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Produto usado com defeito. Posso processar o vendedor?

Texto simplificado, destinado a informar de maneira didática o cidadão de seus direitos e deveres a respeito das compras e vendas virtuais.

2/2/2021

Com a popularização da internet, tornou-se comum a compra e venda de produtos novos e usados, entre pessoas físicas e jurídicas, por intermédios de sites destinados a anúncios; OLX, Mercado Livre, Enjoei, entre muitos outros.

Ocorre de maneira recorrente, que a descoberta de um defeito no produto após a compra, ou mesmo inadimplemento (não pagamento da dívida) causa desentendimentos entre as partes, desentendimentos estes que se desencadeiam nas mais variadas situações estressantes; exposição do vendedor nas redes sociais e grupos de venda, vendedor que some, comprador que não paga as parcelas prometidas, cobrança para familiares e alguns casos até danos morais e crimes contra a honra.

Fica a dúvida, quais são meus direitos? O que pode ser feito? Posso processar o vendedor? Posso processar a plataforma?

A resposta, infelizmente não é direta e depende do caso.

Se o vendedor é uma empresa (pessoa jurídica) que de forma habitual anuncia seus produtos (de atividade fim) nesses portais ou um profissional autônomo que fornece serviços, e o comprador não eventual busca dar utilidade final ao produto, não adquirindo estoque com intuito de revender. É completamente cabível a aplicação do Código do Consumidor na hipótese, com todas as regras de proteção nele presente, como garantia, direito de arrependimento, responsabilidade por defeito ou vicio, responsabilidade solidaria e inversão do ônus da prova. Caso encerrado.

Porém, se o vendedor é uma pessoa física que está simplesmente se desfazendo de algum produto que não lhe tem mais utilidade, usado ou não e sem habitualidade, se trata de uma relação de compra e venda regida pelo Código Civil (a partir do Art. 481) e não pelo Código Defesa do Consumidor, deste modo as regras são diferentes.

Primeiro que a compra e venda cível, enquanto negócio jurídico, conclui-se apenas com a tradição, que é a entrega física do produto, portanto, o vendedor é responsável pela mercadoria até a efetuação da entrega. No caso de o pagamento ser feito antecipadamente por deposito ou meio eletrônico e o produto, a ser entregue posteriormente, apresentar algum defeito ou perecimento antes da tradição, fica o vendedor obrigado a devolver o valor pago ao comprador.

No caso de envio a distância a tradição ocorre no momento da entrega do produto a transportadora conforme a lei:

Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador.

§ 1º Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste.

§ 2º Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustados.

Deste modo, quando o envio é feito a distância por opção do comprador este arca com o risco do transporte. Em caso de extravio ou dano durante o transporte é possível o direito de regresso por parte do comprador, na esfera consumerista, contra a empresa de frete, ou mesmo o portal de anúncios (quando este se dispõe a intermediar o processo de envio). Uma exceção é quando o produto não é entregue por culpa do comprador, que informou o endereço errado, ou não estava no endereço combinado.

Sobre defeitos nos produtos, impera no Código Civil a presunção de boa-fé, não há que se falar em responsabilidade objetiva como nas relações consumeristas, toda alegação de responsabilidade precisa ser comprovada além do nexo causal (ligação entre ação e dano).

Para evitar que exista briga neste caso, o Código Civil traz a modalidade de “venda sujeita a prova”, que traduzindo para uma situação típica de compras de usados na internet, é quando se acerta um teste e só após esse teste se tem como realizada a venda. São as hipóteses em que o vendedor chama o comprador para testar, digamos, uma TV em sua casa antes da compra, ou que fala algo como “teste por uma semana, se nesse prazo der problema devolvo seu dinheiro”. No caso é preciso a confirmação de que o comprador deseja ficar com o produto, em resumo, quando o vendedor manda aquela mensagem no WhatsApp “E aí, testou? Tudo ok?” e o comprador confirma, se dá como encerrado o negócio jurídico:

Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.

Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina.

Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la.

Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável.

É preciso também informar que o CPC proíbe, através de seus princípios, o comportamento contraditório, em linguagem simples são aqueles casos que o comprador que deu seu “ok” aparece depois de muito, muito tempo, reclamando de defeito no produto. Se assume que nesse caso o defeito surgiu após o fechamento da venda, por conta da presunção de boa-fé do vendedor, se o comprador acredita que realmente foi enganado é preciso provar.

Impera no direito civil, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em exemplos práticos, não é razoável pedir o cancelamento do negócio porque percebeu uma pequena marca quase invisível, depois de um grande tempo de uso, de um produto que comprou ciente de ser muitos antigo. Não é proporcional em uma pequena venda de um item do dia a dia, o vendedor pedir juros e correção monetária na devolução do valor por conta do comprador ter desfeito o negócio injustificadamente, digamos, um dia após a entrega, ressalvando-se as perdas e danos pelos negócios perdidos.

Muitas vezes a situação se desenrola em ataques nas redes sociais, principalmente com exposição das conversas e partes responsáveis nos grupos de venda. No caso, mesmo que as alegações sejam verdadeiras, é possível responder por crimes contra a honra e acabar tendo que indenizar a outra parte, alguns crimes contra a honra admitem a exceção da verdade, mas mesmo assim, se ações processuais forem envolvidas será no mínimo uma grande dor de cabeça.

O recomendável é sempre que negociar, guardar algum outro dado da outra parte; endereço, CPF, RG e caso acredite ter sido vítima de estelionato ou má-fé, buscar a delegacia no primeiro caso e um advogado para lutar por seus direitos na esfera cível no segundo caso. Aquele que teve sua imagem injustamente exposta, também pode buscar danos morais contra o expositor, presumindo possível a comprovação dos danos.

Quanto as plataformas que possibilitam esse tipo de negócio, se desconhece a existência uma legislação especifica além do CDC e Marco Civil da internet, se tem entendido que as plataformas são responsáveis proporcionalmente ao serviço que fornecem; Um portal de anúncios que apenas possibilita o chat entre vendedor e comprador é responsável por tomar as medidas cabíveis para evitar que estelionatários se utilizem de seu sistema, da mesma forma, um site, que funciona como intermediário para o  pagamento, assume a responsabilidade em transferir o valor e um portal que também possibilita a intermediação do envio, se torna responsável pelo item durante o transporte. É comum que essas empresas ofereçam mais de um tipo de serviço, por exemplo, sejam intermediarias da comunicação, das reclamações, do transporte e do pagamento, se for o caso, tornam-se solidariamente responsáveis por todas as etapas mencionadas.

Lucas de Moraes Bittencourt Campagnolo
Advogado especialista em Processo Civil. Bacharel em Direito pelo CESUPA. Pós-graduado em Processo Civil pela EBRADI. Pós-graduando em Direito Tributário no UNIFTEC. Certificado em Direito Bancário pela FGV.

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