Quando o saudoso José Gerardo Grossi me sondou para contribuir com os trabalhos da defesa de Lula, coordenada com dedicação e nível técnico admiráveis por Cristiano Zanin, tratei de examinar as hipóteses acusatórias. Eu devia me fixar também numa questão deontológica: um eventual impedimento, derivado de minha condição de advogado externo da Petrobrás havia então mais de quinze anos (a empresa seria "vítima" de crimes atribuídos ao ex-presidente). Bem, em tudo que examinei não havia a menor evidência de qualquer nexo entre suposta "vantagem obtida" e o patrimônio da Petrobrás. O pequeno bote do sítio de Atibaia não foi pago com recursos extraídos da empresa; o apartamento do Guarujrá, cujo único proprietário reconhecível pelo direito brasileiro era a OAS (até que alguma lei outorgue aos juízes criminais atribuições para retificar o RGI) tampouco era relacionável a algum contrato da grande petroleira. Parecia claro que a Vara Federal do Paraná não era competente, e sim a Justiça Estadual de São Paulo.
Quando o Juiz Sérgio Moro afirmou espetacularmente sua competência, através da condução coercitiva de Lula, tive que deixar a causa. Afinal, advogados não podem "defender na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias": isso configura o crime de tergiversação, punido com detenção de 6 meses a 3 anos e multa (art. 355, par. ún. CP). Ainda tentamos, Cristiano e eu, submeter à Min. Rosa Weber a questão da incompetência. Mas S. Exa., relatora do caso, tivera como assessor por alguns meses precisamente o Juiz Sérgio Moro, e portanto devia ter em alta conta suas formulações – quase sempre pontuais e práticas – acerca de direito processual penal; ele não teria errado, claro, sobre sua própria competência.
Deixei o caso, lamuriando-me num pequeno artigo intitulado Advocacia em Tempos Sombrios. Mas hoje, nos jornais, leio que o advogado Sérgio Moro – que sucedeu ao Min. Sérgio Moro, por seu turno alavancado politicamente pelo Juiz Sérgio Moro – vai cuidar de interesses da Odebrecht, da OAS e outras que sua judicatura ajudou a quebrar, para grande regozijo de empresas transnacionais, como esta que o contratou. Mas consultoria jurídica, como reza a lei (8.906/94, art. 1º, inc. II), é ato privativo de advogado, do mesmo advogado que está proibido de patrocinar, ainda que sucessivamente, partes contrárias. Será que a restrição ética ao advogado não é, com maiores razões, aplicável a quem foi juiz do conflito, no qual depois pretenda adentrar ao lado de uma das partes?
A propósito, a nota pública da empresa que contratou Sérgio Moro destacou nele, antes de tudo e como fundamento da contratação, tratar-se de "especialista em liderar investigações anticorrupção complexas e de alto perfil". E nós que achávamos que ele houvera sido ali magistrado, e não investigador, e nem líder de investigações do MPF!
----------