A nova Lei de Incentivos Fiscais para o Desporto
Álvaro Melo Filho*
Ciente e consciente da transcendência e onipresença social do desporto, e, com o intuito de criar mecanismos realistas e pragmáticos para superar as restrições e dificuldades de caráter financeiro que tolhiam e tolhem do desenvolvimento do desporto brasileiro, há exatos 20 anos, elaboramos Anteprojeto de Lei sobre Benefícios Fiscais para o Desporto. De fato, em nosso livro Direito Desportivo Atual, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1986, p. 111/115, já repontávamos que os incentivos fiscais para o desporto comportam-se como autêntico investimento social pois contribui, significativamente, para reduzir a necessidade do número de leitos nos hospitais e de cárceres nos presídios, tendo efeitos palpáveis na prevenção de atitudes anti-sociais, além de propiciar inclusão e inserção sociais, evidenciando-se, assim, como “a mais econômica forma de medicina social”. Aliás, de uma perspectiva econômica, os incentivos fiscais para o desporto configuram-se também como investimento, não só gerando emprego para o expressivo contingente de profissionais envolvidos na área e vinculado à indústria do desporto (bens e serviços), mas igualmente aumentando as exportações do setor desportivo.
Na esteira de nossa sugestão, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 7.752, de 14 de abril de 1989 (clique aqui), que estabelecia abatimento para pessoas físicas e dedução para pessoas jurídicas, relativamente ao Imposto de Renda devido, nas hipóteses de doação, patrocínio ou investimentos na área desportiva. Lamentavelmente, a visão míope, estreita e a crônica resistência de concessão de incentivos fiscais para o desporto, com lastro na retórica da “austeridade da política fiscal” determinaram sua suspensão (Lei nº 8.034/90 - art. 1º, III) (clique aqui), e, ulterior revogação pela Lei nº 8.402/92 (clique aqui). Aliás, esta lei, paradoxalmente, restabeleceu, no seu art. 1º, quinze (15) tipologias de incentivos fiscais destinados a outros setores, “rifando” no art. 5º exatamente os estímulos fiscais que beneficiariam o desporto.
A Lei nº 11.438/2006 é uma cópia quase servil (ou "clonagem jurídica" do deputado federal autor do PL nº 1.367/03) (clique aqui) de outro Anteprojeto de Lei de Incentivos Fiscais para o Desporto, arquitetado e publicado em nosso livro “O Novo Direito Desportivo”, Ed. Cultural Paulista, S. Paulo, 2002, p. 113/121, que teve "contribuições de melhoria e de pioria" agregadas no percurso legislativo até sua versão final. É um registro que se faz para restabelecer a verdade histórica do direito desportivo, pois, a vaidade ou o propósito inconfessado de alguns, fê-los apresentar-se, na mídia, como “pai” da nova lex sportiva.
Deplorável o egoísmo e o receio de “competir” por recursos da área da Cultura, face ao apelo e divulgação que tem o Desporto, resultando em lobby e na Medida Provisória nº 342, de 29/12/06 (clique aqui). Com isso, o teto de renúncia fiscal em favor área do Desporto ficou limitado a um por cento (1%) do total de impostos anualmente arrecadados pelas empresas com base no lucro real, enquanto a Cultura manteve o teto anual de quatro por cento (4%). Ademais, sorrateiramente e em detrimento dos supostos benefícios, a MP nº 342 alterou, no mesmo dia, a redação do art. 1º, § 1º, I da Lei nº 11.348/06 reduzindo de 4% para 1% o percentual relativamente à pessoa jurídica, o que torna, na prática, letra morta o “incentivo fiscal” concedido, pois, de cada R$ 100.000,00 devidos como Imposto de Renda, apenas R$ 1.000,00 poderão ser destinados pelas empresas a projetos desportivos e paradesportivos, numa “jogada criminosa”, para usar o jargão futebolístico. À evidência, comparativamente à Cultura, visível é o tratamento discriminatório, inequitativo e infringente dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, onde os interesses corporativos do setor cultural ganharam amparo jurídico privilegiado, como principal, colocando-se o desporto como acessório. Cumpre lembrar, nesse passo, que o § 2º do art. 4º da Lei nº 9.615 (“Lei Pelé”) (clique aqui), com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.672/03 (clique aqui), estatui que a organização desportiva do país “integra o patrimônio cultural brasileiro”, vale dizer, o desporto como uma das traduções mais ricas da cultura brasileira e com lugar de destaque no cenário internacional deveria, também, usufruir dos benefício fiscais de há muito assegurados à Cultura através de duas leis privativas do setor: “Lei Rouanet” (Lei nº 8.313/91) (clique aqui) e Lei de Audiovisuais (Lei nº 8.685/93) (clique aqui). Reponte-se que este último diploma legal teve dimensão e alcance ampliados, em 28.12.2006, coincidentemente no dia anterior à sanção da legislação de incentivos fiscais para o desporto, consoante se verifica na leitura das alterações efetivadas pela Lei nº 11.437/06 (clique aqui), destacando-se dentre os objetivos colimados:
- “ampliar conquistas importantes da indústria áudio visual brasileira instituídas através da Lei Rouanet, na Lei de Audiovisuais e na Medida Provisória nº 2.228-1” (clique aqui);
- “criar dois incentivos em benefício da produção independente e da televisão brasileira e prorrogar a vigência de outros incentivos existentes”.
De todo modo, a Lei nº 11.438/06, com seus 14 dispositivos, ao resgatar, em parte, a enorme dívida social para com o desporto brasileiro, passa a incentivar a participação e parceria da iniciativa privada nas atividades desportivas, condensando alguns aspectos que merecem realce, em apertada síntese:
a) o prazo para vigência da nova lei está limitado até o ano-calendário de 2.015, ou seja, em oito (8) anos extinguem-se os benefícios fiscais instituídos em prol do desporto, suprimindo o caráter de continuidade maior da renúncia fiscal (art. 1º), quando a Cultura já usufrui de incentivos fiscais há 15 anos;
b) contempla projetos desportivos vinculados às manifestações de desporto educacional, desporto de participação e desporto de rendimento (art. 2º), ou seja, pavimenta o caminho para dar suporte a programas e experiências de caráter educativo e lúdico, seja possibilitando a iniciação e a formação desportiva em escolas e universidades, seja viabilizando as atividades desportivas formais e não-formais pertinentes que se ao chamado desporto-lazer ou desporto recreativo, despido do animus de vitórias, da ambição de placard ou da volúpia de records;
c) mesmo no desporto competição ou de rendimento devem os incentivos fiscais ser canalizados, prioritariamente, para “atletas sem patrocínio, clubes que trabalham na formação da base, modalidades pouco difundidas e com menos visibilidade”, para usar as expressões do Ministro de Esporte Orlando Silva, ou seja, a preferência deve ser do desporto de base e não do desporto de ponta;
d) impõe-se, igualmente, reservar recursos oriundos dos incentivos fiscais para “projetos desportivos destinados a promover a inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social”, na dicção do art. 2º, § 1º da Lei nº 11.438/06, o que implica em retirar os jovens da rua, das drogas e da marginalidade, pondo por terra as críticas estéreis e distorcidas que se trata de “puro assistencialismo” e de “recursos públicos sem contrapartida”;
e) os artigos 1º e 5º, afastando qualquer espécie de exclusão ou preconceito, reservam espaço para aquinhoar projetos paradesportivos onde os beneficiários serão os atletas portadores de deficiência, sejam cegos, surdos, em cadeiras de rodas, deficientes mentais ou amputados, contribuindo para que desenvolvam a auto-estima, o desejo de superação, o hábito de lutar por triunfos com dignidade e o nível de qualidade de vida;
f) há uma salutar e profilática regra insculpida no § 2º do art. 2º vedando a utilização de incentivos fiscais para o desporto destinada ao pagamento de remuneração de atletas profissionais, qualquer que seja a modalidade desportiva. Com esse ditame, ao “blindar’ os recursos incentivados e afastar a possibilidade do seu uso, sobretudo em prol de atletas profissionais dotados de natural vis atractiva de patrocínio e doação, derrui-se a análise caolha dos contumazes “apedrejadores” da lex sportiva;
g) os artigos 10 e 11 tipificam infrações e fixam sanções por desvios ou irregularidades verificadas na aplicação dos incentivos fiscais, o que se afigura essencial para a credibilidade e confiabilidade da destinação do Imposto de Renda devido na Declaração de Ajuste Anual pelas pessoas físicas (6%) e pessoas jurídicas (1%) em prol de programas e projetos desportivos e paradesportivos; h) os recursos promandos dos incentivos fiscais e utilizados no apoio a projetos desportivos e paradesportivos, por força do art. 13, devem ser disponibilizados na Internet, e, mensalmente, inseridos no sítio do Ministério do Esporte indicando sua origem e destinação, assegurando transparência, publicidade, controle e fiscalização do uso adequado, além de prevenir fraudes, manipulações e desvirtuamentos.
A novel lex sportiva de incentivos fiscais não pode ser recebida como panacéia ou solução mágica, sendo patente, ou melhor, patético, que foi “castrada” pela artificiosa MP nº 342/2006 no mesmo dia de seu nascimento, e, por isso, comemorada apenas pelos que desconhecem tais “circuncisões” e “restrições” jus-desportivas. De todo modo, mesmo “jogando para a platéia” a nova legislação lança sementes fertilizantes no campo desportivo, tanto motivando a livre iniciativa no efetivo contributo ao acesso universal, equânime e permanente às práticas desportivas, quanto estimulando a mutação de paradigmas das políticas desportivas para que atendam às demandas da sociedade desportivizada. Nesse diapasão, augura-se que o desporto – único cartão postal do país no exterior, parceiro da educação e da saúde -, além de poderoso instrumento de inclusão social e de integração nacional, comece, na práxis, a categorizar-se como direito do cidadão, converter-se em dever do Estado e transfundir-se em responsabilidade social de todos.
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*Advogado. Professor com Mestrado e Livre-Docência <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Desportivo. Membro">em Direito Desportivo. Membro do Conselho Consultivo do IBDD - Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro da FIFA, da International Sport Law Association, da Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos do Ministério de Esporte e da Comissão de Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB. Consultor da ONU na área de Direito Desportivo. Autor de 23 livros na área do Direito Desportivo.
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