Ministério do Trabalho – e lavra um auto de infração. Considerando que o valor da multa é baixo, a empresa decide pagá-la (com o desconto de 50% que é oferecido nos casos em que ela abre mão do direito de recorrer da decisão). 

Essa situação tão corriqueira no cotidiano das empresas oculta um grande perigo: muitas vezes esses autos de infração são encaminhados ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que, uma vez acionado, tem obrigação de investigar a conduta da empresa relativamente às obrigações apontadas como infringidas. 

A partir daí, uma saga tem início. Instaura-se um inquérito civil, onde o MPT pede que a empresa demonstre o que tem feito para se adequar à legislação. E, independentemente de quão farta seja a prova de que a infração não aconteceu ou foi corrigida, esse inquérito invariavelmente resultará em uma proposta de acordo feita pelo MPT, na qual se exigirá que a empresa “cumpra a lei”, sob pena de pesadas multas. 

No mais das vezes, essa situação faz com que as empresas se recusem a assinar o acordo (batizado de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC), sobretudo quando têm confiança de que as infrações reportadas não mais existem. 

Resultado: o ajuizamento de uma ação civil pública, na qual o MPT requer que a empresa seja condenada naquelas obrigações de “fazer” ou de “não fazer” (“tutela inibitória”), que haviam sido propostas no TAC e nas multas correspondentes. 

Confiante em estar seguindo a legislação, a empresa faz prova na ação de que a lei está sendo cumprida e de que a infração noticiada ao MPT foi algo isolado. E qual não é a sua surpresa quando sai a sentença, condenando a empresa na tutela inibitória postulada? 

Essa aparente incoerência reflete o posicionamento majoritário atual do TST. As condenações se baseiam no art. 497, parágrafo único, do CPC, que prevê não ser necessária a demonstração de dano aos empregados para que a tutela seja concedida. De acordo com esse dispositivo, o Judiciário deve acatar o pedido do MPT sempre que houver risco da “prática”, “reiteração” ou “continuação” de um ilícito. 

Por essa lógica, o fato de a empresa implicitamente reconhecer ter cometido um ilícito trabalhista (a partir do pagamento da multa decorrente do auto de infração) acaba funcionando como uma “sentença de morte” nessas ações civis públicas, já que o Judiciário entende que, se houve um ilícito antes, é razoável assumir que há o risco de que ele possa ser “reiterado” no futuro. 

Esse raciocínio – naturalmente tortuoso e passível de críticas – vem servindo de fundamento para condenações na Justiça do Trabalho. Nem mesmo argumentos como “a conduta da empresa já foi corrigida”, “o ilícito não envolveu muitos empregados”, “a frente de trabalho onde o ilícito aconteceu foi desmobilizada”, ou “a empresa tem nova gestão” têm sensibilizado o TST, que impõe as tutelas inibitórias mesmo nestes casos. 

Mas nem tudo são trevas nesse tema. A jurisprudência também se curva à necessidade de se aplicar o crivo de “razoabilidade” na avaliação da existência de risco de “continuação” ou “reiteração” da conduta ilícita noticiada. Com as provas certas e a argumentação adequada, é possível atravessar a malha da fina peneira usada pelo Judiciário nestes casos e obter a improcedência da ação civil pública. 

Uma coisa é certa: é preciso estar atento ao perigo escondido nos autos de infração trabalhistas e ponderar cuidadosamente os riscos resultantes de um pagamento inadvertido das multas impostas pela fiscalização do trabalho.

Cibelle Linero Goldfarb
Sócia Trabalhista do BMA – Barbosa, Müssnich, Aragão, com atuação na parte consultiva e contenciosa trabalhista.

Luiz Marcelo Góis
Sócio da área de Direito Trabalhista do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.

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