O STF e a fixação de juros pelos juízes
O problema dos juros bancários — elevadíssimos, os mais altos do globo, ou em segundo lugar, segundo pesquisas de pouco tempo atrás — é uma boa amostragem da nossa desorganização em assuntos realmente importantes. Uma prova de que nossa apregoada “criatividade” é apenas tópica, individual, arreganhada, desarticulada, apta somente para a costura de coloridas colchas de retalho.
A Constituição Federal de 1988, em arroubo destituído de sabedoria, fixou que os juros bancários seriam de apenas 12% ao ano. O legislativo, logo depois, vendo que isso seria impossível sob o prisma econômico, deixou o assunto em aberto, o que permitiu aos bancos cobrarem juros em torno dos 10% ao mês, tornando o país o paraíso dos prestadores de capital; incluindo aí os agiotas.
Devedores que não conseguiam — não é para menos... — pagar extorsivos juros de 10% ao mês — digamos — quando cobrados na justiça, passaram a fazer o que qualquer um faria no lugar deles, inclusive banqueiro endividado: usaram a técnica de protelar a cobrança judicial. Como? Apresentando inúmeros recursos protelatórios, ensejados por uma legislação processual desatualizada que também não se preocupa muito com a funcionalidade e eficácia da justiça. Com isso, o Judiciário foi se tornando mais e mais atravancado. O devedor, justa ou injustamente cobrado, sempre podia dizer a seus botões: “ Se eu posso retardar quase indefinidamente, o momento fatal de pagar minha dívida na justiça, porque não usar esse caminho que todos usam? As custas e o juros processuais são relativamente baixos e a sucumbência só existe, por lei, na decisão de primeira instância. Por que não apelar e protelar?”
Como são milhares pensando da mesma forma, não é de estranhar que todos os tribunais do país estejam forrados de autos de processos cíveis, a vasta maioria envolvendo dinheiro, de uma forma ou outra. Com uma agravante péssima para as instituições governamentais: a população, revoltada com a demora, presume — por falta de abrangente compreensão do problema —, que a culpa na demora “de seu processo” é a suposta preguiça do magistrado. Não conhece a carga semanal que ele recebe. Pode haver preguiça, num caso ou outro, mas não é a regra.
Como se vê, o não-solucionado problema dos juros extorsivos acaba repercutindo muito além do conflito individual entre bancos e clientes.
No entanto — esta é a parte mais importante deste artigo — quem deve cumprir essa extraordinária missão será diretamente o Supremo Tribunal Federal, não os juízes das instâncias inferiores, como ficou decidido na recente decisão. Se mantido esse entendimento, estará instaurado o “super-caos” — caos nós já temos, pelo número absurdo de ações em andamento — no sistema de distribuição de justiça: cada juiz e cada tribunal decidindo de um jeito, ensejando recursos de ambas as partes pretendo melhorar sua posição na questão do percentual dos juros.
O CDC poderia ser aplicado pelos juízes em questões outras, tais como a demora máxima nas filas, em agências bancárias, e assuntos assemelhados. Jamais a faculdade de cada juiz aplicar o juro “justo” em cada demanda. “Justo” é o adjetivo mais discutível e escorregadio do planeta.
Os bancos costumam justificar seus juros altíssimos dizendo que a inadimplência é muito alta e que, cobrada a dívida na justiça, as ações demoram demais. Pode haver um certo percentual de verdade nisso. Mas não muito elevado, porque quando o financiado paga sua dívida pontualmente o banco não o premia regiamente, como, coerentemente, deveria. A pontualidade do cliente não redundou em redução dos juros. Afinal, o risco da demora inexistiu. Ele teve que pagar o que estava no contrato. Além do mais, como já disse, os juros estratosféricos atualmente cobrados incentivam a morosidade da justiça porque todo devedor — e são dezenas de milhares — sabendo que a dívida tornou-se impagável, bastando alguns meses de atraso, ordena a seu advogado: “Conteste a cobrança e retarde o mais que puder! Espero estar em outra dimensão, quando chegar a hora de pagar. Aí que se entendam com meus herdeiros”.
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* Desembargador aposentado do TJ/SP e Associado Efetivo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo
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