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Reclassificação contábil nas empresas imobiliárias: Efeitos tributários no regime do lucro presumido

A tributação da venda de imóveis nos casos de reclassificação contábil em empresas imobiliárias optantes pelo lucro presumido deve ser guiada pela liberdade e pela verdade

5/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A forma de tributação dos recursos provenientes das alienações de bens originalmente pertencentes ao ativo imobilizado, de empresas imobiliárias optantes pelo regime do lucro presumido, tem sido matéria de bastantes controvérsias entre os contribuintes e o poder público.

De um lado, a RFB, por meio da solução de consulta 251-Cosit, de 2018, posicionou-se quanto ao tema. Isso no sentido de que as empresas imobiliárias optantes pelo regime do lucro presumido, ainda que reclassifiquem os imóveis do seu ativo imobilizado para que estes passem a constar no ativo circulante e, depois disso, os alienem, não podem tributar o resultado de tal operação como sendo uma receita operacional. A tributação deveria seguir, segundo o Fisco, as regras aplicáveis ao ganho de capital.

De outro lado, o mesmo órgão fiscalizador, por meio da solução de consulta 254 – Cosit, de 2014, já havia admitido, em sentido diverso, a tributação do resultado da aludida operação como sendo uma receita operacional. O Fisco aprovou tal possibilidade, mesmo tendo ocorrido a reclassificação contábil acima mencionada, na situação em que o bem vendido fora adquirido antes de a atividade imobiliária ter sido incluída, perante a Junta Comercial, no contrato social da empresa.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por sua vez, analisando caso que envolvia o tema aqui discutido, proferiu decisão1, em 2019, afirmando que “aos contribuintes é lícito dimensionar e registrar os fatos contábeis de acordo com aquilo que lhes for mais conveniente e de acordo com a sua efetiva atividade operacional2. Contudo, nesse caso, a tese sustentada pelo contribuinte, de possibilidade de reclassificação e posterior tributação do resultado proveniente da alienação como uma receita operacional, foi vencida por meio do voto de qualidade3.

No contexto desses posicionamentos, merecem destaque os fundamentos utilizados, pela RFB, na solução de consulta 251-Cosit, de 2018, acima citada. Nela, note-se que o Fisco utilizou dois atos normativos para embasar seu entendimento. Primeiro: § 14, do art. 215, da instrução normativa da RFB 1.700. De acordo com o referido dispositivo, “o ganho de capital das alienações de ativos não circulantes classificados como investimento, imobilizado ou intangível, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda, corresponderá à diferença positiva entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil estabelecido pelo § 1º do art. 200”. Nesse mesmo sentido igualmente preceitua o art. 200 da aludida IN da RFB.4

Segundo: artigo 15, § 4º, da lei 9.249, de 1995. Referido enunciado normativo determina que a base de cálculo do imposto de renda pessoa jurídica será aplicado “sobre a receita financeira da pessoa jurídica que explore atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária, construção de prédios destinados à venda, bem como a venda de imóveis construídos ou adquiridos para a revenda, quando decorrente da comercialização de imóveis e for apurada por meio de índices ou coeficientes previstos em contrato”.

A partir de uma leitura literal e ligeira dos aludidos dispositivos invocados pela RFB, parece se concluir que só seria aplicável o regime do lucro presumido sobre o resultado da alienação, caso o imóvel, como se disse anteriormente, fosse comprado já com o intuito de revenda. E esta condição, vale dizer, a “aquisição com intuito de revenda” se provaria, segundo entende a RFB, com o registro do bem, desde sempre, como integrante do ativo circulante da empresa. Ou seja, conforme o posicionamento acima referido, após o bem ser adquirido e classificado em conta do imobilizado, só haveria uma forma de se tributar o resultado proveniente de alienação de tal bem, qual seja, por meio da apuração do ganho de capital.

Contudo, este raciocínio, apresentado na solução de consulta 251 – Cosit, data máxima vênia, parece estar equivocado. Isso porque a atividade empresarial não pode ser tratada como algo estático no tempo. Deve ser assegurado aos gestores de empresas, com base no princípio constitucional da livre iniciativa (art.1º, inciso IV, da CF/88), o direito de estes destinarem o patrimônio da pessoa jurídica de acordo com as necessárias e constantes mudanças inerentes à dinâmica empresarial. Como muito bem referido pelo Conselheiro do CARF, Caio Cesar Nader Quintella, no julgamento do acórdão 1402-003.859, já mencionado, “não pode ficar uma empresa condenada à imutabilidade da exploração de determinadas atividades operacionais, sendo livre e garantida a alteração de seu objeto para se enveredar por outras iniciativas, valendo-se do patrimônio que já possuía”.

Entendimento em sentido contrário ao acima exposto para ignorar o critério da equidade, estabelecido pelo art. 108, IV, do CTN. A equidade, lembre-se, exige, na aplicação do Direito, que se leve em consideração e que se presuma como correto o que normalmente acontece e não o extraordinário.5 Nesse sentido, é comum, por exemplo, que as empresas, como antes mencionado, alterem sua atividade ao longo do tempo e, com isso, queiram reorganizar contabilmente seu ativo, para fins de melhor explorar o objeto social que lhes norteia. Tal prática é corriqueira e não encontra qualquer vedação legal. Por isso, a expressão “adquiridos para revenda”, constante do § 4º, do art. 15, da lei 9.249, de 1995, deve ser interpretada e aplicada de acordo com o contexto fático empresarial que retrate, a rigor, a realidade, não a ficção. Se a “realidade” é no sentido de que a empresa mudou seu objeto ou, ainda, que mudou sua estratégia com relação a um ou a outro imóvel, então é esta realidade que deve prevalecer. Pensar diferente, no sentido de se querer tributar com base na ficção e não na realidade, seria o mesmo que admitir, por assim dizer, a prevalência de um ato simulado em favor do Fisco, com o que, obviamente, não se pode concordar. 

Veja-se, nesse contexto, que, como se disse acima, a própria RFB, na solução de consulta 254-Cosit, de 2014, assim referiu:

“Assim, é legítimo concluir que, no processo de organização que abrange a inclusão das atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos e compra e venda de imóveis próprios e de terceiros, a pessoa jurídica poderá definir quais bens integram o seu estoque para venda, tanto aqueles adquiridos com o propósito negocial de venda, quanto aos bens previamente integrantes de seu patrimônio, para os quais há decisão de redirecioná-los ao comércio.

Postos em contexto esses aspectos inerentes à atividade empresarial, seria de surpreender que a legislação tributária condicionasse a incidência da margem presumida sobre as receitas da atividade imobiliária ao momento de aquisição dos imóveis destinados a venda. Inexiste, porém, tal restrição temporal.” (Grifo nosso)

Ou seja, é plenamente usual que, na atividade empresarial, possa haver mudanças de estratégias quanto ao desenvolvimento dos negócios e que, consequentemente, estas mudanças interfiram na destinação patrimonial. Nesse sentido, não parece realmente haver impedimento de que a empresa, que efetivamente seja imobiliária, possa reclassificar seu ativo, de imobilizado para circulante. E, com isso, parece não haver impedimento de que esta empresa possa tributar, no regime do lucro presumido, as receitas oriundas da alienação desse bem como sendo operacionais.

Em tal contexto, o que, aí sim, cabe ao Fisco analisar é a validade e a veracidade dos atos e negócios jurídicos praticados pelo contribuinte que opera tal atividade econômica e que reclassifica seus bens. Quanto à validade e a verdade, três medidas, mencionadas pelo CARF, nos acórdãos de 1402-003.859 e 1302-002.327, parecem servir de parâmetros para orientar a conduta dos contribuintes.

Primeira medida: Recomenda-se que a empresa observe as normas contábeis para a reclassificação do bem a ser vendido. Nos termos dos Pronunciamentos Técnicos CPC 16, 27 e 31, quando a empresa decide vender um Ativo Não Circulante deve reclassificá-lo como ativo não circulante mantido para venda, no grupo do ativo circulante. Para ser classificado como mantido para venda no ativo circulante, é necessário que o ativo esteja disponível para venda imediata em suas atuais condições. Isto é, é necessário que sua venda seja considerada altamente provável e que, por isso, seu uso operacional seja descontinuado. Para que a venda, por sua vez, seja altamente provável, o nível hierárquico de gestão da empresa deve estar comprometido com o plano de venda do ativo, e deve ter sido iniciado um programa firme para localizar um comprador e concluir o plano. Não obstante o já mencionado, o resultado do ativo não circulante mantido para venda tem que estar destacado na Demonstração de Resultado no Exercício (DRE), no campus resultado das operações descontinuadas.

Segunda medida: É recomendável que a empresa entregue a DIMOB (Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias) e que, preferencialmente, já tenha realizado a compra ou venda de outros imóveis na qualidade de bens do seu estoque, com o registro na contabilidade da empresa, ou na EFD (Escrituração Fiscal Digital) encaminhada ao SPED (Sistema Público de Escrituração Digital).

Terceira medida: É indispensável que o contribuinte verifique se o bem objeto da alienação não se enquadra na definição de ativo imobilizado, estabelecida pela NBC TG 27-Ativo Imobilizado6, aprovada pela resolução CFC 1.177/09. Isso porque a mera reclassificação do bem, por si só, não é capaz de alterar sua real destinação e, consequentemente, sua natureza contábil.

Assim, desde que os contribuintes tomem medidas que exteriorizem, juridicamente, a reestruturação da atividade econômica de certa empresa, por meio de atos válidos e condizentes com a realidade, certo é que, além da solução de consulta RFB 254-Cosit citada, há argumentos jurídicos suficientes para se sustentar que o resultado da venda de um imóvel do ativo circulante, originariamente pertencente ao ativo imobilizado, seja tributado como sendo receita operacional. Essa é a realidade que deve prevalecer, para o bem da liberdade e da verdade.

_________

1 CARF. Acórdão 1402-003.859. Recurso Voluntário. Sessão de 16 de abril de 2019. Processo 14098.720160/2016-17.

2 CARF. Acórdão 1402-003.859. Recurso Voluntário. Sessão de 16 de abril de 2019. Processo 14098.720160/2016-17.Trecho extraído do voto vencedor, fl. 2133.

3 Cabe lembrar que, se tal recurso tivesse sido julgado posteriormente à edição do art. 19-E da lei 10.522/02, incluído pela lei 13.988/20, o voto de qualidade seria favorável ao contribuinte.

4 Art. 200. Serão classificados como ganhos ou perdas de capital e computados na determinação do lucro real e do resultado ajustado, os resultados na alienação, na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo não circulante classificados como investimentos, imobilizado ou intangível, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda.

5 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 103-106.

6 “Ativo imobilizado é o item tangível que: (a) é mantido para uso na produção ou fornecimento de mercadorias ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos; e (b) se espera utilizar por mais de um período.”

Cassiano Menke
Sócio advogado coordenador da área tributária do escritório Silveiro Advogados. Doutor e mestre em Direito Tributário pela UFRGS. Professor do curso de especialização em Direito Tributário, de Direito Tributário e de Direito Financeiro e Fiscal. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/RS.

Louise Lerina
Sócia advogada da área tributária do escritório Silveiro Advogados. Graduada em Direito, com láurea acadêmica, pela PUC/RS. Especializanda em Direito Tributário pela PUCRS/IET. Membra da Comissão de Direito Tributário da OAB/RS.

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