Este trabalho tem por objetivo questionar a real existência de vantagens da reforma trabalhista no tocante ao âmbito do direito processual do trabalho.
Temas intrigantes como a aplicação de punição por litigância de má-fé, condenação ao pagamento dos honorários de sucumbência, custas processuais e concessão da gratuidade de justiça têm sido motivo de muito debate na sociedade acadêmica dos estudiosos do direito do trabalho, pois, de alguma forma os reflexos de tais alterações foram capazes de diminuir o fluxo de demandas trabalhistas nos fóruns.
Não é apenas no Brasil que as modificações de sua legislação laboral tiveram grandes repercussões, em outras partes do mundo a proteção aos direitos dos trabalhadores também foram marcados por lutas e conquistas.
Lembremos da épica história narrada por C.S Lewis no romance alegórico as Crónicas de Nárnia descortina um mundo imaginário onde o mal e o bem, em uma visão maniqueístas de poderes opostos e incompatíveis encontram-se em constante batalha.
Esse artigo remete à luta de gladiadores, visto que a reforma trabalhista, sob esse viés, sempre se caracterizou pelas relações conflituosas de trabalho, onde o confronto entre capital e proletariado em sua dimensão política-histórica caracterizada pela eterna crise sistêmica entre as relações de empregado e empregador, a falsa percepção a respeito da flexibilização dos direitos trabalhista e a atual ideologia política governamental que reduziu direitos previstos em lei sem o necessário debate social, não demonstrando transparência e boa-fé na condução do processo legislativo.
Sob o aspecto formal a lei 13.467, que recebeu popularmente a alcunha de reforma trabalhista, na verdade adveio projeto de lei (PL) 6.787, apresentado em dezembro de 2016 à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo, que à época era comandado pelo ex-presidente da república, Michel Temer – que assumiu a presidência após sua antecessora, Dilma Rousseff, sofrer impeachment.
Tratava-se de um projeto de lei de altíssima complexidade e que demandaria um amplo debate entre a sociedade e os grupos sindicais, todavia, isso não ocorreu, posto que sua tramitação no Congresso Nacional aconteceu de forma surpreendentemente ágil, sendo que pouco tempo depois o projeto de lei foi convertido na lei 13.467, em julho de 2017 – exatos sete meses após ter sido proposto.
A negociação entre Legislativo e Executivo não foi fácil, pois, o país vivia um clima de insegurança porque acabara de cassar o mandato da presidente pouco tempo antes. Assim, o então presidente da república, para conseguir aprovar a lei, prometeu lançar mão de uma medida provisória para melhor debater os pontos que ainda desagradavam a oposição.
Com o advento da lei 13.467/17 houve significativa modificação na legislação que regula o direito laboral brasileiro. Paradigmas foram substituídos, regras dogmáticas alteradas, de forma abrupta, ou seja, o processo legislativo tramitou em caráter de urgência e a realidade do direito do trabalho brasileiro deu um salto para um novo mundo.
Após a sanção presidencial a sociedade começa a tomar consciência da lei e de seus impactos nas relações sociais, novos mecanismos de acesso ao Judiciário, novas figuras contratuais de trabalho, restrições e precarizações de direitos, deixando claro que as referidas mudanças revelam a força ideológica do agrupamento político e interesses prevalecentes do capital.
De fato, houve uma mudança de paradigma no direito do trabalho.
Importante destacar a contribuição de Thomas Kuhn (1998), que ao conceituar o paradigma afirma que "é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade cientifica consiste em homens que partilham um paradigma."
A discussão em torno da urgente mudança no direito do trabalho e a promulgação da nova lei comtemplou novos paradigmas a comunidade que convive com as normas que regulam essa área especializadas do direito, em especial, o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade, a compensação de jornada sem negociação coletiva, ampliação do banco de horas, admissão de trabalho da emprega gestante e da lactante em ambiente insalubre, trabalho intermitente, quitação anual das verbas trabalhistas, dentre outros.
Desde o surgimento do fenômeno industrialização há no mundo uma constante evolução das regras e normas que regem as relações interpessoais desse fato social, e, longe de combatê-la, em verdade, necessitamos dessa constante renovação, pois se trata do resultado do progresso humano.
O Estado, ao desempenhar a sua função política, administrativa e judiciária, faz a história imprime seu selo ideológico na produção de regras que regem as relações laborais, nos limites de sua atuação, em especial no direito laboral criando normas que protegem o hipossuficiente na relação laboral, não sendo diferente em outras partes do mundo.
O objetivo desse artigo é examinar os impactos da reforma trabalhista marcada pela ideologia restritiva neoliberalista que no rastro do movimento de flexibilização dos direitos trabalhista, apresentou a sociedade brasileira a Lei 13.467/2017 com inúmeros dispositivos passiveis de inconstitucionalidades, bem como mensurar a precarização dos direitos dos trabalhadores refletido em diversos dispositivos da nova lei.
Jack Balkin (1987) argumenta que ideias e conceitos se alteram à medida que são introduzidas em novos contextos sociais e políticos ao longo do tempo. E afirma que os juristas devem estar interessados utilizar técnicas desconstrutivas pois fornecem métodos para criticar as normas legais existentes; em particular, uma leitura desconstrutiva revelará como os argumentos oferecidos para suportar uma determinada regra minam-se.
Além disso, as técnicas desconstrutivas podem mostrar como os argumentos que justificam a inclusão no ordenamento jurídico de normas são informados e disfarçam o pensamento ideológico.
Por outro lado, é possível afirmar também que a ideia pugnada por Balkin também pode ser refletida ao revés, desconstruir direitos. A reforma capitalista e neoliberal não seria uma lesão consolidada e desconstrutivista dos direitos dos trabalhadores? Pois bem.
Nesse ponto, a lei 13.467/2017 reflete o pensamento ideológico em regular as relações de trabalho, notadamente, pelo neoliberalismo, que por via direta abalou as estruturas do direito do trabalho, abrindo espaço ao interesse do que detém a força superior e dominante.
Destarte, a presente análise dialogará com as técnicas desconstritivas em uma reflexão em que evidenciará o pensamento ideológico que motivou a legislador para trazer para sociedade brasileira a “deslealdade” legislativa.
Jack Balkin (1987) diz que "os limites da justiça, são determinados pelos limites de quem é humano em oposição a quem é meramente "animal", a reforma trabalhista é um exemplo que não se respeitou o limite do humano, do frágil, do tangível pelas limitações do cansaço, daquele que se esvai em seu esforço humano no fim do dia laboral, do respeito a trabalhadora humana que gera mais uma vida que ingressará no mundo que o recepcionará em um ambiente desumano e sem limites".
Historicamente os avanços normativos pós industrialização criou um campo de proteção aos direitos dos operários, fruto dos movimentos sociais em busca de humanização e dignidade nas relações entre capital e proletariado.
O complexo ramo do direito laboral tem como escopo a proteção aos direitos fundamentais do trabalhador, constitui garantias de que a ordem jurídica não retrocederá em desfavor do cidadão, com as exceções prevista na magna carta.
A Constituição cidadã estabelece que um dos objetivos fundamentais da República é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que garanta o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
O texto constitucional confirma que nossa sociedade é multifacetária, com realidades sociais distintas. O Brasil é um país em desenvolvimento social. Dado relevante que se deve ter em conta quando se fala sobre mudança legislativa laboral, o que parece ter sido relegado a segundo plano na tramitação do projeto de lei da reforma trabalhista.
Segundo Vólia Bomfim (2014), o Welfare legitimou a pretensão universalista dos direitos dos trabalhadores em razão da centralidade do trabalho na organização da sociedade industrial. Originariamente a atuação estatal é justamente proteger o hipossuficiente da famigerada lei do mercado.
"O Welfare State representa o direito que tem toda pessoa de ser protegida contra abusos do poder econômico, garantindo-lhe, por exemplo, renda mínima, alimentação, educação, saúde, habitação, independentemente da condição social do ser humano, tudo como forma de direito politico e não como caridade." (BOMFIM, apud STREK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica. p.64).
Muito se vem discutindo a respeito de mudanças na legislação trabalhista brasileira, tendo como fundamentos diversos dos fatores, dentre eles, a modificação da economia, a abertura de mercado, a livre concorrência, a saúde das empresas, a flexibilidade das leis, a redução de direitos trabalhista, a sujeição do sistema econômico brasileiro ao interesse do capital e a adoção da ideologia de mercado.
Entretanto, como diz Boaventura Santos (1998) "Precisamos de um Estado cada vez mais forte para garantir os direitos num contexto hostil de globalização neoliberal".
Sabemos que o interesse do capital não corresponde ao interesse do trabalhador, pois o empregador, que pelo princípio da alteridade assume os riscos do negócio não tem interesse em remunerar de forma condigna aos trabalhadores ou proporcionar condições de saudáveis do ambiente de trabalho. Evidente que as normas justrabalhistas que formam um bloco mínimo de segurança devem ser referendas pelo Estado, ainda mais em países subdesenvolvidos, como é caso do Brasil.
Nesse sentido, Balkin afirma que a lei reflete visões sociais que envolvem privilégios de concepções particulares da natureza humana.
Assim, pode-se afirmar que o processo de mudança das normas trabalhistas brasileiras está inserido em um processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, ou seja, novos mecanismos legais são impostos a sociedade decorrente da mudança da economia mundial.
Em verdade, de um fenômeno mundial de precarização normativa das relações de trabalhista, com suporte ideológico político, econômico e social.
Além disso, é de se perceber que a característica marcante do direito do trabalho é proteção ao hipossuficiente.
Entretanto, não podemos esquecer que o direito do trabalho deve equilibrar os interesses divergentes, pois o capital depende do trabalhador e o trabalhador do capital, vice-versa, nesse ponto o Estado é o ponto de equilíbrio nessa relação.
É correto afirmar, portanto, que a lei 13.467/2017 apresenta-se claramente como instrumento a serviço dos interesses dos empregadores e resultará em maior lucratividade e aumento significativos de seus rendimentos, a exemplo do novos modelos de contratos de trabalho, prestação de serviços por pessoa jurídica, a não integração ao salários de benefícios, trabalho em condições insalubres para gestantes, fim das horas in itinere, revogação de regras sobre a jornada de trabalho, dispensa das homologações pelos sindicatos, dentre outras que ferem princípios como da razoabilidade, lealdade e transparência.
Em um sistema unificado em que o mundo globalizado enfrenta crises decorrentes das ideologias política e econômicas, o mínimo que se espera do Estado que preocupa-se em construir uma sociedade justa, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, é proteger os direitos dos trabalhadores e principalmente a dignidade.
Hannah Arendt (2007) em sua obra a Condição Humana traz uma extraordinária contribuição a respeito da dignidade humana do trabalhador quando destaca o valor da pessoa humana e aponta como essencial para a vivência em um mundo caracterizado por existir socialmente.
Sustenta Arendt que trabalho é uma atividade própria do ser humano (fabricar, construir, etc.), sendo essa atividade não natural, cria e construí um mundo através de sua ação.
Arrendt acrescenta que:
O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e transcender todas as vidas individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade. (ARENDT, 2007, p. 15)
Assim, o labor é uma atividade essencial sendo mediada pela necessidade do homem em se manter enquanto interage em seu processo biológico, muitas vezes é o único bem que possui, o fruto do seu trabalho, o que exige o respeito ao bloco mínimo de proteção aos direitos socais alcançados frente ao capitalismo desumano.
Por essa essencialidade do labor sustenta Jorge Luiz Souto Maior (2017) que "Por isso a proteção do ser humano que trabalha, e não o trabalho em si, é que constitui o objeto central da investigação jurídica."
Entretanto, uma coisa é certa: vivenciamos uma crise no direito do trabalho. O Brasil é um país de desenvolvimento desigual, há regiões extremamente marcada pelo subdesenvolvimento, pobreza, misérias e mesmo que vivenciamos o desenvolvimento em alguns setores da sociedade é comum nos noticiários a informação de práticas atentatórias aos direitos dos trabalhadores como por exemplo a redução de empregados a condição análoga de escravos.
Marcio Tulio Viana, concorda que o direito do trabalho se encontra em um período crítico de crise existencial decorrente do reflexo alucinante da reforma trabalhista:
Nesse contexto meio esquizofrênico, que o bombardeia com elementos estranhos, o Direito do Trabalho começa a viver uma crise de identidade. Afinal, ele sempre nos disse que "trabalho não é mercadoria", assim como nos ensinava a aplicar a norma mais favorável ao trabalhador e a desconfiar dos acordos de vontade. Hoje, no entanto, ele respalda a terceirização, que mercantiliza o trabalhador; faz concessões à autonomia coletiva e até mesmo ao acordo individual de vontades, sem cuidar do equilíbrio entre os atores sociais; e faz acenos em direção à declaração formal de vontade, sem criar mecanismos que garantam sua vontade real. (VIANA, 2017)
Nesse contexto de desarmonia conceituais, acrescidos da desarmonia social, a reforma trabalhista consagrou a ideia do negociado prevalecer sobre o legislado, em total descompasso com a realidade brasileira e fragilidade de homens e mulheres neste país que sofrem nas mãos inescrupulosas de políticos desonestos e descompromissadas com a realidade social.
A Constituição da República Brasileira estabelece que "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social", essa é a perspectiva central e que não se pode perder de vista, ou seja, melhorar a condição social dos trabalhadores.
Muito se comemora, por muitos profissionais da área trabalhista, após a reforma da lei obreira, acerca dos assuntos de litigância de má-fé, honorários de sucumbência, custas e justiça gratuita. Porém, para refletirmos será que realmente essas alterações foram um avanço ou um retrocesso? Vamos tecer ponto a ponto.
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