Desde 15 de março de 2017, quando do início do julgamento do RE 574.706/PR, em repercussão geral, ainda não finalizado, porquanto embargado pela Fazenda Nacional, os contribuintes esperam por uma definição do nosso Pretório Excelso sobre qual o valor deve ser excluído da base de cálculo das contribuições PIS e Cofins: (I) o valor do ICMS destacado nas Notas Fiscais ou (II) o ICMS recolhido mensalmente, fruto da apuração do imposto estadual que leva em conta os valores de débitos, menos os créditos permitidos legalmente.
Naquela oportunidade, como é cediço, pelas mãos da relatora ministra Cármen Lúcia, restou assentado que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência de Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.
São mais de 3 (três) anos de angústia por parte dos contribuintes causada pela incerteza e, em certa dose, à demora do STF em julgar os Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Nacional, que – dentre outros argumentos – pugna para que seja esclarecido e acolhida a tese de que, mantido o mérito, que o ICMS recolhido (e não o destacado) seja aquele a ser extraído da base de cálculo do PIS/Cofins.
Como dito, exceto para aqueles contribuintes que tiveram decisão judicial transitada em julgado, com expressa e clara disposição no sentido de que o ICMS destacado é aquele que deve ser o vetor de redução da receita bruta para fins de determinação das exações PIS/Cofins, os demais ainda vivem na insegurança.
Alguns fatores contribuem para essa insegurança. Veja-se.
Primeiro, porque antecipando-se ao julgamento dos Embargos de Declaração no RE 57.706/PR, a Receita Federal do Brasil (RFB) se manifestou pela exclusão do ICMS mensal recolhido (e não o destacado) da base das contribuições sociais sobre o faturamento em 2018, quando a Coordenação Geral de Tributação (COSIT) expediu a Solução de Consulta (SC) interna 13/18.
Segundo, em mais uma contundente defesa desse entendimento, em 15 de outubro de 2019, a RFB publicou a instrução normativa (IN) 1.911/19. Na mesma esteira da SC Cosit 13/18, o artigo 27, parágrafo único, I, da IN 1911 reza que o montante a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é aquele correspondente ao ICMS mensal a recolher, inclusive estipulando critérios que os contribuintes deverão observar para fins dos cálculos e informação na EFD-Contribuições, a saber:
- No caso de apuração e escrituração do PIS/Cofins em bases mensais segregadas, conforme o Código de Situação Tributária (CST), o montante mensal do ICMS a ser excluído também deve ser segregado;
- A proporcionalização do valor do ICMS a ser excluído será determinada com base na relação percentual entre a receita bruta indicada em cada um dos tratamentos tributários (CST) e a receita bruta total auferida no mês;
- Na determinação do valor do ICMS a recolher, o contribuinte deve preferencialmente considerar o montante escriturado na EFD-ICMS/IPI;
- Alternativamente, o contribuinte poderá comprovar os valores do ICMS a recolher mês a mês pelas guias de recolhimento do imposto estadual ou em outros meios definidos pelos Estados.
Terceiro, e mais impressionante, é que IMCOPA IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E INDÚSTRIA DE ÓLEOS S.A., autora da ação leading case da matéria, apresentou, em 27 de maio de 2020, memorial no processo se manifestando e pugnando para que o STF considere que a melhor forma para apuração do valor a devolver de PIS e Cofins seria pela aplicação plena dos conceitos da não cumulatividade do imposto estadual. Nas palavras constantes do memorial: o ICMS destacado diminuído dos ICMS dos insumos sujeitos ao pagamento das contribuições, conceito adotado na Constituição no artigo 195, § 12º, eis que garantirão a justiça nos montantes devolvidos que equivalerão aos montantes recebidos pela Fazenda e serão devolvidos na proporção exata a cada elo da cadeia.
É uma manifestação estranha. Se baseia em parecer exarado pela respeitadíssima ex-ministra do STJ, Eliana Calmon1, a pedido da IMCOPA. Depois de tantos anos buscando uma decisão pela exclusão do ICMS ‘cheio’ da base de cálculo do PIS e da Cofins, a empresa vencedora, contrariando posição do patrono original do processo, Dr. André Martins de Andrade2, está se orientando por uma posição mais intermediária, qual seja: o ICMS líquido dos créditos mensais deve ser aquele a ser extirpado da base de cálculo das contribuições federais sobre o faturamento3.
Apesar dessas pressões, parece que o nosso Pretório Excelso irá tomar a estrada que leva à exclusão do ICMS destacado na nota fiscal para fins dos cálculos da receita bruta para a conformação da base incidental do PIS e da Cofins.
Esta (quase) certeza insere-se nos discursos travados pelos excelentíssimos ministros do Supremo Tribunal Federal ao ensejo da apreciação do Recurso Ordinário em sede de habeas corpus 163.334/SC, em julgamento de 18 de dezembro de 2019, da relatoria do min. Luís Roberto Barroso.
No julgamento ficou assentado que “O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”.
Pois bem, mas o que o tema de direito penal ali discutido pode influenciar e dar luz à questão do valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo das exações PIS e Cofins?
Com efeito, o STF – para chegar a tal conclusão – considerou que a incidência do tipo penal de crime contra ordem tributária previsto no art. 2º, II, da lei 8.137, de 1990 passa pela apropriação do valor do tributo como conduta típica do devedor sistemático.
Para tanto, foi analisado essencialmente a caracterização do tipo penal contido naquela norma que tem o seguinte teor:
“Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
(...)
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;” (grifamos).
Dentre outros motivos a alimentar a tese dos ministros que votaram a favor do enquadramento no tipo penal retratado, está a caracterização do ICMS como imposto cobrado do consumidor final, situação que fortalece a cunha que o contribuinte de direito do ICMS é mero elemento veicular entre o contribuinte de fato e o sujeito ativo da obrigação tributária estadual.
Neste viés, vários ministros se agarraram no julgamento do RE 574.706/PR e na proposta da ministra Cármen Lúcia, na ocasião. Verifica-se de todas as argumentações no RO em HC 163.334/SC que os ministros alicerçaram seus votos com propostas que indicam que o ICMS “cheio’ é cobrado dos adquirentes e passado aos Estados, seja via pagamento ou, em parte, pela compensação com os créditos que os contribuintes de direito detêm contra os Estados.
Veja a dicção do ministro Barroso ao defender seu ponto de vista:
“24. Ocorre que o tipo penal não contraria essa compreensão jurisprudencial. Pelo contrário, o tipo penal reconhece que a obrigação jurídico-tributária recai sobre o comerciante, tanto assim que o delito somente pode ser cometido “na qualidade de sujeito passivo de obrigação”. O sujeito passivo é o devedor do tributo, sem dúvida, mas isso não significa que o valor do tributo, antes de ser recolhido, a ele pertença ou seja incorporado a seu patrimônio. E realmente não lhe pertence, como atestam as circunstâncias de que o ICMS: a) não compõe a base de cálculo para a apuração do imposto de renda pelo lucro real (Decreto-lei nº 1.598/1977, art. 12, § 4º); b) tampouco integra a base de cálculo de PIS e Cofins, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (RE 574.706, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 15.03.2017)
25. Portanto, o sujeito passivo do tributo não se apropria – ou melhor, não pode se apropriar, sob pena de incorrer no tipo penal aqui examinado – do ICMS cobrado em cada operação. Em verdade, os comerciantes são meros depositários desse ingresso de caixa (o “valor do tributo”), que, após compensado com os valores do tributo suportados nas operações anteriores, deve ser recolhido aos cofres públicos. Nas palavras de Roque Carrazza, “Enquanto o ICMS circula por suas contabilidades, eles (os sujeitos passivos) apenas obtêm ingressos de caixa, que não lhes pertencem, isto é, não se incorporam a seus patrimônios, até porque destinados aos cofres públicos estaduais ou do Distrito Federal”
26. O valor referente ao ICMS, cobrado dos consumidores, apenas transita no caixa do sujeito passivo para, em algum momento, a depender dos seus créditos em operações anteriores, ser recolhido aos cofres públicos. No voto da Relatora do RE 574.706, Min. Cármen Lúcia, consignou-se claramente o entendimento, acolhido pela maioria do Plenário, de que, ainda que não recolhido imediata e integralmente, em razão do princípio da não-cumulatividade, o ICMS não se integra ao patrimônio do sujeito passivo e, por isso mesmo, não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins: Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia [distribuidor e comerciante], ou seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições”. (grifamos).
Por sua vez, o ministro Edson Fachin se posicionou no seguinte sentido:
“Isso porque, segundo depreende-se da argumentação defensiva, o contribuinte, ao promover a declaração de débitos desacompanhada de oportuno recolhimento, cingir-se-ia ao campo do inadimplemento de obrigação própria. Em outras palavras, o contribuinte seria o titular não apenas da obrigação de recolhimento mas também dos próprios recursos cobrados, circunstâncias que, isoladamente consideradas, na perspectiva defensiva, seriam indiferentes à seara penal.
Nada obstante, segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o valor do tributo cobrado a título de ICMS não integra o patrimônio do contribuinte. Ao revés, o contribuinte age com contornos semelhantes aos de um depositário.
É nesse sentido, aliás, que este Plenário, ao examinar o RE 574706, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017 (Tema 69), concluiu que o “ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da Cofins”. Isso porque, segundo concluiu a ilustrada maioria, o ICMS não integraria o faturamento do sujeito passivo da obrigação tributária.
Nesse contexto, o valor cobrado a título de ICMS apenas circula na contabilidade do sujeito passivo, mas não ingressa em seu patrimônio com definitividade.
Trata-se, portanto, de tributo declarado e não pago, como bem observaram os autores Leonardo Buissa e Lucas Bevilacqua, na publicação “Neutralidade tributária no ICMS e criminalização do devedor contumaz: imposto declarado e não pago. Revista de Direito Tributário Atual. 39-2018”.
A partir disso, soa até mesmo em certo ponto inapropriado em ICMS próprio, na medida em que o tributo a ser recolhido pelo contribuinte de direito não é objeto de livre disposição e não constitui receita ou faturamento de sua propriedade, visto que circula em seus cofre apenas a título de trânsito contábil.
Observo que, no julgamento do citado RE 574706, defendi posição diversa. Assentei, naquele julgamento, que o valor cobrado a título de ICMS, na minha visão, incluir-se-ia no faturamento do contribuinte. Mas, enfatizo, essa minha posição restou minoritária e o tema não se encontra novamente em julgamento.
Assim, e considerando a exigência de integridade e coerência das compreensões da Suprema Corte (art. 926, CPC), bem como que a jurisprudência deve ser desenvolvida com observância dos capítulos que compõem uma espécie de romance, tomo como premissa deste julgamento a prévia decisão majoritária proferida por este Plenário e que concluiu que o valor cobrado de ICMS não se considera receita do contribuinte, mas simples ingresso que se opera em regime de trânsito.
Em suma, a Corte decidiu, por maioria, que o valor cobrado a título de ICMS não integra a base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins em razão de não ser considerado receita do contribuinte, de modo que esses recursos não são absorvidos por sua esfera jurídica.
Por coerência e consequência, o não recolhimento desse valor cobrado atua na ambiência do não repasse em favor do Fisco de recursos de titularidade de terceiro. Nesse sentido, a ausência de recolhimento não denota tão somente inadimplemento fiscal, mas disposição de recursos de terceiro, aproximando-se de espécie de apropriação tributária, aspecto que, a meu ver, fulmina o cerne da tese defensiva.” (negritamos)
Por seu turno, a min. Rosa Weber asseverou que:
“Igualmente, acompanhei a maioria formada por ocasião do julgamento do RE 574.706 (Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 223 de 29.9.2017), no qual o Plenário desta Suprema Corte definiu que os valores recolhidos pelo sujeito passivo, a título de ICMS, não compõem sua base da cálculo de PIS e Cofins. O principal fundamento a ancorar a compreensão foi justamente o de que tais valores (recolhidos a título de ICMS) somente transitam na contabilidade do contribuinte de direito em razão de sua posição na cadeia causal de incidência do fato gerador, sem integrar seu faturamento (ou seja, não se incorporam a seu patrimônio).
Logo, a cobrança do ICMS do consumidor final e a posterior omissão de recolhimento dos valores cobrados aos cofres públicos pelo sujeito passivo da obrigação tributária implica, efetivamente, apropriação de valores de terceiros, acoplando à conduta do agente um especial desvalor que legitima a tipificação penal do crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990, não havendo falar em prisão civil por dívida.”
Não diferente foi a posição do min. Dias Tóffoli:
“Relembro que, no julgamento do Tema 69 da repercussão geral, o Tribunal Pleno fixou o entendimento de que o ICMS recebido pelo vendedor ou prestador de serviços não integra a base cálculo do PIS/Cofins, por considerar que esse valor não integra o conceito de faturamento (v.g. RE nº 574.706/PR, Tribunal Pleno, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 2/10/17).
Ao esclarecer a questão, a Relatora consignou, em seu voto, que “o contribuinte não inclui como receita ou faturamento o que ele haverá de repassar à Fazenda Pública”.
Em suma, a Corte definiu que o valor correspondente ao ICMS recebido pelo contribuinte no preço pago pelo comprador ou tomador do serviço não é propriedade desse contribuinte, mas sim do Estado.”
Nos parece bastante firme e madura a posição dos ministros na direção de que o contribuinte do ICMS é mero arrecadador do ICMS cobrado do consumidor.
Ora, o ICMS cobrado do consumidor, na sua essência, é o valor do ICMS destacado na nota fiscal, de modo que, mantida a coerência, os ministros do STF, ao retornar o julgamento do RE 574.706 para analisar os embargos de declaração, neste particular, não deverão se sensibilizar com os argumentos da Fazenda Federal que arguiu, ad argumentandum tantum, que o ICMS mensal líquido dos créditos deste tributo é que poderia ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins.
A nosso sentir, o STF tornará o tema simples: se o contribuinte de direito do ICMS é mero veículo entre o Estado e o consumidor, o imposto que cobra é aquele constante da nota fiscal, inclusive dando a conhecer ao comprador o valor do imposto embutido no preço.
Neste mister, a conclusão final que devem coerentemente chegar é que o ICMS destacado na nota fiscal é o valor que não deve compor a receita bruta do sujeito passivo ao determinar o quantum devido para o PIS e à Cofins.
É, ao final, assim que pensamos.
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1 Parecer constante dos autos de autoria da ex-Ministra do STJ, Eliana Calmon, datado de 19/3/20 e que tem, no seu desfecho, a seguinte passagem: “Desse modo, a forma de regime – se cumulativo ou não – determina tratamento diferenciado relativamente ao quantum a ser excluído das contribuições em tela, porquanto, embora ambos tenham por base imponível o faturamento ou a receita, o regime não cumulativo comportaria, eventualmente – sem afastar o entendimento de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições em questão seria o destacado na nota fiscal –, uma tese intermediária, segundo a qual, para fins de liquidação de situações pretéritas, quer dizer, de restituição do indébito, se a base de restituição do indébito será o ICMS destacado DEDUZIDO EXCLUSIVAMENTE do ICMS dos insumos que estavam sujeitos ao pagamento das contribuições ao PIS e a Cofins. Não seriam levados em consideração o débito de ICMS extinto com créditos de ICMS acumulados, nem o ICMS dos insumos que não estavam sujeitos ao pagamento das contribuições.”
2 O Dr. André Martins continuou a se manifestar a favor da exclusão do ICMS destacado na NF, para fins de exclusão da base do PIS e da COFINS, defendendo esta posição no evento sobre ‘ICMS – EXCLUSÃO DA BASE DO PIS E COFINS’ realizado pela AMCHAM Brasil em 28/7/20.
3 Conforme constante dos Memoriais protocolados em 27/5/20 no RE 574.706.
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