Desde o advento do decreto legislativo 6, de março de 2020, que instaurou o estado nacional de calamidade pública em decorrência da pandemia da covid-19, toda a sociedade se viu obrigada a passar por adaptações, não sendo o empregador exceção à tal regra.
Nesse contexto, a portaria conjunta 20, de 18 de junho de 2020 do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, ainda em vigor, estabeleceu uma série de medidas a serem observadas no ambiente laboral a fim de mitigar os riscos de transmissão do vírus.
Quase um ano desde a decretação do estado de calamidade e diante da recente aprovação do uso emergencial de algumas vacinas, o que deverá evoluir para o registro definitivo e efetiva vacinação em massa da população, novas questões se apresentam aos empregadores, dentre elas a possibilidade, ou não, de obrigarem os seus empregados a se vacinarem tão logo seja possível, assim como a postura a ser adotada em relação àqueles que recusarem a aplicação do imunizante sem uma justificativa aceitável.
Tal questionamento reveste-se de extrema relevância, mormente considerando que tanto o Ministério da Economia – por meio da nota técnica SEI 56376/2020/ME1, quanto o Ministério Público do Trabalho (MPT) – via nota técnica GT covid-19 20/202, reconhecem a covid-19 como patologia cuja origem pode decorrer das atividades laborais.
Importante ainda pontuar que os artigos 7º, XXII da Constituição Federal3, 157 da CLT4 e a NR 7 deixam claro que é dever do empregador zelar pela saúde dos empregados, inclusive de maneira preventiva.
Diante disso, em sendo a vacina um meio de prevenção à doença cuja origem pode ser reconhecida como ocupacional e sendo do empregador o dever de zelar pela saúde dos empregados, a conclusão a que se pode chegar em um primeiro momento é pela possibilidade da imposição da vacinação, pelo empregador, aos seus empregados.
Ocorre que devem ser sopesadas outras questões. Embora exista um poder-dever das empresas em relação ao zelo pela saúde dos empregados, devem ser observados os demais princípios que norteiam o estado democrático de direito, sobretudo as garantias constitucionalmente previstas.
Sobre a possibilidade da vacinação obrigatória, o Supremo Tribunal Federal (STF) no final do ano de 2020, no julgamento do ARE 1267879 e das ADIs 6586 e 6587, fixou teses de repercussão geral segundo as quais é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina, desde que a vacina seja a) registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou b) tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou c) seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico.
Ainda, o colegiado definiu que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, podendo ser implementada por medidas indiretas de coerção, a exemplo da restrição ao exercício de determinadas atividades ou à presença em certos lugares.
Tem-se, portanto, que o primeiro ponto a ser observado pelo empregador é a diretriz do órgão de saúde, seja ele de âmbito federal, estadual ou municipal, que determinará ou não a obrigatoriedade da vacinação da população em geral.
E é importante lembrar que não há, até o momento, qualquer Lei ou ato que regulamente a vacinação contra a covid-19, de forma que toda e qualquer ação deve ser tomada com cautela.
Decerto, caso a vacinação seja incluída no calendário obrigatório ou venha a ter a sua obrigatoriedade prevista em lei ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, inclusive com sanções àqueles que não se vacinarem, o empregador terá em seu favor argumentos que sustentem a determinação interna para que os empregados apresentem o comprovante de imunização, sob pena de aplicação de medidas disciplinares, até mesmo a despedida por justa causa.
Outro argumento a ser usado pelo empregador é o fato de que a vacinação é medida de saúde pública que visa resguardar o bem de toda a coletividade, o que se sobrepõe a questões individuais.
Mesmo diante de tais argumentos, vale lembrar que, havendo recusa à vacinação, antes de aplicação imediata de qualquer sanção, deverá ser observada eventual apresentação de motivo relevante, a exemplo de condições clínicas que contraindiquem a aplicação do imunizante.
Apresentada recusa injustificada à vacinação, é importante que o empregador observe a gradação das medidas disciplinares com a advertência expressa de que a manutenção da conduta indevida pode ocasionar a dispensa por justo motivo.
Na hipótese de a vacinação não ser incluída no calendário obrigatório, não vir a ter a sua obrigatoriedade prevista em lei ou não seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, o entre privado não pode, por si só, impor medidas de coerção, sob pena de violação de direitos e garantias individuais. Eventual dispensa em virtude da recusa à imunização poderá ser entendida como discriminatória.
De qualquer sorte, em qualquer das situações apontadas acima, o empregador, a fim de se resguardar em caso de eventual acionamento judicial, valendo-se das disposições do artigo 75-E da CLT5 pode instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar o contágio pela covid-19 – inclusive com a recomendação de vacinação - e o empregado deverá assinar termo de responsabilidade acerca do conhecimento de tais instruções.
O que se tem, portanto, é que o empregador conta com alguns fundamentos para obrigar que seus empregados se vacinem, mas deve agir com cautela, para que não haja risco de alegação de prática que viole as garantias individuais dos empregados ou que constituam ato discriminatório.
1 Estabelece regras aplicáveis à análise do nexo de causalidade entre a covid-19 e o trabalho para fins de concessão de benefício previdenciário.
2 Caracteriza a covid-19 como doença ocupacional, quando comprovada que a infecção ocorreu em decorrência das atividades especiais de trabalho e da outras providencias, tal como a menção da patologia no PCMSO, dentre outras.
3 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
4 Art. 157 - Cabe às empresas: I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.
5 Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.