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O credenciamento na nova legislação sobre licitações

Ao tempo que estabiliza as definições quanto à matéria, promove maior segurança jurídica e dispensa da análise do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas debates quanto a aspectos mais básicos dessa modalidade de contratação pública.

15/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

Em dezembro de 2020, o Senado Federal aprovou o texto final do PL 4253/20, destinado a substituir e atualizar as regras hoje vigentes com relação às licitações públicas. Caso sancionada, a nova Lei Geral de Licitações finalmente tratará de forma expressa do credenciamento, modalidade de contratação decorrente de inexigibilidade de licitação amplamente adotada no Brasil.

Nesse caso, a previsão legal finalmente sanará a necessidade de maior segurança jurídica para milhares de empresas que atuam nesse modelo de contratação pública, mas que dependem, muitas vezes, da análise do judiciário e dos tribunais de contas para solucionar divergências sobre aspectos básicos da contratação.

A modernização dos processos de compras públicas é essencial. Nessa medida, a atualização e a unificação dessas normas vêm se mostrando necessárias já há muito.

Isso porque o anacronismo da lei 8.666/93 desde o início gerou a necessidade de serem editadas diversas leis e regulamentos complementares para o fim de serem abarcadas diversas possibilidades que o universo das licitações tem aberto nos últimos tempos.

Mais do que isso, admitiu-se a criação doutrinária e jurisprudencial de modalidades de contratação. Esse é o caso do credenciamento, que, embora nunca tenha encontrado previsão expressa na Lei, é amplamente utilizado no Brasil como uma hipótese de inexigibilidade de licitação (arts. 25 e 26 da lei 8.666/93).

Exemplos clássicos de contratação por credenciamento são serviços médicos e serviços de assistência jurídica. Costumeiramente, os DETRANs também firmam contratos de credenciamento, como com relação aos CFCs (Centros de Formação de Condutores) e às clínicas destinadas a realizar exames em condutores para obtenção ou renovação de CNH (Carteira Nacional de Habilitação).

Por se tratar de hipótese de inexigibilidade de licitação, é necessário que se estabeleçam critérios objetivos com o propósito de se evitar sua adoção em hipóteses inadequadas, em detrimento do interesse público.

Assim, na ausência de expressa previsão legal, o TCU vem construindo, desde 1995, o entendimento jurisprudencial que discriminou o conceito e os requisitos de contratação que seja realizada por meio de credenciamento.       

A Corte de Contas deixou assentado que o credenciamento é cabível quando a existência de diversos prestadores de serviços for benéfica ao interesse público e adequada à satisfação do interesse coletivo.

Ainda, estabeleceram-se os requisitos dessa modalidade de contratação: (a) demonstração de que as necessidades da Administração somente poderão ser atingidas dessa forma; (b) garantia de igualdade de condições entre os interessados no credenciamento; e (c) predefinição, pela Administração Pública, do valor que será cobrado pela prestação do serviço.

O STJ já incorporou em seu entendimento a necessidade de preenchimento desses requisitos.

Em outras palavras, o credenciamento vem sendo amplamente utilizado pela Administração Pública há mais de duas décadas. Ao longo de todo esse tempo, a doutrina especializada e a jurisprudência do TCU e do STJ também vêm consolidando as suas características.

Agora, finalmente será positivado o que vinha sendo construído pela doutrina e pela jurisprudência: caso sancionada pelo Presidente da República, a nova Lei de Licitações trará o credenciamento nas hipóteses de inexigibilidade de licitação.

Todo o conteúdo dos arts. 6º, inciso XLIII; 73, inciso IV; 77, inciso I; e 78, todos do PL 4253/20, acolhem e confirmam o entendimento consolidado da Corte de Contas a respeito da matéria.

Os incisos do art. 78 estabelecem as hipóteses em que o credenciamento poderá ser adotado: (i) quando for viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas e padronizadas; (ii) quando a seleção do contratado estiver a cargo de terceiro; e (iii) quando a flutuação de preços e da prestação dos serviços impedir a promoção de adequado processo licitatório.

Por sua vez, os incisos do parágrafo primeiro do art. 78 do PL definem os requisitos do credenciamento: (iv) manutenção de chamamento aberto para que prestadores de serviços possam requerer o credenciamento a qualquer tempo; (v) adoção de critérios objetivos de distribuição da demanda, quando não for possível a execução simultânea dos contratos; (vi) o edital de chamamento deve trazer condições objetivas e padronizadas de contratação, com predefinição do preço; (vii) a necessidade de a Administração realizar pesquisas de mercado a fim de definir os preços nos casos de credenciamento em virtude da fluidez do mercado; e (v) a proibição da terceirização do serviço objeto do credenciamento.

A incorporação do credenciamento na nova legislação é salutar. Ao tempo que estabiliza as definições quanto à matéria, promove maior segurança jurídica e dispensa da análise do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas debates quanto a aspectos mais básicos dessa modalidade de contratação pública.

Agora, é necessário aguardar a sanção da lei.

Mariana Mello Lombardi
Advogada do Barretto & Rost Advogados, graduada em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Direito e Prática Processual nos Tribunais pelo UniCEUB.

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