A Ação Direta de Inconstitucionalidade 6565, no Supremo Tribunal Federal, discute a possibilidade da ampliação do direito de voto nas universidades federais. O problema precisa ser pensado de forma duradoura, verificando até que ponto afastar a soberania popular por parte da presidência da República seria realmente bom para as universidades, ou mesmo para a relação sociedade-universidade, povo-universidade. Penso que não seria salutar, apesar de não podermos concordar que algumas das escolhas feitas pelo presidente atual façam sentido, como é o caso da UFPB, em que é impossível entender o sentido da escolha de um candidato que obteve somente 5% de votos e que não teve votos no CONSUNI, o Conselho político maior da Instituição.
Para muitos caciques da política extremista, manter a tensão entre pontos agudos de oposição é vantajoso e para isso não há medida de ponderação, pois os moderados representam um balde de água fria na desrazão. A verdade é que elevar as universidades ao patamar equivalente a um ente federativo, como uma prefeitura, por exemplo, é um tremendo equívoco de política de Estado. Prefeitos são eleitos por cidadãos que vêem seus impostos e tributos recolhidos de diversas formas. Em abstrato, a universidade federal é um ente administrativo sustentado pelo povo e subordinado à União nos seus fins, logo, não é ente político no sentido de que o Direito Administrativo distingue o ente administrativo do ente político, unidades federativas. A sociedade elege o presidente por soberania popular e o presidente da República, no melhor sistema de verificações e equilíbrios (freios e contrapesos), tem toda a legitimidade para fazer a escolha em lista tríplice. Nós da comunidade acadêmica só temos a ganhar com a regra, embora tenhamos também todo o direito de reclamar da escolha errada, especialmente quando sua representatividade é praticamente nula.
O apego da universidade à tradição democrática e pluralista vigente na sociedade é relativo. Por vezes até equívoco, como neste caso que relato. O direito à participação política não é um monopólio da burocracia do Estado, ele é um direito da pessoa humana partícipe de forma legal e legítima de uma ou de várias comunidades políticas. Os agentes estatais não podem dispor dele por decretos, normas ou leis por simples atos de formalidade restritiva. O poder público deve, ao contrário, viabilizar a participação política se há funções públicas e obrigações isonômicas e não admitir meios que promovam seu vedamento.
Neste sentido, o Centro de Ciências Jurídicas da UFPB faz agora sua consulta para diretor de Centro neste dia 3 de dezembro, quinta-feira. Eu provoquei por requerimento a comissão para a consulta eleitoral e eles me negaram o direito a voto por fundamento infralegal, quando a legalidade não me restringe o voto. Como professor de História e expert jurista, com formação em Direito em nível de pós-graduação1, eu cumpro obrigações isonômicas naquela Pós, mas na hora de votar há uma heteronomia: diferente de meus colegas, eu não tenho o direito de votar para o diretor do Centro, ficando meu voto adstrito ao meu Centro de lotação funcional.
O Direito não recepciona o que é ilógico. A participação laboral e em diversas atividades docentes no PPGCJ/CCJ/UFPB tem sido plena, como atos de votar e ser votado em instâncias no âmbito interno do Centro, tal foi por exemplo, o fato de ter sido vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas, PPGCJ/CCJ/UFPB (2006-2008), ser membro de bancas de Pós-Graduação em mestrado e doutorado, ser orientador com funções plenas, ser membro do Colegiado do Programa, dentre inúmeras e variadas outras atividades desenvolvidas desde 2005, ocupando função própria de docente permanente, prevista em norma de ente da República Federativa do Brasil, a CAPES, pela Portaria CAPES 81, de 3 de Junho de 2016.
O ato de votar demora alguns instantes e ele não interfere sob nenhum aspecto na lotação, não a altera. É ato legítimo e legal direito que nem duplica o cargo, nem a lotação. O ato de participar da consulta como votante é um direito político fundamental do docente se as condições de (a) investidura no cargo de professor efetivo da UFPB e (b) efetivo exercício permanente interna corporis lhe dão amparo jurídico, independente de requisitos burocráticos e dispositivos infralegais.
A norma interna do CCJ/UFPB de 2020 para a consulta à comunidade em relação à escolha do diretor de Centro acolhe o docente com cargo permanente na UFPB, com status permanente enquanto docente de pós-graduação. Não poderia e não se pode restringir a manifestação político-decisória de um docente, o voto, pondo-lhe à parte de uma das suas comunidades em exceção, como é o caso de uma consulta para diretor de um Centro no qual o docente atua. Estaria essa decisão em conformidade com a Constituição e com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos? A participação política do cidadão que ocupa funções públicas numa comunidade é direito inerente às suas funções institucionais.
Salvo entendimento divergente ainda não exposto a lume, a lotação é a disponibilidade de um determinado setor público para a contratação e alocação de funcionários. Ela diz respeito à investidura no cargo. Já o efetivo exercício é derivação e atributo de qualificação do cargo efetivo (CF, art.37, II), não havendo impedimento na organização administrativa setorializada da universidade que um mesmo docente exerça o ensino, a pesquisa e a extensão em mais de um Centro pelas características próprias do trabalho docente. Diferente do setor-meio em que a jornada de trabalho é vinculada ao “balcão”, à coincidência entre lotação e o conjunto das suas funções, o professor desenvolve reflexões vinculadas a um Programa de Pós-Graduação que projeta a universidade no âmbito nacional e internacional. O professor universitário assim atua em multicentros, sem desperdício de sua lotação, nem restrição de seu exercício efetivo, inclusive legítimo mesmo em férias, atividades eleitorais e nos vários casos previstos na lei 8.112/1990. Ressalte-se que sou membro de uma das maiores associações jurídicas americanas, a American Society for Legal History, que tem influência sobre a produção do Direito na sociedade estadunidense. Apesar da associação ser dos Estados Unidos da América, eu tenho direito a voto, pois o voto tem um valor consagrado na cultura ocidental e não poderia ser diferente.
O procedimento de escolha do diretor do Centro de Ciências Jurídicas é uma consulta ampla. Participam dele, além de servidores técnico-administrativos, estudantes que estão vivenciando a comunidade do CCJ/UFPB em status temporário. Mais ainda, os estudantes de Ensino à Distância, os quais sequer frequentam o campus da UFPB ou desenvolvem atividades regulares síncronas, têm direito a votar para diretor de Centro, como ocorreu na última consulta. As normas infralegais, os diretores e coordenadores, as comissões da UFPB deveriam tratar de assegurar a função pública do direito ao voto do docente na comunidade científica na qual desenvolve suas pesquisas. Querem ampliar o direito de voto dos grupos internos ao ponto de eliminar a lista tríplice prevista em lei e inserir por via judicial, no STF, um sistema de votação similar ao de um ente federativo, mas não aceitam o voto legítimo de um historiador entre os juristas; voto a que tem direito “sem restrições infundadas”, conforme os termos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
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1 José Ernesto Pimentel Filho desenvolveu projeto sobre o direito americano e deu aulas de História do Direito nos quadros do pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIFOR, excelência na área de Direito na CAPES, além de ter várias publicações jurídicas em periódicos jurídicos de excelência e extensa lista de formação complementar em Direito. Seu currículo está público na Plataforma Lattes.
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*José Ernesto Pimentel Filho é professor do Departamento de História e do Programa de pós-graduação em Ciências Jurídicas na UFPB.