Plenário do STF, 04 de abril de 2.018, julgamento do HC 152.752/PR, paciente Luiz Inácio Lula da Silva, arguição de preliminar de não conhecimento do writ por ser substituto de recurso ordinário.
Com este cenário instalado iniciou-se uma longa discussão sobre o conhecimento ou não de habeas corpus, quando impetrado em substituição ao recurso ordinário.
Por maioria formou-se a seguinte tese: “o Tribunal Pleno assentou que é admissível, no âmbito desta Suprema Corte, impetração originária substitutiva de recurso ordinário constitucional.”
A admissibilidade de ‘impetração originário substitutiva de recurso ordinária’ serviu para pôr fim a divergência de entendimento entre a 1ª e 2ª Turma do Pretório Excelso.
In casu, através do HC 109.9561, a 1ª Turma do STF mudou seu posicionamento e passou a considerar INADEQUADA A IMPETRAÇÃO do writ constitucional em substituição ao recurso ordinário.
Em sentido oposto, a 2ª Turma da Corte Suprema não obstaculizava o conhecimento de habeas corpus substitutivos de recurso, como demonstra o acórdão abaixo de relatoria do ministro JOAQUIM BARBOSA:
Ementa: Criminal. Impetração de habeas corpus substitutivo de recurso especial. Admissibilidade. Peculiaridades do caso concreto. Concessão da ordem. O eventual cabimento de recurso especial não constitui óbice à impetração de habeas corpus, desde que o direito-fim se identifique direta e imediatamente com a liberdade de locomoção física do paciente. Habeas corpus concedido, para que o STJ conheça e aprecie o mérito do HC 165.768/MG.
(STF, HC 108994, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 15/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 29-05-2012 PUBLIC 30-05-2012 RJP v. 8, n. 46, 2012, p. 117-118)
Descendo um degrau hierárquico no organograma do Poder Judiciário, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em que pese o decidido pela Suprema Corte, continua a não conhecer de habeas corpus substitutivo de recurso e, o que é mais grave, fazendo referência ao antigo entendimento – já superado2 – da 1ª Turma do Pretório Excelso.
O ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, ávido crítico de Tribunais que se recusam a aceitar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, chegou a afirmar que ‘essa falta de coerência sistêmica compromete a segurança jurídica e a qualidade da prestação jurisdicional.’3.
Entretanto, mencionado ministro – ao referenciar acórdão de lavra do ministro RIBEIRO DANTAS – afirma que “"[e]sta Corte e o STF pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado"4.
A ressalva feita acima – ‘salvo quando constatada...’ – torna, em realidade, ineficaz o não-conhecimento de habeas corpus “substitutivos”, vez que a matéria de mérito será analisada pelo magistrado.
Tal situação decorre do fato de que a hipótese de cabimento de recurso específico – seja ele ordinário, especial, extraordinário – não é impeditiva ou excludente do direito constitucional ao habeas corpus, especialmente porque cabe ao cidadão a escolha do melhor dispositivo que atenda seus interesses5.
Caso, de fato, o habeas corpus “substitutivo” não fosse conhecido inexistiria qualquer análise meritória, sendo, portanto, pro forma e defensiva a jurisprudência emanada na 5ª Turma da Corte Cidadã.
A multiplicidade no número de habeas corpus, o seu suposto “uso promiscuo, imoderado, e diria até vulgar”6 não podem ser impeditivos de acesso ao Poder Judiciário.
Como bem colocado pelo ministro RICARDO LEWANDOWSKI no julgamento do HC 152.752, in verbis:
"A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. Se nem a lei pode, nós podemos aqui, por uma interpretação pretoriana, afastar a apreciação judicial de um habeas corpus, quando existe uma potencial lesão a direito? Por razões de ordem prática? Por uma jurisprudência defensiva? Data venia, não é possível."
O que se vê replicado – de forma incessante – é a afirmação impensada de que, em caso de eventual cabimento de recurso, a impetração de habeas corpus seria seu direto substituto.
Utilizando-se das precisas palavras de Pontes de Miranda: “Não se diga (a erronia seria imperdoável) que se trate de recurso. A pretensão não é recursal. Nem no foi, nem no é. É ação contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir. Talvez contra autoridade policial. Talvez contra juiz ou tribunal. Talvez contra autoridade do Poder Legislativo.”7.
A opção pelo habeas corpus, sendo ela forma mais célere e efetiva de se tutelar o direito fundamental em discussão, deve sempre ser utilizada, vez que inexiste restrição formal ao seu uso direto “sempre que alguém sofrer ou se ACHAR AMEAÇADO DE SOFRER VIOLÊNCIA OU COAÇÃO em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”8.
Os Professores ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES9 assim já ensinavam no ano de 2.008:
“não exclui o interesse de agir, pela falta de adequação, a previsão legal de recurso específico para atacar o ato apontado como restritivo ou ameaçador da liberdade do paciente: é que o habeas corpus, constitui remédio mais ágil para a tutela do indivíduo e, assim, sobrepõe-se a qualquer outra medida, desde que a ilegalidade possa ser evidenciada de plano, sem necessidade de um reexame mais aprofundado da justiça ou injustiça da decisão impugnada.” (Destaquei)
Assim, em que pese a celeuma jurisprudencial sobre o conhecimento – ou não – de habeas corpus substitutivo nas Cortes Superiores, tem-se que é filigrana processual, quando, em realidade sempre que o arquétipo legal para utilização do writ constitucional for preenchido, ele pode ser utilizado, independentemente da existência de eventual recurso cabível.
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1- HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las.
(STF, HC 109956, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012)
2- “Em jogo a liberdade de ir e vir do cidadão, cabível é o habeas corpus, ainda que substitutivo de recurso ordinário constitucional.”. Trecho do voto do ministro MARCO AURÉLIO proferido no HC n° 168.918, julgado pela Primeira Turma do STF no dia 11 de novembro de 2.020.
3- Trecho extraído da reportagem “Ministros do STJ criticam TJ-SP por desobediência de jurisprudência criminal” disponível no site CONJUR. Link: https://www.conjur.com.br/2020-ago-04/ministros-stj-criticam-desobediencia-jurisprudencia-criminal.
4- Trecho extraído do AgRg no HC 543.529/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 01/07/2020.
5- No julgamento do HC n° 152.752 o ministro ALEXANDRE DE MORAES utiliza a expressão “dupla possibilidade” para fundamentar seu voto de conhecimento de habeas corpus impetrado em hipótese em que, de forma concomitante, seria cabível recurso ordinário.
6- Dizeres do ministro LUIZ FUX ao analisar preliminar de não conhecimento de habeas corpus substitutivo no julgamento do HC 152.752
7- MIRANDA, Pontes de. História e prática do habeas-corpus: direito constitucional e processual comparado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979. Pág. 7.
8- Art. 5°, inciso LXVIII da Constituição Federal.
9- GRINOVER, Ada Pelegrini, GOMES FILHO, Antônio Magalhães e FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 352.