Muito se tem escrito, hodiernamente, a respeito da desmontagem da operação chamada “Lava-Jato”, através de uma atomizada e progressiva desestruturação de todo o edifício, que chegou a dar esperanças de afastarmos para bem longe da vida pública brasileira o fantasma da corrupção. Desmontagem nem sempre necessária e justificada, embora reconheçamos que muito do que se desfaz agora encontra plena justificação no Direito.
Em nossa obra “Revisitando uma História sem fim - o Ministério Público em tempos de crise” (Editora Contracorrente) já chamávamos a atenção para os efeitos destrutivos e deletérios da divinização de Magistrados, membros do Ministério Público e agentes políticos, em contraposição à degradação e demonização de outros e de figuras públicas do mais alto escalão, em grandes manifestações populares.
A exacerbada exaltação desperta um dos mais perigosos sentimentos humanos – a desmedida vaidade – que para ser alimentada cada vez mais, não segue os caminhos da ortodoxia, mas vai além, como que se os fins justificassem os meios.
Por outro lado, o aviltamento das personagens que integram o mais alto cenário público do país traz o descrédito nas instituições nacionais, incitando os homens à desobediência civil e afastando investidores estrangeiros.
Todas essas consequências são ainda mais terríveis em tempos de comunicação global e, pior ainda, em tempos de isolamento social provocado pela pandemia, que traz ainda mais insegurança a respeito do nosso futuro.
A “Lava -Jato” pôs à luz toda fragilidade do nosso sistema de prevenção e de combate à corrupção que infeccionava rapidamente todo tecido de poder; a pandemia desvelou o despreparo, o descuido, o abandono em que se acha nosso sistema de saúde – não apenas do ponto de vista físico e estrutural, mas do ponto de vista estratégico, a sacrificar os abnegados homens e mulheres que nele estão inseridos, incansáveis desafiadores do perigo e da morte, para salvar vidas.
Em sua recente publicação, intensa e verdadeira (“Vamos sonhar juntos”), o Papa Francisco se refere ao que chama “Covid Pessoal”: situação que atinge uma determinada pessoa, que se vê obrigada a uma “pausa, que revela aquilo que necessita mudar”; uma “crise, que é tempo de purificação”.
Ele relembra duas histórias bíblicas em que o “Covid Pessoal” não surge da desgraça “mas da negligência a uma dádiva”: foi o que aconteceu com Salomão e Sansão. Ambos recebem grandes dons: “a Salomão é concedida a imensa sabedoria” e a Sansão, “a enorme força necessária para derrotar seus inimigos” – “mas ambos acabaram mal, porque não honraram o dom recebido”. O coração de Salomão esfriou, “à medida que seu ego se expandiu” e Sansão tinha uma fraqueza moral, que o deixou ser seduzido por Dalila. Mas, eles se recuperaram, demonstrando que “há vida depois da crise, há vida depois da Covid”.
Parafraseando o Papa Francisco, o que se espera, nestes tempos de “Covid Institucional”, é que todos os detentores do poder voltem a honrá-lo e façam renascer nosso Estado de Direito.
Conheço melhor o Poder Judiciário e o Ministério Público. Espero que essas instituições, nesta época de recolhimento e de reflexão, estejam aprendendo a dura lição que as atuais circunstâncias nos oferece e retornem a praticar os dons sagrados que receberam da ordem constitucional, ou seja ao cumprimento imparcial da lei.
Com efeito, a imparcialidade é a pedra de toque da magistratura, a qualidade que lhe confere legitimidade política para o exercício de poder jurisdicional, uma vez que seus membros não são escolhidos pelo povo.
O Ministério Público, mesmo quando na função de acusar criminalmente ou de defender o interesse público, deve também ser imparcial – lutar nos autos com a regras da ortodoxia jurídica, com lealdade e dentro da trincheira da lei, buscando a prevalência da verdade real.
Não se constrói um Estado de Direito sem esses dois essenciais pilares da Justiça, naturalmente coadjuvados pelas outras carreiras jurídicas e a própria advocacia.
É hora de despertar.