Aprovado em 7 de dezembro de 2020 e concluído no dia seguinte (8/12), mediante presidência do Deputado Federal Marcel Van Hattem na Câmara dos Deputados, o PL (PL 4.199/20) que institui um Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, criando-se a chamada BR do Mar, em alusão a uma rodovia marítima, segue para o Senado Federal1.
A cabotagem é a navegação que utiliza vias interiores e costeiras entre portos dentro do território nacional, sem perder a costa de vista, sendo que o Brasil demonstra grande potencial de desenvolvimento nas operações portuárias, mesmo tendo pouca representatividade no mercado, em razão da burocratização das atividades de fiscalização de mercadorias, ausência de infraestrutura logística e engarrafamento dos portos.
Transporte de cargas por cabotagem diz respeito ao transporte via marítima ou utilizando vias navegáveis interiores entre portos dentro do território nacional. O Brasil possui vasta extensão de costa marítima, mais de 7500 Km, o que demonstra um extenso potencial de crescimento nas operações portuárias, transporte marítimo de longo curso e serviços de cabotagem2.
No entanto, o transporte marítimo brasileiro possui baixíssima representatividade no mercado internacional3, em virtude da burocratização das atividades de fiscalização de mercadorias, falta de infraestrutura logística, congestionamento dos portos e tempo de liberação da carga. É necessário investir em obras de infraestrutura e melhoria nos serviços prestados pelos entes da cadeia logística para que a cabotagem ganhe em competitividade em relação a outros modais.
Essas particularidades territoriais são adequadas para uma modalidade de escoamento das mercadorias pela cabotagem que esta prevista no paragrafo único do artigo 178, da CF/88, tendo sido aprovado em 7/12/20, no plenário da Câmara dos Deputados o texto-base do projeto de lei da “BR do Mar”, que cria incentivos à cabotagem, ou seja, ao transporte de cargas entre portos brasileiros.
Segundo notícia veiculada no site da Gazeta do Povo4, foram 324 votos a favor e 114 contra, e a principal novidade trazida pela proposta é a autorização para uso de embarcações estrangeiras por empresas de navegação que atuam no Brasil.
O mote é relevante, pois o projeto (PL 4199/20)5 menciona provocar a redução de custos de transporte, aumentar a eficiência logística e melhorar a conectividade entre modais de transporte, pois, ainda que a cabotagem não concorra com o transporte rodoviário, atua de modo complementar, trazendo inúmeras vantagens, considerando que proporcionará investimentos e modernização da navegação de cabotagem no país.
Entre os objetivos do PL 4199/20, estão o de incrementar a oferta e a qualidade do transporte; incentivar a concorrência e a competitividade na prestação do serviço de transporte; ampliar a disponibilidade de frota no território nacional; incentivar a formação, a capacitação e a qualificação de marítimos nacionais; estimular o desenvolvimento da indústria naval nacional; revisar a vinculação das políticas de navegação de cabotagem das políticas de construção naval; incentivar as operações especiais de cabotagem e os investimentos decorrentes em instalações portuárias, para atendimento de cargas em tipo, rota ou mercado ainda não existentes ou consolidados na cabotagem brasileira; e ainda, otimizar o uso de recursos advindos da arrecadação do AFRMM6, sendo essa a razão em estudar a suas vantagens e desvantagens.
Foram aprovadas inclusive, duas mudanças via emendas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, notadamente no que se refere as regras sobre contratos de transporte de longo prazo e uso de recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
Trata-se da emenda da Deputada Carla Dickson (Pros-RN) que dispõe sobre a atribuição do Ministério da Infraestrutura para definir cláusulas essenciais dos contratos de transporte de longo prazo e a permissão de afretamento da tonelagem máxima em relação às embarcações brasileiras7.
O Deputado Sérgio Souza (MDB-PR) igualmente conseguiu aprovar emenda que possui como finalidade o direcionamento de 10% dos recursos do FMM ao financiamento total de projetos de dragagem de hidrovias, portos e canais de navegação, apresentados por operadores e arrendatários de terminais privados.
Embora haja grande comemoração do Governo Federal quanto a tramitação do relevante Projeto de Lei que institui a comentada BR do Mar, empresários e autoridades no segmento, continuam demonstrando preocupação com alguns pontos do texto, seja em relação a medidas para atacar tanto a visível reserva de mercado para a mão de obra e sobretudo os custos do combustível8.
Haja vista que atualmente as regras para o afretamento são consideradas restritivas, o Projeto de Lei pretende sobretudo flexibilizar o aluguel de embarcações estrangeiras, mantida ou não a bandeira do país de origem.
Uma das críticas, entretanto, trata-se justamente da mão de obra. A proposta que segue versa sobre uma tripulação composta de minimamente dois terços de brasileiros, valendo-se, todavia, de regras internacionais estabelecidas por organismos (internacionais), negociando de forma mais flexível do que a própria Consolidação das Leis Trabalhistas do Brasil9.
Para o Ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas, da Economia, Paulo Guedes, e da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, notou-se que o uso excessivo do modal rodoviário implica em baixa produtividade das cargas, aumento de custos de frete, super utilização de rodovias, gerando-se gastos significantes, além de se aumentar o índice de acidentes e mortes de trânsito e emissão de poluentes10.
Posta a consideração supra, a proposta do Governo visa justamente trazer eficiência e menor custo e segurança, além de menor impacto ambiental.
De outro lado, surge as recentes críticas do setor de transporte sob liderança de caminhoneiros que literalmente rachou a categoria. Enquanto parte da categoria alega que: 1) os motoristas autônomos serão prejudicados; 2) não há tratamento tributário igualitário entre empresas e autônomos e 3) possibilidade de atuação de empresas estrangeiras na cabotagem, outro lado acredita que haverá estimulação de viagens mais curtas e rentáveis, inclusive almejando que haja igualmente uma BR do AR, BR do RIO, sonhando-se até mesmo com um modelo semelhante ao dos Estados Unidos da América, tendo-se mais respeito ao caminhoneiro e privilegiando-se a categoria11.
Embora ainda haja questões controversas que certamente seguirão em discussão no Senado Federal, afirma-se que não pretende-se aqui esgotar a temática referente a BR do Mar e o Programa de Estímulo ao transporte por Cabotagem nela instituído, entretanto se fez breves apontamentos com o intuito de esclarecer a relevância do tema ao leitor, sobretudo com interesse que esse se aprofunde nos debates e conheça essa pertinente pauta que afetará a todos os cidadãos brasileiros, de forma direta e indiretamente.
Conclusão.
Considerando-se as potencialidades do modal para o desenvolvimento econômico e social no país, verifica-se que vários estudos tratando da navegação de cabotagem brasileira foram suscitados nos últimos anos por respeitáveis instituições. De forma geral, estes estudos reconhecem o potencial do modal de transporte aquaviário para impulsionar a competitividade logística no Brasil, entretanto, observa-se que apresentam críticas sobre a política pública existente.
Os riscos da liberalização da navegação de cabotagem para empresas de navegações internacionais foram indicados e contextualizados, inclusive no relatório da auditoria do TCU - TC 023.297/2018-112, e foram avaliados para a tomada de decisão e desenvolvimento do programa de estímulo a` cabotagem, denominado BR do MAR.
Segundo análise contida no relatório do TCU, verificou-se que foram encontrados alguns problemas, identificados como obstáculos para o desenvolvimento da cabotagem nacional, entre eles, consta: a elevada burocracia para o transporte de cabotagem; a carga tributária alta para o transporte de cabotagem; os custos demasiados em relação ao transporte marítimo internacional; a necessidade de desenvolvimento da oferta e regularidade das rotas de cabotagem; a vinculação das politicas de navegação de cabotagem e da indústria de construção naval; a existência de barreiras para o desenvolvimento das empresas brasileiras de navegação e para novos entrantes e; a previsibilidade regulatória para a realização dos investimentos privados de longo prazo.
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1- REDAÇÃO. Senado vai analisar BR do Mar, projeto que estimula navegação de cabotagem. SENADO NOTÍCIAS. Disponível aqui. Acesso em: 22 dez. 2020.
2- INCIRILO. Lorena. O Estudo da Eficiência do Transporte por Cabotagem no Brasil. Anais do VI CIMA Tech- 22 a 24 de outubro de 2019, FATEC-SJC, São José dos Campos – SP, p. 01.
3- LEOPOLDINO, Claudio Bezerra; SOUZA, Rebeca Almeida.; Avaliação da cabotagem como opção de modal logístico: estudo de caso de uma metalúrgica nordestina. GEPROS. Gestão da Produção, Operações e Sistemas. Ano 14, n. 3, p. 295-324, jul-set/2018.
4- SANT’ANA, Jéssica. Câmara aprova projeto da “BR do Mar”, de incentivo ao transporte de cargas entre portos. GAZETA DO POVO. Disponível aqui. Acesso em 08, Dez. 2020.
5- PL 4199/2020. MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA. Disponível aqui. Acesso em 08 Dez. 2020.
6- Disponível aqui. Acesso em 08, Dez. 2020.
7- REDAÇÃO. Senado vai analisar BR do Mar, projeto que estimula navegação de cabotagem. SENADO NOTÍCIAS. Disponível aqui. Acesso em: 22 dez. 2020.
8- REDAÇÃO. BR do MAR vai ao Senado, mas ainda com trechos polêmicos para o setor. PORTOSENAVIOS. Disponível aqui. Acesso em 22 dez. 2020.
9- REDAÇÃO. BR do MAR vai ao Senado, mas ainda com trechos polêmicos para o setor. PORTOSENAVIOS. Disponível aqui. Acesso em 22 dez. 2020.
10- REDAÇÃO. "BR do Mar": como é o projeto do governo para aumentar o transporte entre os portos. MARINHA DO BRASIL. Disponível aqui. Acesso em: 22 dez. 2020.
11- COSTA, Rodolfo. O que líderes de caminhoneiros pensam da BR do Mar, projeto do governo que rachou a categoria. GAZETA DO POVO. Disponível aqui. Acesso em: 22 dez. 2020.
12- BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: cabotagem. TC 023.297/2018-2. Apenso: TC 003.329/2019-4. Acórdão n. 1383/2019. Relator Min. Bruno Dantas. Julg.12/06/19. Disponível aqui. Acesso em 22, Dez. 2020
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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: cabotagem. TC 023.297/2018-2. Apenso: TC 003.329/2019-4. Acórdão n. 1383/2019. Relator Min. Bruno Dantas. Julg.12/06/19. Disponível em.: . Acesso em 22, Dez. 2020
INCIRILO. Lorena. O Estudo da Eficiência do Transporte por Cabotagem no Brasil. Anais do VI CIMA Tech- 22 a 24 de outubro de 2019, FATEC-SJC, São José dos Campos – SP
LEOPOLDINO, Claudio Bezerra; SOUZA, Rebeca Almeida.; Avaliação da cabotagem como opção de modal logístico: estudo de caso de uma metalúrgica nordestina. GEPROS. Gestão da Produção, Operações e Sistemas. Ano 14, n. 3, p. 295-324, jul-set/2018
PL 4199/2020. MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA. Disponível aqui. Acesso em 08 Dez. 2020.
REDAÇÃO. Senado vai analisar BR do Mar, projeto que estimula navegação de cabotagem. SENADO NOTÍCIAS. Disponível em: aqui.. Acesso em: 22 dez. 2020.
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SANT’ANA, Jéssica. Câmara aprova projeto da “BR do Mar”, de incentivo ao transporte de cargas entre portos. GAZETA DO POVO. Disponível aqui. Acesso em 08, Dez. 2020