Migalhas de Peso

Homologação de acordos extrajudiciais pela Justiça do Trabalho

O procedimento de homologação de acordo extrajudicial busca conferir, com celeridade e simplicidade, segurança jurídica aos atos de rescisão de contratos de trabalho, evitando, consequentemente, futuros litígios trabalhistas.

2/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Dentre as inúmeras alterações advindas com a Reforma Trabalhista (lei 13.467/17) que têm alterado as relações contratuais e, sobremaneira, as ações judiciais e a jurisprudência, os acordos extrajudiciais estão ganhando maior destaque e relevância como eficazes instrumentos de rápida satisfação e juridicamente seguro tanto para o empregado quanto para o empregador, desde que observados e cumpridos seus requisitos materiais e formais.

A inovação legislativa em comento se deu num contexto em que era, e talvez ainda seja, comum a realização de acordos fraudulentos entre empregador e empregado, sendo este coagido a restituir àquele a multa de 40% sobre o FGTS, bem como a devolução do aviso prévio para ser dispensado imotivadamente, podendo levantar o Fundo de Garantia e também habilitar-se no seguro desemprego. Fato é que nas odiosas lides simuladas eram firmados acordos em valores irrisórios e, em geral, manifestamente lesivos ao trabalhador.

Atento à realidade e aos costumes, o legislador reformista incluiu na CLT o Capítulo III-A: DO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA, estabelecendo requisitos formais e materiais para a sua homologação pela Justiça do Trabalho, bem como inseriu, no art. 652 da CLT, a alínea “f”, que define a competência das Varas do Trabalho para decidir e homologar acordos extrajudiciais trabalhistas, nos termos dos arts. 855-B a 855-E da CLT, justamente com o objetivo de estabelecer fim à relação contratual de trabalho.

Os requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos se aplicam ao Direito do Trabalho, nos termos do art. 8º, § 1º, da CLT, razão pela qual os acordos extrajudiciais devem observar agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei), nos termos do art. 104 do Código Civil. De forma objetiva, o art. 855-B da CLT exige que o pedido de homologação do acordo extrajudicial se dê através de petição conjunta assinada pelos advogados das duas partes; sendo obrigatória efetivamente a representação por advogados distintos, podendo haver assistência sindical para o trabalhador, a fim de que se estabeleça desde o início uma paridade entre as partes, sobretudo quanto ao poder e capacidade de negociação preliminar, garantindo a idoneidade dos termos do acordo. Assim, deve-se observar o cumprimento dos requisitos do art. 855-B da CLT, bem como os requisitos gerais dos negócios jurídicos estatuídos pela lei civil.

Em que pese tratar-se de jurisdição voluntária, o art. 855-C é de clareza cristalina ao prescrever que a homologação do acordo extrajudicial não afasta a penalidade prevista no art. 477, § 8º, da CLT, quanto ao pagamento da multa pelo empregador quando não observado o prazo limite de dez dias para pagamento das verbas rescisórias. Isso prestigia e homenageia a hipossuficiência e a vulnerabilidade do empregado face ao empregador, o que é louvável.

Quanto à rapidez da entrega jurisdicional, a análise do acordo, pelo juízo, se dá no prazo máximo de quinze dias a partir da distribuição do protocolo, sendo que somente caso o juiz entenda necessário é que será agendada audiência de conciliação para sanar ou até mesmo se promover alguma adequação aos termos do acordo entabulado antes de sua homologação, ou indeferimento.

O procedimento de homologação de acordo extrajudicial busca conferir, com celeridade e simplicidade, segurança jurídica aos atos de rescisão de contratos de trabalho, evitando, consequentemente, futuros litígios trabalhistas.

Entretanto, questão tormentosa diz respeito ao alcance da quitação estabelecida no acordo extrajudicial, notadamente se poderiam as partes entabularem cláusula de quitação geral, plena e irrestrita, do contrato de trabalho. Tal questão ainda não foi objeto de pacificação pela jurisprudência do TST, sendo um tema novo em torno da interpretação da nova legislação trabalhista. Porém, o que se verifica é que, não havendo descumprimento dos requisitos de validade do negócio jurídico e dos requisitos formais previstos, não há óbice à homologação do acordo por seus próprios termos, podendo o juízo designar audiência para esclarecer se o conteúdo realmente representa a livre vontade das partes, em especial do empregado.

Entendemos que caso as partes desejem incluir cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho, essa vontade deve ser respeitada. Afinal de contas, as partes se colocaram em pé de igualdade desde a celebração consensual dos termos do acordo extrajudicial levado à homologação em juízo, representadas obrigatoriamente por seus respectivos advogados. Tanto é verdade que o legislador teve o cuidado de afastar o “jus postulandi”, ou seja, a possibilidade de ingresso da ação sem a presença de advogado nas ações de homologação de acordo extrajudicial.

Nesse sentido, é necessário se ter em mente que a eventual exclusão da referida cláusula de quitação do acordo extrajudicial tende a desestimular a eleição de tal via extrajudicial, que perderia a perseguida segurança jurídica. Logo, observados os requisitos de validade do ato e não detectada nenhuma espécie de vício ou ofensa legal, cabe ao Poder Judiciário a homologação integral do acordo extrajudicial apresentado.

Portanto, o acordo extrajudicial homologado judicialmente tem força de decisão irrecorrível, na forma do art. 831 da CLT, produzindo, assim, eficácia de coisa julgada, com exceção apenas das parcelas previdenciárias, o que significa que as partes não poderão mais discutir o acordo entabulado, conforme enunciado da Súmula 100, V, do TST. Nesse sentido, pacificou-se pela edição da Súmula 259 do TST o entendimento de ser o acordo homologado passível de impugnação apenas por meio da ação rescisória, restrita às hipóteses de ilegalidade.

Lado outro, o art. 832, § 3°, da CLT determina ainda que as decisões homologatórias deverão indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso. Assim, visando à homologação do acordo extrajudicial, é imprescindível que as partes apresentem detalhadamente a natureza e os valores de cada parcela objeto do acordo. Inclusive, o art. 43, § 1º, da lei 8.212/91 estabelece, de forma expressa, que a ausência de discriminação das verbas acordadas implica a incidência da contribuição previdenciária sobre o valor total do acordo homologado em juízo. E, de acordo com o “caput”, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.

O entendimento do TST quanto à contribuição previdenciária é que a ela incide sobre o valor total do acordo homologado judicialmente quando não houver discriminação das parcelas sujeitas à incidência da contribuição previdenciária, conforme OJ 368 da SBDI-I. Logo, a indicação genérica do valor a ser homologado, sem especificar natureza das parcelas e valores objeto da transação, não atende aos pressupostos processuais necessários à homologação do acordo extrajudicial.

Imprescinde destacarmos que o acordo extrajudicial não se confunde com a rescisão contratual por acordo prevista no artigo 484-A da CLT, que possibilita a rescisão do contrato de trabalho por comum acordo entre empregado e empregador, mediante pagamento, pela metade, do aviso prévio e da multa sobre o FGTS, bem como do valor correspondente à integralidade das demais parcelas trabalhistas. Nessa modalidade rescisória o trabalhador terá direito, ainda, ao levantamento de 80% dos valores recolhidos ao FGTS, mas não poderá ingressar no programa do seguro-desemprego. A rescisão por acordo, assim como o procedimento de homologação de acordo extrajudicial, trata-se de novidade trazida pela Reforma Trabalhista, porém diferente deste dispensa qualquer homologação perante o Poder Judiciário, sendo especificadamente uma nova modalidade de rescisão do contrato de trabalho.

Na prática, o acordo extrajudicial trabalhista se revela como uma alternativa menos onerosa, rápida e satisfatória para solução de litígios de menor complexidade. Possui inúmeras vantagens na sua celebração: (I) celeridade, pois o trâmite processual da ação trabalhista demandaria um tempo muito maior para encerramento da lide e recebimento de algum crédito; (II) segurança jurídica, pois o acordo homologado faz coisa julgada, se trata de título executivo judicial passível de execução em caso de descumprimento; (III) desnecessidade de produção de provas, o que seria ônus das partes em caso de ajuizamento de ação conforme os pedidos postulados; e (IV) não pagamento de honorários de sucumbência, os quais são devidos em caso de insucesso dos pedidos formulados na ação trabalhista. Enfim, uma via a ser mais adotada por nós, operadores do direito, para promover a satisfação de interesses de empregados e empregadores.

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*Tácita Mendonça Figueiredo é advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho, sócia no escritório Tácita Figueiredo Advocacia e Consultoria.





*Nivaldo Soares de Brito Júnior é advogado trabalhista, sócio no escritório Nivaldo Brito Advocacia e Consultoria e sócio-fundador da Flin Propriedade Intelectual.





*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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