Migalhas de Peso

A obrigatoriedade da vacinação da covid e suas consequências trabalhistas

Como fica a vacina que também pode afetar a saúde dos demais trabalhadores, seria essa uma decisão subjetiva do empregado sem que nada pudesse ser feito?

12/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No Brasil, ainda não sabemos quando e se teremos a vacina contra o coronavírus disponível a toda a população, mas isso não impede o debate sobre a obrigatoriedade de tomá-la e quais medidas um empregador poderia tomar caso alguns de colaboradores recusarem a fazê-lo. Em outras palavras, o empregador, público ou privado, pode obrigar os seus colaboradores a se vacinarem? E quais as penas se esses não se vacinarem, esse é um tema que, em tempos de vacinação de covid, não sai da minha cabeça.

Sim, recentemente, manifestei-me sobre o tema da compulsoridade da vacina de maneira geral, à sociedade civil, mas no caso das relações de emprego que se deve basear nos arts 5º e 7º da Constituição Federal e legislação complementar, pode o empregador obrigar o empregado a se vacinar visando preservar a vida dos seus colaboradores, diretos e indiretos, bem como de seus clientes?

Ora, os empregadores são obrigados a não só fornecer EPI’s (Equipamento de Proteção Individual), mas também treinar os seus trabalhadores a usá-los e fiscalizá-los pelo seu uso, como fica a vacina que também pode afetar a saúde dos demais trabalhadores, seria essa uma decisão subjetiva do empregado sem que nada pudesse ser feito?

Aqui o empregado é, no mínimo, responsável por voluntariamente não se vacinar e quais seriam as consequências a arcar ao se recusar a fazê-lo sem atestado médico ou documento similar que o ampare?

As campanhas de vacinação são matéria de saúde pública, não laboral, até aqui concordamos, mas estaria a obrigatoriedade de vacinar incluída no “ius variandi” do empregador (poder de direção do empregador)? A Corte Suprema brasileira entendeu que ninguém pode ser conduzido à força para se vacinar, mas pode sim ser estimulado?

O artigo 196 da Constituição diz ser dever do estado garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença, logo, a proteção coletiva à saúde se sobressai à autonomia individual de decidir se vacinar ou não, mas nenhum direito é absoluto, exceção feita no caso de crianças e adolescentes cujos responsáveis, caso não vacinem, poderão ter consequências pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que vão desde multas, perda da guarda e criminais, guardadas as devidas proporções.

Mas o empregador pode restringir o retorno de colaboradores ao trabalho presencial caso não se vacinem. Seguindo o raciocínio da Corte Maior, o “patrão” não poderia constranger o trabalhador a se vacinar, mas ela tem o poder-dever de agir e prover um ambiente seguro para todos restringindo atos ou fatos que que possam colocar em risco a vida dos demais membros da equipe, bem como de seus clientes.

Isso quer dizer que para retornar ao local de trabalho o empregado deveria estar vacinado ou apresentar um atestado médico que justifique o fato de não o estar. Mas se não o fizer que atitudes poderão ser tomadas pelo empregador?

Poderia advertir, mas a mera advertência me parece tênue diante do risco potencial contágio da covid. E que outras medidas as empresas poderiam tomar se o meio ambiente de trabalho saudável e equilibrado é direito de todo trabalhador?

Eventual afastamento pela não vacinação poderia ser vista como abuso de poder do dando, ao empregado, o direito de rescisão indireta do contrato de trabalho ou de denúncia do empregador ao Ministério Público do Trabalho. Mas é inegável a importância do papel das empresas para a vacinação nesse momento de pandemia. Apesar da vacinação contra a covid-19 já ter começado em alguns países, desconheço qualquer manifestação sobre esse tema, mas entendo que o empregador não pode obrigar o empregado a se vacinar, ainda que com o seu o dever de promover um ambiente seguro para todos.

O assunto é recente e não deve haver jurisprudência trabalhista sob o tema, mas o projeto de lei 5.040/20 prevê que o servidor público que se recusar a tomar a vacina sofrerá as mesmas consequências de quem não vota e nem apresenta justificativa, ou seja, equivaleria a suspensão do contrato de trabalho sem salário, mas a lei ainda não foi aprovada e não se aplica ao trabalhador da iniciativa privada.

Logo, persiste a dúvida se as empresas podem ou não obrigar seus empregados a se vacinarem. À semelhança do que decidiu o STF entendo que as empresas não podem forçar seus colaboradores a se imunizarem, mas podem exigir o comprovante de vacinação para ingresso no local de trabalhos em suas dependências, o que em época de trabalho remoto, dependendo da função do colaborador, pouco pode significar. Ninguém pode ser vacinado à força, mas a pessoa pode ser vedado o seu ingresso no estabelecimento laboral sem a vacina. Logo, determinar que para trabalhar naquele local o seu colaborador precise apresentar um comprovante de vacinação e se o trabalhador não vacinado insistir em ir ao local de trabalho, pode ser alvo de punições como uma advertência, apesar de crê-lo que a demissão por conta da não comprovação da vacina, dificilmente, o trabalhador conseguirá revertê-la, mas daí à demissão poderia ser por justa causa é outra questão.

No caso da hepatite B, se o empregado se recusar a vacinar, há julgados que preveem que o empregado não poderá ser dispensado a menos que exista alguma norma que assim o preveja, contudo, para a covid, até o momento, não há nenhuma determinação de obrigatoriedade, logo, hoje, não é possível demitir um empregado que se recusa a tomar a vacina por justa causa, até porque o STF já decidiu como obrigatória, mas não compulsória.

Para a demissão por justa causa isso pressupõe existência de lei federal que assim o previsse já que as hipóteses de demissão por justa causa, que constam da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), são “numerus clausus”. Em outros termos, não se cogite demitir pelo empregado não tomar a vacina sem pagar as suas verbas. A recusa à vacinação não pode ser classificada como ato de improbidade, incontinência de conduta, desídia ou ato de insubordinação ou indisciplina.

Therezinha Souza de Almeida Baptista
Mestre em Direito Internacional - USP e CEAG - FGV.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

PLP 108/24 - ITCMD - Tributação da distribuição desproporcional de dividendos

21/12/2024

Novas regras para o programa de integridade no âmbito da lei de licitações

21/12/2024