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Edital de Consulta Pública 78: o tratamento prudencial aplicável aos serviços de pagamento

A medida proposta é salutar à indústria de pagamentos, uma vez que colocará os participantes em pé de igualdade no que tange aos requisitos de capital e, ao mesmo tempo, fortalecerá a indústria como um todo em relação à estabilidade sistêmica.

6/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde a edição da Lei 12.846, de 1 de agosto de 2013, a indústria de meios de pagamento ganhou escala em volume de transações, relevância econômica e complexidade regulatória, situação que exige do regulador constante aperfeiçoamento de normas e das atividades de fiscalização. Segundo estudo da consultoria Accenture, o volume de pagamentos digitais deve quase dobrar nos próximos cinco anos no Brasil1. Inovações como PIX, iniciadores de pagamento e Open Banking, por exemplo, tendem a aumentar o volume de transações no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro nos próximos anos. A digitalização dos pagamentos é uma realidade, um caminho sem volta, cujos reais efeitos já são experimentados pela sociedade brasileira.

Esse fenômeno não passa despercebido pelo regulador. Pelo contrário, o Banco Central é o principal protagonista dessa revolução na forma como o cidadão brasileiro realiza os seus pagamentos. Por oportuno, frise-se que a atuação do Banco Central nessa frente é belíssima, de vanguarda, e certamente servirá de inspiração para outras jurisdições no futuro próximo.

Em uma nova empreitada, o Banco Central propõe regular o chamado tratamento prudencial aplicável aos serviços de pagamento. Especificamente, o Banco Central identificou dois pontos de atenção nos últimos tempos: uma possível subdimensão de capital aplicável à atividade de meios de pagamento e a falta de tratamento uniforme entre instituições financeiras e instituições de pagamento que atuam na área de meios de pagamentos.

Nesse sentido, em 11 de novembro de 2020, o Banco Central divulgou o Edital de Consulta Pública 78, cujo objetivo é propor um conjunto de normas que buscam harmonizar o tratamento prudencial aplicável aos serviços de pagamento e fortalecer a exigência de capital dos seus participantes. O edital propõe a edição de uma Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) e duas resoluções do Banco Central, cujos principais temas serão detalhados a seguir.

Uma primeira proposta que vale destaque é a criação de três tipos de conglomerados prudenciais conforme a sua composição: Tipo 1, conglomerado prudencial controlado por instituição financeira ou outra instituição autorizada pelo Banco Central nos termos da Lei 4.595, e integrado por instituição de pagamento; Tipo 2, conglomerado prudencial controlado por instituição de pagamento e não integrado por instituição financeira; e Tipo 3, conglomerado prudencial controlado por instituição de pagamento e integrado por instituição financeira.

As instituições de pagamento e os conglomerados do Tipo 2 têm nova definição de capital regulamentar, que passará do atual Patrimônio Líquido Ajustado pelas contas de resultado (PLA) para o Patrimônio de Referência de Instituição de Pagamento (PRip). A minuta de resolução do CMN estabelece a metodologia de apuração dos requerimentos mínimos de PRip, com o objetivo de prover tanto a cobertura dos riscos associados aos serviços de pagamento prestados quanto dos riscos oriundos das demais atividades exercidas. Assim, a exigência de PRip se dará a partir da soma das parcelas relativas aos serviços de pagamento, calculado de acordo com percentual progressivo aplicado sobre o volume de transações, e da parcela relativa aos demais ativos, calculada de acordo com a ponderação dos ativos segundo o seu risco.

Os conglomerados do Tipo 3 deverão se enquadrar em um dos segmentos estabelecidos na Resolução CMN 4.553, de 30 de janeiro de 2017. Durante um período de transição de três anos, esses conglomerados ficarão alocados no Segmento S4. O requerimento de capital – PR do conglomerado Tipo 3 se dará a partir da soma da parcela relativa aos serviços de pagamento com as demais parcelas de ativos ponderados pelo risco RWA relativa ao risco de crédito, ao de mercado e ao operacional, calculados de acordo com a Resolução CMN 4.193, de 1 de março de 2013.

Os conglomerados do Tipo 1 passam a apurar nova parcela de ativos ponderados pelo risco RWA relativa às atividades de pagamento, segundo a mesma metodologia aplicável a essas operações nos conglomerados Tipo 2 e Tipo 3, e não mais a metodologia voltada ao risco de crédito. Contudo, há uma exceção aplicável ao conglomerado do Tipo 1 enquadrado no S1, que permanecerá sujeito à metodologia de apuração relativa ao risco de crédito, conforme critérios definidos no Comitê de Basileia.

Sobre os requisitos mínimos de PRip aplicável às atividades de pagamento, o edital propõe a aplicação de percentual sobre o volume de transações, que deve variar ao longo do tempo e conforme a atividade. As entidades que prestam mais de um serviço deverão observar cada um dos requerimentos mínimos aplicáveis a cada um dos serviços.

Em relação às instituições do Tipo 2, o chamado “Fator F”, que é o fator aplicável aos ativos ponderados pelo risco em relação às exposições de risco de crédito e às exposições em ouro, começaria em 6% em 2022 e chegaria em 12% em 2025. Para as instituições Tipo 3, o “Fator F” começaria em 6% em 2022 e chegaria a 8% em 2025, percentual este atualmente aplicável aos conglomerados prudenciais liderados por instituições financeiras.

A minuta de Resolução do BCB prevê, ainda, a possibilidade de manutenção de depósitos em contas vinculadas para situações de desenquadramento nos requerimentos mínimos de PRip, observados os seguintes pontos: (i) prazo máximo de 90 dias; (ii) possibilidade de vinculação de títulos públicos; (iii) manutenção em conta de custódia específica no Banco Central; (iv) liberação sujeita à prévia autorização do Banco Central.

Sem dúvidas, a medida proposta é salutar à indústria de pagamentos, uma vez que colocará os participantes em pé de igualdade no que tange aos requisitos de capital e, ao mesmo tempo, fortalecerá a indústria como um todo em relação à estabilidade sistêmica. Aos interessados, comentários poderão ser enviados ao Banco Central até 26 de janeiro de 2021. Mais uma bola dentro do regulador.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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Leonardo Baptista Rodrigues Cruz
Sócio de Regulatório Bancário e Transações Financeiras de Pinheiro Neto Advogados.

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