Migalhas de Peso

Explorando as fronteiras da tributação de investimentos da pessoa física

Uma avaliação das regras tributárias de cada ativo permitirá que o investidor possa melhor alocar seus recursos, diversificando-os estrategicamente.

21/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O ano de 2020, já se aproxima do fim. Apesar da necessidade de adaptação ao cenário atípico enfrentado com a pandemia, já podemos identificar novas tendências que vieram para ficar. 

Na área das finanças pessoais, uma das maiores lições desse ano para os brasileiros foi a importância de se investir no exterior. Esta alternativa se mostrou oportuna por oferecer vantagens como proteção cambial e maior diversificação de investimento em setores promissores. 

A nova tendência não passou desapercebida pelo nosso mercado financeiro, que buscou “abrasileirar” esse movimento por meio da emissão de diversas Brazilian Depositary Receipts ("BDRs"), referidas como “certificados de ações estrangeiras”. A bolsa brasileira já conta com 671 BDRs, muitas das quais foram emitidas neste ano. Dentre as BDRs introduzidas incluem-se empresas de tecnologia, ‘ESG’ e farmacêuticas, assim como empresas imobiliárias organizadas por meio de Real Estate Investment Trusts (“REITs”). 

Na prática, as BDRs possibilitam o investimento em empresas estrangeiras de capital aberto sem que o dinheiro seja efetivamente remetido ao exterior. Contudo, apesar de as BDRs se tratarem essencialmente de ativos estrangeiros negociados em bolsa brasileira, a sistemática de tributação brasileira de BDRs e dos mesmos ativos estrangeiros é bastante diversa.  

Neste cenário, ao considerar os diversos ativos para investimento no Brasil ou no exterior, o investidor pode se deparar com questões tributárias importantes antes de tomar suas decisões.  

Como forma de ilustrar a diferente tributação em investimentos de renda variável no Brasil e no exterior, passamos a brevemente apresentar as regras fiscais de ativos frequentemente avaliados pelos investidores brasileiros: ações brasileiras e estrangeiras, ADRs, BDRs, FIIs e REITs.  

Ações brasileiras 

As ações negociadas em bolsa brasileira são evidentemente o ativo de renda variável mais popular entre as pessoas físicas.  

Os ganhos líquidos em operações com ações brasileiras são tributados pelo IR à alíquota de 15% (salvo para as operações day trade, cuja alíquota é 20%). Por definição, o ganho líquido é constituído pela diferença positiva entre o valor de alienação das ações e o seu custo de aquisição. Esse ganho é sempre apurado no mês, considerando também as perdas. O prejuízo apurado no mês poderá ser compensado nos meses subsequentes.  

A tributação das ações brasileiras conta com regra especial, introduzida em 2004, que é a isenção mensal sobre as operações que, totalizadas, não ultrapassem R$ 20.000,00. De modo a ilustrar o real impacto que essa regra já teve para o investidor brasileiro, se o valor fosse corrigido pela inflação do período (IPCA) a isenção atual seria de R$ 45.728,00, mais que o dobro do valor isentivo estabelecido à época.  

Por último, um aspecto muito particular das ações brasileiras é que os dividendos distribuídos são isentos de imposto de renda, desde 1996. 

As regras gerais da tributação de ações brasileiras são: IR (ganho de capital): 15% (20% no day trade); isenção de IR sobre dividendos; prejuízo compensável e isenção mensal em venda de ações em até R$ 20 mil. 

Ações estrangeiras e American Depositary Receipts (“ADRs") 

Além do mercado brasileiro, o investidor tem a possibilidade de investir diretamente em mercados estrangeiros, por meio da abertura de contas em corretoras locais. 

No que se refere à tributação dos investimentos em ações estrangeiras, não existe uma disciplina legal específica. De fato, a regra aplicável é aquela referente à tributação de ganho de capital em alienação de quaisquer bens ou direitos adquiridos em moeda estrangeira. 

Com base nessa legislação, existiriam 3 formas de tributação sobre as operações com ações estrangeiras: operações realizadas com rendimentos auferidos originariamente (i) em reais; (ii) em moeda estrangeira; e (iii) parte em reais e parte em moeda estrangeira.  

Na prática, a diferença entre essas formas de apuração é que, para fins do IR, (i) o ganho é apurado não somente considerando a valorização da ação como também a variação cambial do período; (ii) o ganho é apurado somente levando em conta a valorização do ativo, sem impacto da variação cambial; (iii) o ganho é apurado proporcionalmente conforme as duas regras anteriores.  

Dúvidas podem surgir a respeito de como distinguir rendimentos auferidos (i) em reais e (ii) moeda estrangeira quando o investidor opera com regularidade no exterior. Ao nosso ver, a tributação conforme a hipótese (i) só ocorre em relação à “primeira compra” quando os recursos são transferidos do Brasil para o exterior. Após as ações serem vendidas, como o produto da venda é auferido em moeda estrangeira, deve-se apurar o ganho de eventual compra posterior conforme a hipótese (ii).  

Diferentemente do que ocorre na apuração dos ganhos sobre ações brasileiras, as ações estrangeiras possuem a isenção mensal de R$ 35.000,00, e não de R$ 20.0000,00.  

Ainda, é importante destacar que a alíquota é determinada conforme a tabela de ganho de capital da pessoa física, variando de 15% a 22,5% (as alíquotas superiores a 15% somente são aplicáveis caso o ganho seja superior a R$ 5.000.000,00). 

Outra distinção fundamental das ações brasileiras é que as ações estrangeiras são apuradas individualmente. A perda em uma operação não pode ser compensada com as demais, nem nos meses subsequentes. 

Por fim, no que se refere aos dividendos recebidos pelo titular das ações estrangeiras, tais rendimentos estão sujeitos à tributação pela tabela progressiva (de 0% a 27,5%), como regra geral. Ocorre que, em relação a dividendos de ações americanas, há reciprocidade de tratamento entre Brasil e EUA, permitindo que a retenção do imposto americano à alíquota de 30% seja compensada pelo imposto de renda brasileiro.  

Além da tributação aplicável às ações estrangeiras, alguns comentários devem ser feitos a respeito das American Depositary Receipts (“ADRs”). 

As ADRs, que, grosso modo, são a versão americana das BDRs, ou seja, os certificados de ações estrangeiras, inclusive as brasileiras, negociadas em bolsa americana, também possuem o mesmo tratamento das ações estrangeiras, apresentado nos parágrafos acima, valendo-se também da regra isentiva de R$ 35.000,00. 

Resumindo, as regras gerais de tributação de ações estrangeiras e ADRs são: IR: 15% para ganhos de até R$ 5mil; IR (dividendos): até 27,5% (0% no caso dos EUA; o PRPF não será devido pois há retenção de 30% na fonte sendo permitida sua compensação pela legislação brasileira); não há prejuízo compensável; isenção mensal para venda de ações em até R$ 35 mil; e tributação da variação cambial, se os recursos forem originariamente auferidos no Brasil, mas não há essa tributação se forem originariamente auferidos no exterior. 

Brazilian Depositary Receipts (“BDRs”) 

Conforme mencionado anteriormente, as BDRs podem ser caracterizadas como “certificados de ações estrangeiras” que permitem ao investidor brasileiro investir em ações estrangeiras diretamente em bolsa brasileira. Da perspectiva tributária, a BDR possui tratamento muito similar à ação brasileira, com algumas poucas diferenças.  

Semelhantemente às ações brasileiras, as BDRs são tributadas à alíquota de 15%, em regra, sobre os ganhos líquidos mensais, assim como têm perdas compensáveis em meses subsequentes. Porém, não há a isenção mensal de R$ 20.000,00, que apenas se aplica às ações brasileiras.  

Quanto aos dividendos distribuídos por meio das BDRs americanas, a sistemática é similar a das ações americanas: a retenção na fonte de 30% nos EUA é compensada no Brasil, não havendo IR a pagar. 

Para BDRs, as regras gerais de tributação são: IR de 15% (20% no caso de day trade); IR (dividendos e proventos): 0% no caso de BDRs americanas e o IRPF não será devido pois há retenção de 30% na fonte, sendo permitida compensação pela legislação brasileira; existe prejuízo compensável mas não há isenção mensal; e tributação da variação cambial, com valor incluído na variação do ativo. 

Fundos de Investimento Imobiliário (“FIIs”) 

Os FIIs, inspirados nos REITs americanos, foram criados para fomentar o acesso de investidores ao setor imobiliário brasileiro, permitindo a participação em grandes empreendimentos, dos quais investidores não participariam individualmente (ex: shoppings e prédios comerciais). 

De fato, da perspectiva da tributação dos investimentos das pessoas físicas em FIIs, há uma particularidade que os tornam atrativos: os rendimentos distribuídos são isentos de IR. Com efeito, para que este benefício seja aplicado é necessário que os FIIs cumpram alguns requisitos que, na prática, são frequentemente observados pelos negociados em bolsa. 

Ainda, eventuais ganhos auferidos em operações com FIIs são tributados à alíquota de 20%, independentemente do valor mensal negociado. Por outro lado, tal como ocorre com ações brasileiras, o prejuízo mensal apurado em operações com FIIs pode ser compensado em meses subsequentes. 

A tributação de cotas dos FIIs são: IR de 20% sobre ganhos de capital (venda de cotas de FIIx); IR (rendimentos): isentos (regra geral para FIIs negociados em bols); prejuízo compensável; não há isenção mensal. 

Real Estate Investment Trusts (“REITs”) 

Os REITs primeiramente surgiram nos EUA e se popularizaram mundialmente como investimento no mercado imobiliário. É cada vez mais comum a existência de legislação em países estimulando a criação desses veículos de investimento. 

A definição precisa de REIT não é tarefa fácil, já que as regras para sua constituição variam conforme o país. No entanto a OCDE, ao analisar a aplicação dos tratados em matéria tributária em REIT, por meio do relatório Tax Treaty Issues on REITs, o definiu como empresa de capital aberto, fundo ou, ainda, arranjo contratual ou fiduciário cuja receita principalmente deriva de investimentos de longo prazo em bens imóveis, sendo majoritariamente distribuída anualmente, sem pagamento de imposto da respectiva renda imobiliária.  

De fato, os FIIs representam a versão brasileira dos REITs. Tanto é assim que a própria Receita Federal, em manifestações anteriores, reconheceu que os REITs são muito semelhantes ao FIIs. 

Porém, no geral, as mesmas regras tributárias das ações estrangeiras valem para os REITs. A diferença se refere ao limite de isenção mensal de R$ 35.000,00, já que tal regra é aplicada considerando apenas bens de mesma natureza.  

Como os REITs são veículos de investimento em propriedade imobiliária e devem, por exigência legal, distribuir a renda auferida anualmente aos seus investidores, tal como os FIIs, a natureza dos REITs distingue-se das ações, que não possuem estas características. Assim, o limite de R$ 35.000,00 para os REITs deve ser considerado excluindo-se operações com as ações estrangeiras, muito embora a Receita Federal já tenha entendido diversamente.  

Por fim, no que se refere aos rendimentos distribuídos por REITs ao investidor brasileiro, tais rendimentos estão, como regra geral, sujeitos à tributação pela tabela progressiva do IRPF. Tratando-se de REITs americanos, valem as mesmas considerações sobre o tratamento recíproco entre Brasil e EUA.  

Para REITs, as regras gerais de tributação são: IR sobre ganho de capital: 15% até ganhos de R$ 5 mil; IR (rendimentos e proventos): até 27,5% (no caso dos EUA; o IRPF não será devido pois há redução de 30% na fonte, sendo permitida sua compensação pela legislação brasileira; não há prejuízo compensável; isenção mensal em vendas de ações em até R$ 35 mil; e há tributação da variação cambial, se recursos forem originariamente auferidos no Brasil, mas não haverá se forem originariamente auferidos no exterior. 

Comentários finais 

Como brevemente analisado, os diferentes investimentos em renda variável, inclusive os que se referem ao mesmo ativo, possuem tratamento tributário diverso na legislação brasileira. 

A diversificação de investimentos em renda variável entre Brasil e exterior pode oferecer vantagens tributárias para o investidor pessoa física, ao mesmo tempo em que pode trazer novas desvantagens. Por isso, uma avaliação das regras tributárias de cada ativo permitirá que o investidor possa melhor alocar seus recursos, diversificando-os estrategicamente.  

 

Lucas Corsino de Paiva
Advogado em São Paulo. Graduado pela Universidade de São Paulo - USP. Cursou o programa Droit des Affaires pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne"

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