Desde o surgimento da humanidade, o homem é dependente do meio ambiente, modificando a natureza em prol das suas necessidades por meio de práticas predatórias. O planeta passou por muitas mudanças climáticas e transformações geográficas ao longo de sua existência.
Com os impactos das alterações climáticas sobre o meio ambiente, já é possível identificar situações de degradação e desastres ambientais. As populações são mais ou menos atingidas de acordo com o grau de vulnerabilidade do local. Elevação dos níveis do oceano, secas prolongadas, desertificação, enchentes, são alguns dos efeitos dentre a ampla atividade da natureza face às mudanças sofridas.
Desde os primórdios, fugas de conflitos religiosos, políticos, doenças, pestes, surtos epidêmicos e pobreza contam a história da humanidade em trânsito. Os escapes de emergência atuais podem ter razões diversas das costumeiras; catástrofes naturais como furacões, enchentes, erupções vulcânicas e secas têm criado uma nova categoria de refugiados: os ambientais. Os padrões de migrações estão mudando e os motivos pelos quais as pessoas são forçadas a fugir também, sendo frequentes razões diversas das elencadas na Convenção de Genebra. As consequências das alterações climáticas, reais e projetadas, causam o deslocamento da população, expulsando-os da terra por tornar inviável a vida no local e, por ter um impacto, muitas vezes trágico.
Esses grupos que precisam deslocar-se por questões ambientais são vulgarmente conhecidos por “refugiados ambientais”, mas, apesar de assim serem chamados, o Estatuto dos Refugiados não inclui essa nova categoria por não se enquadrarem nos requisitos da Convenção de Genebra. Cumpre esclarecer que, a despeito de ser tratado desde 1985, os refugiados ambientais ainda é um conceito em construção. Na oportunidade, El-Hinnawi1 conceituou como "pessoas que foram forçadas a deixar o local que usualmente habitam, temporária ou permanentemente, em razão de um sério abalo ambiental (ocasionado por causas naturais ou humanas) capaz de prejudicar a sua existência e/ou seriamente afetar a sua qualidade de vida".
O número de pessoas deslocadas em razão dos conflitos decorrente da Segunda Guerra Mundial ocorreu em grande escala, estima-se que cerca de metade da população global refugiou-se por questão bélica. Pelo cenário, surgiu a necessidade de conceituar e determinar os direitos dessas pessoas, sendo definidos, em 1951, pela Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados que os definiu, no artigo 1º2, aplicável a qualquer pessoa que
“em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951, e devido ao fundado receio de ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar.”
Inicialmente, objetivava tutelar apenas refugiados europeus que sofreram com a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, em 1967, passou a ser amplamente utilizando independente de questão geográfica ou temporal com a seguinte redação:
Para os efeitos do presente Protocolo, o termo «refugiado» deverá, excepto em relação à aplicação do parágrafo 3 deste artigo, significar qualquer pessoa que caiba na definição do artigo 1, como se fossem omitidas as palavras «como resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951 ...» e as palavras «... como resultado de tais acontecimentos», no artigo 1-A (2).
Ante o conceito do Estatuto, percebe-se a dificuldade da classe. Primeiro pela limitação do termo “refugiado ambiental” em razão do conceito restritivo do Estatuto dos Refugiados que não elenca questão ambiental como critérios para atribuição do status de refugiado e segundo pela ausência de instrumento legal que os ampare. Essa situação reflete o cenário de embate entre os juristas e organismos internacionais para conceituar a categoria em comento.
Face ao caráter restritivo do conceito de refugiado e não obstante a abrangência local de alguns instrumentos3 tentarem internalizar outros fatores à definição convencional, não são o bastante para que a sociedade como um todo dê o tratamento adequado aos refugiados ambientais. O reconhecimento dessa crescente categoria não é o único desafio. Isso porque é necessário um instrumento que os dê assistência. Isso porque há uma grande resistência dos Estados em garantir asilo. Faz-se necessário ainda a definição de políticas públicas para receber esses grupos e, paralelamente, ação global para atenuar os efeitos das alterações climáticas evitando o crescente número de refugiados.
Ainda que reconheça a dificuldade de permanência no país, sair ilegalmente ou permanecer fora do país de origem sem autorização ensejará a aplicação das leis do país nacional em decorrência da soberania dos Estados. Ademais, a soberania estatal assume papel central como problema a ser enfrentado na busca pelo reconhecimento de refugiados ambientais como compromisso internacional.
A soberania foi tratada inicialmente por Jean Bodin em 1566 e estruturada em 1648 com o Tratado de Vestfália, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, funcionando como pedra basilar do equilíbrio do sistema internacional. Assegurava a ideia de unidade e coesão da sociedade em que o Estado (detentor) estaria acima das leis civis, ou seja, trouxe a noção de poder perpétuo estatal – só deixa de existir quando extinguir o Estado, estabelecendo uma relação íntima com o poder sendo este superior, absoluto, incondicionado e ilimitado4.
Assim, na soberania, Estado se sobrepõe ao direito interno e o deixa livre para aderi-las ou não ao direito internacional, agindo com total liberdade no que se refere ao direito positivo, decidindo suas próprias leis, defesa seu território, dirigir seu governo e população. Cumpre esclarecer que o conceito é estritamente relacionado à territorialidade que é o limite físico sob o qual o Estado exerce sobre bens e pessoas, é o domínio sobre sua territorialidade e a limitação de sua soberania.
Falar da problemática dos refugiados ambientais permeia a discussão das políticas estatais e as corriqueiras ações deliberadas acerca das fronteiras e bloqueio ao recebimento desses indivíduos, fundados, sobretudo, no princípio da soberania. Muito embora a resistência em reconhecer e receber esses deslocados, cumpre esclarecer que muitos dos desastres naturais e impactos das alterações climáticas são potencializados pelo homem. Logo, percebe-se que a soberania é um obstáculo para a elaboração de um sistema de proteção desse grupo.
O foco da questão é o tratamento apropriado pelo Direito Internacional ante a ausência de instrumentos de proteção. É inconteste que a tutela do meio ambiente deve ser resolvida pelo direito internacional, o que implica no reconhecimento como direito humano, um direito fundamental e a proteção deste não diz respeito apenas garantia às futuras gerações, mas uma melhor qualidade de vida aos presentes.
Outrossim, estima-se que, em 20505, a população mundial será composta por 250 milhões de “refugiados ambientais” sendo certo que é necessário preparar-se para a situação que será experimentada em grande proporção, mas também uma resposta imediata e efetiva para os 50 milhões já existentes (números de 2010).
Mesmo com a questão humanitária em evidência, é imprescindível o reconhecimento desse grupo de migrantes decorrente de questão ambiental por ser um dos maiores problemas do direito internacional ambiental. Não pairam dúvidas que é necessária cooperação internacional para solução do caso em apreço bem como a práticas mitigadoras a fim de reduzir os impactos causados pelas alterações climáticas.
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1- EL-HINNAWI, Essam. Environmental Refugees. United Nations Environment Programme, Nairobi, Kenya, 1985.
2- Artigo 1 da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados. Promulgada pelo Decreto 50.215 de 28/1/61.
3- A Declaração de Cartagena sobre Refugiados na América Latina trata de “evento particularmente perturbador da ordem pública”. Para Carla Amado Gomes, “A referência a evento particularmente perturbados da ordem pública é suficientemente ampla par abarcar os refugiados climáticos”. AMADO GOMES, Carla. Direito Internacional do Ambiente: uma abordagem temática. Lisboa, 2018. P. 342. A Convenção da Organização da Unidade Africana trata da questão e refugiados na América Central, México e Panamá, podendo ser aplicada quanto ao artigo I, 2: “perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na totalidade do seu país de origem ou do país de que tem nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da residência habitual para procurar refúgio noutro lugar fora do seu país de origem ou de nacionalidade.” Disponível em aqui.
4- Corroborando o pensamento bodiano, Reale afirma que é “um poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”. REALE, M. Teoria do direito e do estado. São Paulo: Saraiva, 2002.
5- Números anunciados pelo Alto Comissário da ONU para os refugiados, L. Craig Johnstone, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que decorreu em Poznan (Polónia) em dezembro de 2008.