Notadamente, o Direito Processual tem por objetivo, dentre outros, proporcionar a tutela do Direito positivado em norma material bem como esta ser efetiva para aquele que detém reconhecido e legítimo título judicial.
No entanto, constitui desafio ao Direito Processual e para os operadores do direito, atualmente, promover ao mundo fático essa incidência da norma abstrata, de modo a assegurar que o cidadão, no que pese ter obtido êxito na fase de conhecimento, por exemplo, não saía de mãos vazias tão somente com uma sentença favorável que de nada adiantará se a tutela jurisdicional não for concretizada.
Neste sentido, destaca-se o polêmico art. 139, inciso IV do CPC/151 que ganhou incremento em sua redação normativa, em relação ao Códex Processual de 1973, posto que expressamente consta sua incidência para obrigações de prestação pecuniária. A norma encontra-se no Capítulo I do Título IV da Parte Geral do Código de Processo Civil que trata dos deveres e poderes do magistrado.
Em suma, trata-se de cláusula genérica, a qual demanda juízo valorativo do magistrado para sua aplicação, que dispõe sobre as medidas atípicas para cumprimento e efetivação da ordem judicial. Ainda, para fins de esclarecimentos, as medidas atípicas podem ser compreendidas, em contraposição às ordinárias, como meios de convencimento e pressão psicológica para satisfação da prestação jurisdicional.
O Prof. Marcelo Abelha aduz sobre a importância das medidas atípicas na execução ressaltando que “além de - por razões lógicas – representarem enorme vantagem econômica (economia processual) sobre as medidas de sub-rogação, constituem meio idôneo e propício (quando não o único possível) para compelir o devedor a adimplir as obrigações ou deveres infungíveis”2.
Isto exposto, por ser cláusula geral, a responsabilidade recaiu sobre a jurisprudência e melhor doutrina para intentarem critérios e parâmetros para aplicabilidade dos meios atípicos executórios na seara processual, considerando, sobretudo, a fase executória.
O art. 139, IV traz consigo diversos questionamentos, até mesmo, de ordem constitucional sendo objeto, inclusive, da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.941 que tramita na Corte Suprema. Todavia, quanto a aplicabilidade do dispositivo processual no tange os requisitos e parâmetros, parece-me que restou pacificado pelo Tribunal da Cidadania, levando em conta o recente REsp 1.864.190/SP3 de relatoria da ministra Nancy Andrighi e julgado pela 4ª turma.
O primeiro requisito explorado na jurisprudência do STJ refere-se à subsidiariedade da medida atípica, isto é, de rigor observar que todos os meios sub-rogatórios devem estar esgotados de modo que o credor tentou localizar bens, por exemplo, por meio dos sistemas disponíveis e conveniados com o Poder Judiciário.
Ainda, o magistrado abrirá, imperiosamente, espaço para o contraditório prévio feito pelo devedor que está na iminência de sofrer a execução indireta. O requisito exposto revela-se um tanto quanto evidente e necessário em função da vedação da decisão surpresa bem como princípio constitucional do contraditório e ampla defesa.
Por conseguinte, nos termos do voto da Ministra Nancy Andrighi, a “decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do art. 139, IV, do CPC/15”. Assim, a fundamentação substancial constitui terceiro requisito para aplicação da medida satisfativa atípica.
Por fim, concluindo os requisitos e parâmetros adotados pelo Superior Tribunal de Justiça, os meios coercitivos indiretos devem orientar-se pela adequação e proporcionalidade, de acordo com o caso concreto, preservando a dignidade da pessoa humana e demais direitos e garantias fundamentais do devedor.
Desta feita, inequivocamente, mostra-se sólida a jurisprudência do STJ acerca dos parâmetros para aplicação do art. 139, IV do CPC/15 para cumprimento e efetividade de ordem judicial tendo por incidência, principalmente, os atos de busca para quitação do crédito exequendo na fase satisfativa.
O Direito Processual Civil de regras claras e pré-definidas favorece não apenas as partes daquela relação jurídica processual in casu, mas, de igual modo, todo ordenamento jurídico pátrio, mormente a segurança jurídica, que visa a preservação da tutela do direito de seu jurisdicionado bem como a norma tenha efeitos no mundo real, isto é, no plano fático pois, caso contrário, revela-se tão somente uma letra morta.
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1- Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
2- ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. Pág. 56. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
3- Disponível aqui.. Acesso em 13/12.2020.