Migalhas de Peso

Aspectos jurídicos do Crowdfunding como meio de captação de recursos para startups

No presente artigo, busco apresentar o instituto do Crowdfunding, seus limites legais e sua importância para pequenas empresas em estágios iniciais.

22/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Instituído no Brasil no ano de 2017 pela instrução CVM 588, o Crowdfunding (ou crowdfunding de investimentos) foi criado com o intuito de se tornar uma alternativa para captação de recursos financeiros para empresas que desejam se desenvolver.

Advindo da língua inglesa, o termo é auto explicativo. Crowd, é traduzido como multidão, e o termo funding, significa financiamento. Portanto, trata-se de uma plataforma através da qual é possível obter o financiamento realizado por um grande número de investidores (investimento coletivo), a fim viabilizar o desenvolvimento de determinada atividade.1

Ou ainda, nas palavras de Romans e Howard Leonhardt, fundador da Leonhardt Ventures:2

Crowdfunding e micro empréstimos entre pessoas são a vontade humana em sua forma mais pura. É a combinação explosiva de democracia e capitalismo de livre mercado. Permite que novas ideias sejam financiadas e testadas por um custo baixo, com menos complexidade e em menor tempo.

É uma forma de financiamento descentralizada, em que pessoas e empresas conseguem acessar uma ampla gama de interessados e investidores para financiar seus projetos, em especial por meio de plataformas on-line

Um dos diferenciais do crowdfunding é o fato desta ferramenta ser eletrônica, isto é, ocorre através da internet, o que a torna uma espécie de "vaquinha" virtual, o que possibilita um maior alcance de investidores interessados no projeto.

Ademais, destaca-se que uma das facilidades apresentadas pelo crowdfunding é a menor burocracia, uma vez que a norma dispensa de forma automática a necessidade de registro de oferta por parte do emissor perante a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, desde que atendidos alguns critérios estabelecidos no art. 3º da instrução CVM 588.

Segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários, as plataformas de crowdfunding entregaram, em 2/3/2020, o seu relatório anual de suas atividades relativo ao ano de 2019. No total, R$ 59.043.689 foram captados em 2019, um aumento de 28% em relação aos R$ 46.006.340 de 2018. O número de ofertas lançadas cresceu de 56 para 81, e de ofertas fechadas com sucesso, de 46 para 60.

Ainda, os dados da evolução deste mercado também revelam que o número de plataformas chegou a 26 em 2019, um aumento de 86% em relação às 14 do ano anterior. O valor médio de captação por oferta foi de R$ 984.061,48. No total, foram 6.720 investidores em 2019, com investimento médio de R$ 8.786,26.

Mas o que torna esta modalidade de investimento tão interessante aos olhos dos investidores? A resposta está condicionada ao formato ao qual foi organizado cada sistema de crowdfunding.

Os modelos mais tradicionais são os de doações, de recompensas (reward-based), previstos no art. 2º, parágrafo 1º, incisos I e II, da Instrução CVM 588, bem como a modalidade de equity crowdfunding, assim como preconiza o.

No primeiro, como o próprio nome diz, é realizada uma doação, isto é, os contribuintes doam sem obter qualquer tipo de retorno, com o único e exclusivo objetivo de contribuir com o projeto.

Por outro lado, o modelo de recompensa ampara-se na ideia de contraprestação, o que permite que o contribuinte obtenha algum retorno, seja na forma de brindes ou direito a pré-venda de produtos ou serviços, isto é, a vantagem será a de adquirir o produto do projeto financiado por um preço inferior ao de mercado.

Portanto, tem-se que tanto a modalidade de doação quanto a de recompensa não possuem quaisquer características do mercado financeiro, uma vez que seus contribuintes não esperam qualquer retorno pecuniário.

Entretanto, é possível que o crowdfunding se apresente com características encontradas no mercado financeiro, uma vez que algumas empresas, na busca por recursos para o seu empreendimento, utilizam-se da plataforma de captação de recursos para apresentá-lo como meio de investimento aos interessados, desta forma, é oferecido retorno pecuniário aos seus contribuintes investidores.

É o que ocorre com o Equity Crowdfunding, regulamentado pelo edital SDM 6, através do qual, o financiamento é convertido em participação societária, de modo a diluir e mitigar os riscos do negócio, por ter investido no next big thing, ou seja, a esperança de, no futuro, ver sua participação societária valorizada, em especial, numa futura abertura de capital da empresa.3

O crowdfunding de investimento tem sido um dos instrumentos mais utilizados pelas empresas na obtenção de recursos, especialmente aquelas atuantes no setor de tecnologia, ligadas à pesquisa e ao desenvolvimento de ideias inovadoras, também conhecidas como startups4. Isto porque, em decorrência de suas especificidades, estas empresas muitas vezes possuem dificuldades na captação de recursos pelos meios mais tradicionais, como empréstimos e financiamentos bancários, emissão de ações, debêntures e até mesmo fundos de venture capital e private equity.

Insta salientar que a referida regulamentação não se limita apenas a criação de um novo instrumento de financiamento de projetos, mas também visa garantir uma maior segurança jurídica tanto para as plataformas eletrônicas quanto para seus usuários (empreendedores e investidores).

Destaca-se, que uma das facilidades apresentadas pelo crowdfunding é a menor burocracia, uma vez que a norma dispensa de forma automática a necessidade de registro de oferta do emissor perante a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, desde que atendidos alguns critérios estabelecidos no art. 3º da instrução CVM 588.

QUEM PODE SE UTILIZAR DESTA PLATAFORMA?

Nos termos da instrução CVM nº 588, essa modalidade de captação pública de recursos é permitida somente para as sociedades empresárias de pequeno porte instituídas pela LC 123/ 2006.

Para fins de enquadramento no limite de faturamento exigido, considera-se a receita bruta apurada no exercício social encerrado no ano anterior à oferta. Na hipótese da empresa não ter operado doze meses no exercício social encerrado no ano anterior à oferta, o limite a ser considerado passa a ser proporcional ao número de meses em que ela de fato exerceu as suas atividades, desconsideradas as frações de meses.

Nos termos do artigo 3º e seus incisos, da instrução em exame, para que a oferta seja dispensada de registro perante a CVM, ela deve preencher alguns requisitos, dentre eles: (i) existência de valor alvo máximo de captação não superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), e de prazo de captação não superior a 180 (cento e oitenta) dias, que devem ser definidos antes do início da oferta; (ii) o prazo de captação não pode ser superior a 180 dias, e deve ser definido antes do começo da campanha; (iii) deve ser respeitado o intervalo de 120 dias para que se inicie uma nova rodada de investimentos, desde que não ultrapassado o valor anual de captação permitido; (iv) deve ser garantido ao investidor um período de desistência de, no mínimo, 7 (sete) dias contados a partir da confirmação do investimento, sem a aplicação de qualquer penalidade ou desconto; (v) os valores aportados durante a captação não poderão ser utilizados para fusões, aquisições, incorporações, aquisição de título financeiros de outras sociedades, concessão de crédito a outras sociedades, etc.; (vi) é permitido que a captação ocorra de forma parcial, de modo que, mesmo não se atinja o valor alvo máximo, seja declarado o sucesso da campanha caso atingido o valor mínimo de captação, que deve ser igual ou superior a 2/3 (dois terços) do valor alvo máximo.

Há de se ressaltar, que em 20/8/2020 houve a edição da resolução CVM 4, que passou a autorizar a adoção de procedimentos alternativos e complementares ao disposto na instrução CVM 588, isto é, para a realização de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte, realizadas com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo.

Tal flexibilização teve por fundamento:

i) os impactos sofridos pela economia em decorrência das medidas restritivas impostas pelo governo como meio de reduzir a disseminação do vírus;

ii) maior vulnerabilidade das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) aos movimentos de retração econômica, bem como na obtenção de crédito através dos meios convencionais;

iii) O maior potencial do mercado de capitais como fonte alternativa ou complementar para financiamento de capital de giro e/ou para manutenção de operações das MPMEs durante período crítico de pandemia.

Portanto, nota-se a importância do crowdfunding como meio de captação de recursos para startups, uma vez que, além de se adequarem as suas peculiaridades, as quais dificultam a obtenção de crédito pelos meios comuns, a utilização de plataformas eletrônicas como meio de financiar seus projetos permite uma maior divulgação e consequentemente um maior potencial de atingir mais investidores, independentemente do poder aquisitivo destes, os quais poderão participar com maior ou menos capital, em um ambiente seguro.

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1 FREDERICO OIOLI, Erik. Manual de Direito Para Startups. Revista dos Tribunais, São Paulo v. 2, 2020. p. 150.
2 ROMANS, Andrew. The Entrepeneurial Bible to Venture Capital: Inside Secrets from the Leaders in the Startup Games. New York: McGraw Hill Education, 2013. p. 48.
3 NIELSEN, Nicolaj Hojer. The Startup Funding Book. Copenhague. NHN Ventures Aps, 2017.
4 Instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza. In RIES, Eric. The Lean Startup; how today’s entrepreneurs use continuous innovation to create radically successful businesses. New York: Crown Business, 2011.p. 37 e ss.

 

Gabriel Magalhães Comegno
Bacharel, graduado pela Instituição Toledo de Ensino - ITE. Pós-graduando em Direito de Empresas pela PUC Rio. Assistente em Santiago Comegno Advocacia. Co-fundador da página Empresarial Direito.

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