Por certo, um dos objetivos pretendidos pelo legislador reformista com a edição da lei 13.467/17, intitulada reforma trabalhista, foi estimular a denominada litigância responsável na Justiça do Trabalho, caracterizada pelo uso ético e adequado do processo judicial para a tutela de direitos trabalhistas e sociais lesados, repudiando-se as lides temerárias e a insegurança jurídica dela derivadas.
Tal intento fica bem evidenciado nas palavras do deputado Rogério Marinho, relator do projeto de lei que resultou na edição da lei 13.467/17:
“Na nova lei, medidas foram elaboradas para evitar que tribunais fiquem abarrotados com ações absurdas. A modernização instituiu, para coibir pedidos infundados, a sucumbência recíproca, que já existe no processo civil. Ou seja, a parte que perder deverá arcar com as custas do processo”.1
Nessa perspectiva, a reforma trabalhista introduziu no processo do trabalho não apenas a figura dos honorários sucumbenciais nas lides decorrentes da relação de emprego, mas também fixou critérios objetivos para concessão da justiça gratuita, além de acrescer à CLT uma seção dedicada à responsabilidade por dano processual, tudo isso com a clara finalidade de bloquear as ações aventureiras e atrair segurança jurídica para o ambiente contencioso trabalhista.
Assinala-se ainda que, a partir de 11 de novembro de 2017,2 a nova legislação laboral adquiriu modernos recursos que fomentam o diálogo e a autocomposição entre as partes, seja na esfera individual, seja no âmbito coletivo, enaltecendo, como deve ser, a aproximação dos sujeitos e a conciliação como método apropriado para superar suas divergências.
Por sua vez, o CPC/15 trouxe também preceitos convocando explicitamente as partes litigantes ao agir em juízo de forma proba, colaborativa e de acordo com a boa-fé, prestigiando ainda a solução consensual dos litígios e a busca pelo rápido julgamento das contendas judiciais.
E uma das inovações mais significativas incorporadas ao diploma processual civil refere-se ao novo tratamento dado à produção antecipada da prova que, para além do seu caráter cautelar, condicionado à presença do requisito da urgência, ou do periculum in mora (artigo 381, inciso I do CPC/15), ganha agora um novo olhar, independente, focado no direito autônomo à prova (artigo 381, incisos II e III do CPC de 2015). Em tal procedimento, o que a parte objetiva não é a realização do direito material, mas a simples produção da prova - direito autônomo à prova, na lição de Flávio Luiz Yarshell, capaz de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução do conflito e/ou também o prévio conhecimento dos fatos, justificando ou evitando o ajuizamento da ação.
Ao se referir sobre a produção antecipada da prova, Fredie Didier Jr. leciona:
“É ação que se esgota na produção da prova – tão somente. Não se pretende que o juiz reconheça que os fatos foram provados, ou que o juiz certifique situações jurídicas decorrentes de fatos jurídicos. O que se busca, simplesmente, é uma decisão que reconheça que a prova foi produzida regularmente. A valoração da prova será feita em outro momento; isso se houver necessidade, pois o requerente pode não ajuizar futura demanda”.3
Logo, nas hipóteses que prescindem do requisito da urgência, exsurge da própria disciplina legal dada ao procedimento da produção antecipada da prova (artigos 381, 382 e 383 do CPC de 2015) que seu propósito é trazer um grau mínimo de segurança sobre o direito que a parte acredita ter, mediante a obtenção do resultado da prova requerida, que servirá para justificar ou evitar o ajuizamento da futura demanda – o que eleva a ideia de litigância judicial responsável (artigo 381, inciso III do CPC), bem como propiciar a possibilidade da solução consensual entre as partes (artigo 381, II do CPC), em evidente predileção à via conciliatória.
E tanto numa quanto em outra vertente, o procedimento probatório em estudo guarda íntima relação com os fins perseguidos pelo processo laboral, seja porque estimula a conciliação, que é e sempre foi um dos pilares do Direito Processual do Trabalho, seja porque incrementa o bom uso da jurisdição e combate a insegurança jurídica, finalidades também almejadas pela lei 13.467/17 (reforma trabalhista), como já se afirmou em linhas pretéritas.
Aliás, segundo o escólio do já citado Fredie Didier Jr., “a produção da prova pode servir exatamente como contra-estímulo ao ajuizamento de outra ação; o sujeito percebe que não tem lastro probatório mínimo para isso; nesse sentido, a produção antecipada pode servir como freio à propositura de demandas infundadas”.4
Ademais, não se pode perder de vista que o processo comum é fonte subsidiária (preenchimento da lacuna) e supletiva (complementação normativa) do processo trabalhista, de modo que o instrumento em estudo é plenamente compatível e aplicável na seara judicial laboral, quer por propiciar a busca da conciliação, quer por emprestar um grau de certeza mínimo ao direito cogitado, que será revelado com a produção da prova almejada (direito autônomo à prova), justificando ou evitando o ajuizamento da futura demanda, desencorajando as lides temerárias.
Contudo, não obstante o relevante avanço materializado no CPC/15, em que o legislador optou por reconhecer categoricamente a possibilidade de uma ação probatória autônoma, a admissão do mecanismo da produção antecipada da prova na Justiça do Trabalho, sem o requisito da urgência, não é ponto pacífico.
Há ainda forte corrente jurisprudencial restringindo e limitando a utilização da medida aludida perante o foro trabalhista, por lhe atribuir caráter excepcional, desaguando em extinções prematuras por ausência de interesse processual e consequente declaração de inutilidade do feito.
Refletindo esta forma de pensar, transcreve-se recente precedente da Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:
“INCIDENTE DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS - EXCEPCIONALIDADE - PROCEDIMENTO INÚTIL. Não obstante a alteração contida na lei 13.105/15, o procedimento processual de "produção antecipada de provas" continua a merecer interpretação restritiva, em razão do seu caráter excepcional, para que esse instituto processual não seja desvirtuado de sua finalidade. Constatado que todos os efeitos visados pelo Autor poderão ser obtidos, com os mesmos argumentos e fundamentos, na ação trabalhista principal, essa providência é desnecessária, restando a conclusão que falta interesse de agir e, portanto, deve ser extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do inciso VI artigo 485 CPC e a regra do inciso LXXVIII artigo 5º da Constituição Federal. Não pode ser esquecido que a lei processual determina que o Juiz não admita procedimentos inúteis ou protelatórios”.5
Entretanto, se o direito autônomo à prova foi explicitamente reconhecido pelo CPC/15, inclusive, como corolário do devido processo legal, e considerando tratar-se a produção antecipada da prova de ferramenta compatível e pertinente aos desígnios do processo do trabalho, consoante anotado anteriormente, não se percebe a falta de interesse processual, ou a pretensa inutilidade do referido procedimento, haja vista ser ele necessário e adequado para a tutela jurisdicional de direito probatório, de natureza processual, sem pretensão de direito material, cujo desiderato, repete-se, é ensejar a solução consensual entre as partes e/ou justificar ou inibir o ajuizamento de ação posterior, tendo em vista a descoberta e pré-constituição de fatos e da prova.
Assim sendo, entende-se mais apropriado o magistério jurisprudencial que dá ênfase à aplicação do referido instrumento na Justiça do Trabalho, nele enxergando indiscutível pertinência e utilidade e, finalmente, verdadeira contribuição ao devido processo legal.
Nesse caminhar, transcreve-se precedente da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que muito bem esclarece o alcance do instituto em apreço:
“AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. CPC/2015.O CPC de 2015 criou um verdadeiro procedimento probatório autônomo ou independente, o que tem como corolário o reconhecimento do direito autônomo à prova, no sentido de direito cujo exercício não se vincula necessariamente a um processo judicial instaurado ou a ser instaurado ou a uma situação de perigo em relação à produção de determinada prova. É que, consoante o art. 381, I, II e III, do CPC de 2015, a prova poderá ser produzida de forma antecipada quando: a) haja fundado receio de que venha tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência do processo; b) a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; c) o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. Note-se que o CPC de 2015 não tratou do tema ao disciplinar a tutela de urgência, o que significa dizer que a antecipação da prova não depende, necessariamente, da presença do denominado periculum in mora. Esta demonstração somente será exigida quando a pretensão tiver como fundamento o art. 381 do CPC, ou seja, o fundado receio de que venha tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência do processo. Assim, nas hipóteses mencionadas nos incisos II e III do art. 381 do CPC, a prova pode ser produzida com o objetivo de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito ou verificar a existência de fatos que justificar o ajuizamento de demanda, mesmo que não haja fundado receio de que venha tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência do processo”.6
Finalizando, e permanentemente com a visão voltada ao desenho constitucional de processo, acredita-se que a produção antecipada da prova, sem o requisito da urgência, representa precioso instrumento colocado à disposição das partes não apenas para propiciar eventual autocomposição, mas especialmente por permitir o prévio conhecimento do lastro probatório dos fatos e o consequente ingresso em juízo de modo seguro e ético, emergindo daí a conclusão de que o CPC de 2015 interage fortemente com um dos motes fundamentais e norteadores da reforma trabalhista: a noção de litigância judicial responsável.
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1- MARINHO, Rogério. Modernização das Leis Trabalhistas: o Brasil pronto para o futuro. Petrópolis, RJ. De Petrus Editora. 2018. p. 49.
2- Data em que a Lei 13.467/17 entrou em vigor.
3- JR., Fredie Didier. Novo CPC doutrina selecionada, v. 3: provas. Coordenador Geral, Fredie Didier Jr.; Organizadores, Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire. Salvador: Juspodivum, 2016. p. 652.
4- Op. Cit., p. 649.
5- TRT 3ª Região, 0010938-36.2020.5.03.0037, Segunda Turma, Relator Jales Valadão Cardoso, Julgamento 15/12/2020. Neste mesmo sentido: “PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA - ART. 381 DO NCPC - EXTINÇÃO DA AÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. A produção antecipada da prova é hipótese excepcional, a ser permitida apenas nos casos delineados pelo art. 381 do CPC, o que não se verificou na espécie. Recurso desprovido, no particular (TRT 3ª Região, 0010645-14.2020.5.03.0022, Sexta Turma, Relator Jorge Berg de Mendonça, Julgamento 09/12/2020)”. "PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. ART. 381, DO CPC. CABIMENTO EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. O procedimento de produção antecipada de provas deve ser utilizado em situações excepcionais, desde de que comprovados, de forma cabal, os requisitos previstos no artigo 381, incisos II e III, do CPC, e diante da necessidade de priorização da solução consensual dos conflitos (artigos 3º, §2º, do CPC e 764, §1º, da CLT). Admitir tal procedimento de forma ampla e irrestrita, como substitutivo do pedido incidental de exibição de documentos, além de assoberbar, ainda mais, esta Justiça Especializada, atenta contra o princípio da celeridade e economia processual e onera os combalidos cofres públicos (0010766-42.2019.5.03.0001 RO, Segunda Turma, Relator Desembargador Antonio Carlos R. Filho, DEJT 21/11/2019)”. "PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. Em qualquer das hipóteses previstas no artigo 381 do CPC para a propositura da ação de antecipação de provas, deverá o requerente demonstrar, de forma circunstanciada, as razões pelas quais é adequado e necessário que a prova seja produzida de forma antecipada, a tanto não se prestando alegações genéricas. Não tendo o autor apresentado as razões para se valer das hipóteses dos incisos II ou III do citado artigo, e sendo plenamente possível apresentar futura reclamação, com a exibição de documentos, pelo réu, no curso da ação principal, não se tem caracterizado interesse de agir, tal como decidido em primeiro grau (0010567-53.2019.5.03.0184 RO, Nona Turma, Relator Desembargador Rodrigo Ribeiro Bueno, DEJT 4/10/2019)”. "PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. NÃO CABIMENTO. A ação de produção antecipada de provas, prevista nos arts. 381 a 383 do CPC, só é cabível em caso de comprovada urgência ou, ainda, quando o prévio conhecimento dos fatos puder evitar o ajuizamento de ação futura. Esse não é o caso da prova pericial médica, quando a própria empregada já demonstra ter certeza do nexo de causalidade com o trabalho. Cabe a ela ajuizar, desde já, a ação reparatória, no bojo da qual poderá ser produzida a prova pericial, caso se entenda necessário (0010031-81.2019.5.03.0171 RO, Décima Turma, Relatora Juíza Convocada Olivia Figueiredo Pinto Coelho, DEJT 7/6/2019)”.
6- TRT 3ª Região, 0011701-25.2017.5.03.0075, Primeira Turma, Relator Cleber Lucio de Almeida, Disponibilização 26/04/2018. Neste mesmo sentido: “PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. A teor do disposto no art. 381 do CPC, a produção antecipada da prova será admitida nos casos em que haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; ou o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. Tendo em vista que a pretensão deduzida na inicial visa, notadamente, viabilizar a autocomposição ou justificar ou evitar o ajuizamento de ação, a interposição da presente medida mostra-se plenamente pertinente, razão pela qual deve ser reformada a sentença que extinguiu o feito, determinando-se o seu retorno à Vara de origem para regular processamento, como entender de direito o Magistrado (TRT 3ª Região, 0010761-79.2020.5.03.0067, Décima Primeira Turma, Relator Antônio Gomes de Vasconcelos, Disponibilização 14/10/2020)”. “PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. EXTRATOS DE FGTS. CABIMENTO. A teor do art. 381, III, do CPC, a produção antecipada de provas é cabível quando "o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação". É plausível a utilização de tal instrumento processual pelo Sindicato, com o objetivo de ter acesso aos extratos de FGTS dos substituídos, para que, então, possa avaliar a necessidade ou não de ajuizar ação coletiva condenatória (TRT 3ª Região, 0010483-46.2020.5.03.0110, Segunda Turma, Relatora Gisele de Cassia V. D. Macedo, Julgamento 13/10/2020)”. “PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. ART. 381 DO CPC. PRESSUPOSTOS. Nos termos do art. 381, I, II e III do CPC, a produção antecipada da prova é admitida nos casos em que "haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação"; "a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito"; ou "o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação". Verificando-se que a pretensão de produção antecipada de prova é legítima e pode evitar a propositura de ação desnecessária, é de se manter a r. sentença recorrida que deferiu a medida pleiteada na inicial (TRT 3ª Região, 0011557-15.2019.5.03.0032, Oitava Turma, Relator Sércio da Silva Peçanha, Julgamento 09/09/2020)”.
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BEBBER, Julio Cesar. Produção antecipada de provas sem o requisito da urgência (e a exibição de documentos) no processo do trabalho. Revista LTr. Vol. 83. Janeiro de 2019.
JR., Fredie Didier. Novo CPC doutrina selecionada, v. 3: provas. Coordenador Geral, Fredie Didier Jr.; Organizadores, Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire. Salvador: Juspodivum, 2016. p. 652.
MARINHO, Rogério. Modernização das Leis Trabalhistas: o Brasil pronto para o futuro. Petrópolis, RJ. De Petrus Editora. 2018