Migalhas de Peso

Cláusula MAC e sua aplicação em tempos de pandemia

Cláusula de efeito material adverso pode ser de grande valia em operações de M&A.

15/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Como já mencionado anteriormente, com o alastramento da pandemia, os mais diversos setores da economia foram drasticamente afetados. Como consequência, apesar do alto número de deals no primeiro mês de 2020, o mercado de fusões e aquisições foi fortemente atingido, resultando em uma queda de 25% no número de transações no primeiro semestre quando comparado com o mesmo período de 2019.

Diante deste cenário, muitos investidores se vêem em um momento de altos riscos e incertezas, principalmente no que diz respeito à condução da negociação, haja vista que suas especificidades e os aspectos que formaram o interesse do investidor podem ter sido radicalmente afetados, tornando o negócio muito menos atrativo.

A situação supracitada pode ser regulamentada no contrato de M&A através da cláusula de efeito material adverso, também chamada de cláusula MAC (Material Adverse Change).

Nas palavras de West Glenn (2017):

De acordo com essa cláusula, o investidor, na posição de buy side, poderá desistir do negócio se a empresa alvo sofrer uma diminuição ou perda de seus ativos, condições, operações, resultados ou expectativas, oriundos de eventos ou ocorrências imprevistas, sem que essa desistência possa gerar ao investidor qualquer penalidade

Portanto, esta cláusula possui grande potencial de colocar o comprador em posição confortável na negociação, haja vista a possibilidade de renegociação das condições anteriormente acordadas ou até mesmo desistência do negócio.

Nas palavras de Maria Cristina Cescon, advogada e membro do Conselho de Empresas Brasileiras (2020):

Imagine um ativo, e hoje esse ativo dentro de uma pandemia, teve uma perda absolutamente essencial, a indústria dele mudou, ou existe uma lei que alterou a forma, que regrou diferente a forma de atuação desse ativo, assim, o comprador decide desistir do negócio. A pandemia tem sido entendida com um evento de força maior, que em determinadas circunstâncias pode terminar a operação, isto é, da o direito do comprador de não querer mais comprar e não pagar a multa contratual;

Entretanto, esta não pode ser aplicada arbitrariamente, devendo ser levada em consideração a proporção da negociação.

No caso do Covid-19, não é simplesmente o fato de ter surgido uma pandemia que o comprador terá o direito de não fechar a negociação.

Primeiramente, deve-se atentar se há alguma previsão no contrato que permita esta atitude, pois sem previsão, não que se falar em incidência de cláusula de Material Adverse Change.

Para o advogado Felipe Barreto Veiga, constatada a presença da cláusula, o caso deverá ser analisado em concreto, uma vez que a resposta poderá variar de acordo com a definição de efeito adverso relevante adotada no contrato de aquisição, bem como o mercado no qual estaria inserido à Sociedade-Alvo, para que se avalie se, de fato,se esse evento impossibilitou a operação e afetou o ativo.

Ainda nos ensinamentos de Barreto Veiga, geralmente as definições de efeito adverso relevante são feitas com base em três considerações diferentes: a primeira delas (e a menos utilizada) traz uma definição geral, na qual efeito adverso relevante significa qualquer fato que altere os resultados da empresa, sem apresentar qualquer tipo de excludente.

A segunda definição considera efeito adverso relevante um fato que altera os resultados da empresa, porém apresenta hipóteses que não se enquadram em efeito adverso relevante, por exemplo, mudanças nas condições políticas ou econômicas do país.

Por fim, a terceira e mais utilizada definição, considera efeito adverso relevante um fato que altera os resultados na empresa e apresenta excludentes para a referida alteração, como, por exemplo, afetações não relevantes (que, por exemplo, poderão estar limitadas a um valor que seja considerado insignificante, como algum cenário que reduza em menos de 5% a receita operacional da Sociedade-Alvo).

No Brasil, por exemplo, tivemos o caso envolvendo o Grupo Ânima Educação, que em 2014 tornou pública a aquisição da Universidade Veiga de Almeida e do Centro Universitário Jorge Amado, pelo montante de R$ 1,14 bilhão.

Entretanto, em decorrência de alterações sofridas nas regras do FIES – Fundo de Financiamento Estudantil, a Ânima Educação optou por desistir da operação e cancelar a aquisição, uma vez que passaria a afetar consideravelmente o caixa, bem como outros fundamentos das companhias a serem adquiridas.

Já na corte norte americana, no case envolvendo as farmacêuticas Akorn vs Fresenius, o tribunal de Delaware entendeu que a Akorn Inc. sofreu uma “dropped off a Cliff”, isto é, uma queda brusca em seus resultados, tais como sua receita, receita operacional e lucro por ação caíram 25%, 105% e 113%, e seu ebitda e ebitda ajustado caíram 86% e 51% respectivamente, situação em que a queda não demonstrou qualquer perspectiva de redução, situação que seria totalmente aplicável a Cláusula MAC.

Mais recentemente, presenciou-se a disputa entre LVMH (grupo dono dos artigos de luxo Louis Vuitton) e a joalheria Tiffany & Co. No início do ano de 2020, as empresas envolvidas iniciaram tratativas a fim de concretizarem operação de fusão no preço de US$16,6 bi.

Entretanto, se não bastasse a carta emitida pelo Ministro das Relações Exteriores da França com pedido para que a LVMH adiasse a aquisição em razão da ameaça de implementação de tarifas adicionais dos EUA contra produtos, a marca de artigos luxuosos francesa alegou a caracterização de efeito material adverso como consequência dos efeitos da pandemia do Covid-19, que afetou consideravelmente muitos setores, dentre os quais está o de artigos de luxo, assim, o objeto (Tiffany &Co.) teria sofrido alterações consideráveis.

Após processos ajuizados e muitas discussões acerca da possibilidade de desistência do deal, as empresas acordaram em reduzir o preço por ação a ser adquirida (antes a US$ 135 por ação), agora na faixa de US$ 131,50, resultando em um deal de US$ 15,8 bi.

Destarte, ainda que não haja um parâmetro exato para sua incidência, é pacífico que não basta uma simples queda nas vendas da empresa, como regularmente ocorre com as companhias atuantes em setores cíclicos, que em decorrência desta característica, naturalmente possui períodos de baixa lucratividade.

Por outro lado, para a incidência da Cláusula MAC é necessária a queda considerável dos ativos, de modo que afete boa parte dos fundamentos que levaram o comprador a realizar a aquisição, como pudemos observar nas companhias aéreas no período de Covid-19.

Ainda que a cláusula MAC não seja expressa acerca da caracterização de uma pandemia como fato adverso, o comprador ainda terá a possibilidade de se ver livre da negociação mediante decisão arbitral ou judicial, a depender da redação empregada.

Destaca-se que, algumas operações iniciadas já no curso da pandemia, em meados de março e abril de 2020, passaram a implementar o termo “pandemia” ou até mesmo “Covid-19” na cláusula MAC, seja para enquadrá-la ou excluí-la do conceito de efeito material adverso, como é o caso dos contratos celebrados entre Orgenesis Inc e Tamir Biotechnology, Inc (em 12 de abril de 2020) e o contrato de fusão envolvendo a Turning Point Brands, Inc e Standar Diversified Inc (em 7 de abril de 2020).

Portanto, nota-se que a cláusula MAC pode ser de grande valia, especialmente em momentos de dificuldades financeiras e estruturais da companhia alvo da operação, ou como estamos presenciando, também em períodos de crises econômicas, de modo que, uma boa redação no contrato trará maior segurança ou comprador, o qual sempre precisa buscar administrar os riscos envolvidos em seus investimentos.

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BARRETO VEIGA, Felipe. Pandemia, Cláusula MAC e Contratos de Aquisição. Disponível aqui. Acesso em 20 ago. 2020.

DELL'OSO, Leonardo. Fusões e Aquisições no Brasil - Janeiro 2020. Disponível aqui. Acesso em 25 mai. 2018

DUNAEVSKY, Yelena. Mostly dead but slightly alive: M&A deals of 2020. Disponível aqui. Acesso em 19 set. 2020.

Fala da advogada e membro do Conselho de Empresas, Maria Cristina Cescon, durante a disciplina de Introdução às fusões e aquisições, USP, 16 de jul. de 2020.

FIDEL, Eric. Akorn: Stabalishing a Material Adverse Effect. Disponível aqui. Acesso em 20 ago. 2020.

LUZONE, Leandro. A importância da cláusula MAC em fusões e aquisições em tempos de pandemia do corona vírus. Disponível aqui. Acesso em 30 abr. 2020.

WEST, Glenn D.. Avoiding the Mindless Use of the Brainless MAC Clause. Disponível aqui. Acesso em 15 abr. 2020.

 

Gabriel Magalhães Comegno
Bacharel em direito pela Instituição Toledo de Ensino - ITE. Assistente escritório Santiago Comegno Advocacia. Co-fundador da página Empresarial Direito.

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