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Para uma nova ordem global: O poder de transformar o mundo e os investimentos ESG em infraestrutura

Infelizmente, por não haver, muitas vezes, por parte dos agentes estatais a conformação jurídica de seus projetos com os investimentos ESG, é exatamente pela mão do investidor que se iniciará a mudança desse status quo.

25/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

“Você tem o poder de mudar o mundo com os seus investimentos”. A frase concebida pelo J.P.Morgan, um dos maiores bancos de investimentos do globo, acena para uma questão fundamental: seria possível imaginar uma sociedade em que a decisão por um investimento ultrapassasse uma fronteira de cunho meramente econômico e proporcionasse uma efetiva transformação na sociedade, de forma a adicionar, além dos ganhos financeiros, valores como a proteção à sustentabilidade, a diminuição do impacto de desigualdade e a consolidação de um ambiente de negócios ético, norteado por regras claras e íntegras, desprovido de favorecimentos apequenadores?

Ao pensarmos nessa nova lógica de investimentos, muitos poderiam afirmar que estaríamos diante de um pensamento utópico, tal como promovido por George Orwell em sua obra 1984, uma das mais belas produções desse tipo de pensamento. Utopia, nos ensina Clóvis de Barros Filho, é exatamente o nome que se confere a uma construção racional imaginada, que não corresponde a qualquer realidade material. Toda utopia confere uma perspectiva inovadora, transgressora e criativa, implicando certa ruptura com os discursos de autoridade, tendo o propósito de fundar uma nova ordem a partir dessa consciência momentânea.

A necessidade de posturas sustentáveis são mais do que prementes, a cada dia a degradação ambiental traz efeitos nocivos para a humanidade e para a vida no planeta. Nessa mesma esteira, preocupar-se com os aspectos sociais, longe de qualquer plano ideológico, é algo que concretiza a condição humana. Adscrever-se a uma forte governança, que confira condições de competição em ambiente saudável e maduro, é algo mais que desejável ao mundo corporativo. Os chamados investimentos ESG, cuja sigla enuncia o início das palavras inglesas environmental, social e governance, retratam exatamente essas inafastáveis preocupações.

Mais do que uma utopia, fruto de uma racionalidade imaginada, elas já deveriam estar concretizadas há muito tempo em nosso meio social. O caminho inevitável para garantir a intergeracionalidade não tem como se esquivar da orientação ESG. A comunidade global, mais do que nunca, deve encampar tais diretivas para que elas se apresentem em seu núcleo, deslocando os investimentos para uma postura qualificada, que compreenda, além dos benefícios econômicos típicos, os benefícios sustentáveis, sociais e éticos.

Do ponto de vista jurídico, mais do que orientações, os ditames ESG podem ser encontrados no texto original da Constituição Federal, sendo, portanto, à luz do ordenamento jurídico, traduzidos em verdadeiras prescrições legais. Agregar tais comandos normativos à promoção de investimentos ESG é uma máxima que deve ser levada a sério por todos aqueles que ostentem o mínimo de responsabilidade na condução de suas atribuições.

E toda essa lógica é ainda mais visível na atividade de provisão de infraestrutura. Se a infraestrutura é fundamental para que o país atinja um nível adequado de desenvolvimento, tal como prescrito no inciso II, do artigo 3º, da Constituição Federal, o atingimento desse propósito não pode ser alcançado de qualquer maneira, a qualquer sorte. Há um modus operandi a ser seguido, para que os valores previstos no texto constitucional sejam, finalmente, implementados. Os investidores em infraestrutura, em suas cadeias máximas de comando, devem examinar se os projetos ostentam as diretivas ESG, caso contrário, o investimento não deverá ser realizado.

É passada a hora que agentes públicos e estruturadores de projeto encampem esses mandamentos em processos concessórios. O resultado imediato da desídia administrativa em propugnar por eles ensejará enorme potencial de invalidação, em arrepio flagrante aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. A concretização de tais comandos normativos pelos agentes responsáveis, com a adoção desse modelo de investimento, propiciará um ciclo de externalidades positivas, transformadoras vivas da sociedade brasileira.

As empresas, por sua vez, devem instigar o Estado a adotá-las, valendo-se, para tanto, dos mecanismos que o direito público oferece para forçar uma mudança da compostura estatal. Como diz o ditado: “se Maomé não vai a montanha, a montanha vai a Maomé”. Se os agentes públicos e estruturadores de projeto, que deveriam, por força normativa, encampar tais diretivas em seus projetos acabam não o fazendo (e muitas vezes não são sequer responsabilizados por tal conduta), devem os investidores combater tal comportamento, e caso não atendidos, deixarem de aportar seus recursos, de forma a propiciar uma imediata alteração da postura administrativa.

É exatamente nesse sentido, que é possível compreender, em toda sua profundidade, a frase que inicia a presente reflexão: “você tem o poder de mudar o mundo com seus investimentos”. Infelizmente, por não haver, muitas vezes, por parte dos agentes estatais a conformação jurídica de seus projetos com os investimentos ESG, é exatamente pela mão do investidor que se iniciará a mudança desse status quo, de forma a converter qualquer pensamento tangencialmente utópico em efetiva realidade sensorial, como necessitamos urgentemente nos dias.

Augusto Neves Dal Pozzo
Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

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