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Pareceres e expertise em arbitragens: Um contra senso?

Iniciativas dessa espécie poderiam ser consideradas inoportunas e contrárias ao espírito da arbitragem.

1/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Em muitas arbitragens as partes apresentam para o tribunal arbitral pareceres jurídicos e/ou técnicos, a par da indicação de experts para esclarecerem pontos técnicos pertinentes ao processo arbitral.

Não é o caso aqui de pensarmos no papel do perito indicado pelo tribunal arbitral e dos assistentes técnicos das partes, relativamente a uma perícia a ser feita. O foco é outro, como se verá em seguida.

Iniciativas dessa espécie poderiam ser consideradas inoportunas e contrárias ao espírito da arbitragem. Isto porque a escolha dos árbitros para os casos concretos sob a sua jurisdição é feita, precisamente, quanto a pessoas conhecedoras da matéria em julgamento, razão pela qual o recurso a terceiros se revelaria um contra senso, com o resultado do aumento dos custos do processo em detrimento da parte que se revelar vencida. Pode ser que sim, pode ser que não.

Vejamos em primeiro lugar a questão dos pareceres jurídicos. É verdade que, em tese, cada tribunal arbitral deve ser construído na medida adequada para a solução do caso em suas mãos pela aplicação do bom direito. Mas há situações peculiares que podem ensejar a oportunidade da apresentação de pareceres que venham auxiliar o convencimento dos árbitros.

Primeiro, o direito corresponde a uma vastidão imensa de conhecimentos jurídicos e é claro que nenhum jurista pode afirmar em sã consciência que domina plenamente toda essa ciência, mesmo quando se trate de uma área de sua especialidade. E lembre-se que é muito frequente – talvez uma situação geral – que o caso concreto esteja situado na região de alguns micro sistemas de se comunicam entre si e um ou mais deles pode não ser de conhecimento pleno dos membros do tribunal arbitral, que deles podem ter uma noção genérica, ainda que razoável.

Em segundo lugar um processo arbitral que envolva questões inicialmente delimitadas pelas partes nos termos de um contrato e da cláusula compromissória pode desbordar para novas fronteiras jurídicas, direta ou indiretamente ligadas ao escopo proposto de forma mais estreita, a requerer nova gama de conhecimentos para o seu enfrentamento, fora do alcance trivial (digamos assim) dos integrantes do tribunal arbitral.

Em terceiro lugar sabe-se que o direito não é uma ciência exata, havendo espaço para interpretações diversas sobre o conteúdo e alcance das normas. Sobre esse assunto vou me valer inicialmente de Norberto Bobbio que identificou três critérios para a valoração das regras jurídicas: justiça, validade e eficácia1. Nesse sentido, Bobbio apresenta três problemas sobre a qualificação da norma: (I) se é justa ou injusta; (II) se é válida ou inválida; (III) e se é eficaz ou ineficaz.

Já que estamos trabalhando com a ideia da pertinência da juntada de pareceres no processo arbitral, é claro que a análise de ser justa ou injusta uma norma não é incumbência do julgador, especialmente quando se trata da arbitragem de direito. Essa decisão poderá ser tomada na identificação de uma norma como injusta na arbitragem por equidade e afastá-la, desde que não tenha o caráter de cogente. E por norma, entenda-se também o clausulado de um contrato, que faz lei entre as partes como todos sabemos.

Do ponto de vista, por sua vez, da validade da norma, é possível perceber que alguns problemas sobre esse tema poderiam se apresentar controversos e, portanto, dar lugar a um parecer esclarecedor. No trato de uma investigação dessa natureza o autor citado nos mostra que muitas vezes o intérprete precisará realizar três diversas operações: (I) verificar se o autor da norma tinha o poder tinha o poder legítimo para dar nascimento a normas jurídicas o que, acrescentamos, dependerá da verificação da estrutura lógico-formal do ordenamento político/jurídico pertinente, tem termos de competência legislativa; (II) apurar se a norma é vigente porque pode ter sido, mas não mais o é; e (III) perquirir se a norma não é incompatível com outras do mesmo sistema jurídico porque não sendo compatível o resultado é a sua ab-rogação implícita.

O problema da verificação da eficácia da norma se coloca fora do objetivo deste artigo porque, nos lembra Bobbio, trata-se de uma questão histórico-sociológica, ou seja, o estudo do comportamento dos destinatários da norma, o que seria uma investigação filosófica em torno da justiça.

Em quarto lugar devemos ter em conta as antinomias, como seja, a existência de normas válidas em sua individualidade, mas que se contrapõem a outras do mesmo nível hierárquico. O mesmo Bobbio a elas se refere quando cuida da coerência do ordenamento jurídico2. As antinomias são como as lembradas bruxas de quem temos ouvido falar: elas não existem, mas reconhecemos uma quando nos deparamos com ela. Dessa forma, tendo em conta a coerência interna dos ordenamentos jurídicos, as antinomias não deveriam existir, mas, tal como as bruxas, elas aparecem de quando em vez. Sua identificação e identificação da norma prevalente diante do confronto é um tema que pode ensejar um parecer em arbitragem.

Sob outro plano, o problema aqui colocado pode ser analisado sob a ótica do fato, do valor e da norma, conforme a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale.

Assim sendo, os fatos em uma arbitragem podem ser controversos ou incontroversos. Quando incontroversos sob um ou mais aspectos, ao lado da perícia técnica que seja feita é cabível a apresentação de pareceres e do testemunho de experts para auxiliarem na compreensão dos fatos em jogo e do seu alcance em relação à pendência arbitral que tenha sido estabelecida.

Por outro lado, as normas podem ser interpretadas de forma diversa por operadores do direito diferentes, residindo no valor a elas atribuído a possibilidade de divergência entre eles. Um exemplo muito claro desse aspecto está na discussão interminável no âmbito da doutrina do que sejam a função social da propriedade, da empresa e do contrato, no seu conteúdo e extensão, já tendo sido gastos muitos neurônios, tinta, papel e bits para o seu delineamento e alcance. Outros temas polêmicos que ensejaram muitas discussões jurídicas foram os do conceito de bem essencial em uma recuperação judicial (que envolve aspectos importantes de economia e de contabilidade) e, na mesma esfera, a discussão sobre o direito e esse instituto por parte do produtor rural enquanto não equiparado a empresário3.

Quanto à norma, o problema a ser investigado está em se identificar tratar-se ou não de uma norma jurídica no seu sentido estrito, do que decorre o comando à sua obediência pelo destinatário, sem a opção de escolher não o fazer.

Situações como as acima relacionadas dão lugar ao interesse por pareceres que servirão de guia para a análise dos aspectos jurídicos do caso e para a formação do convencimento dos árbitros.

Passando a nossa abordagem agora para a figura do expert, muitas vezes uma determinada matéria técnica, revestida de grande complexidade, pode ficar fora do pleno entendimento dos árbitros, para tanto não tendo sido suficientes as informações colhidas do perito e dos assistentes técnicos das partes. Tais informações também podem ter surgido de forma incidental, relativas a algum ponto específico, a merecer uma manifestação por escrito de um expert ou a tomada do seu depoimento em uma audiência4.

Em conclusão, os fatores determinantes de pareceres e/ou da contribuição de experts em processos arbitrais devem atender os requisitos da necessidade e da pertinência, na medida certa, sob pena do desvio do foco da arbitragem, com perda de tempo, a par do aumento e dos custos do processo.

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1 In “Teoria da Norma Juridica”, Ed. Edipro, 2ª ed. revista, 2003, São Paulo, pp. 45 e segs., passim.

2 Norberto Bobbio, In “Teoria do Ordenamento Jurídico”, 10ª ed., Editora UNB, Brasília, 1999, pp. 71 a 114.

3 Nesse sentido, em que pesem opiniões dadas em contrário inclusive um de nossa lavra, a aprovação das mudanças na Lei 11.101/2005 resultou no reconhecimento ao direito em questão.

4 Por exemplo, em certa oportunidade este autor atuou como expert junto à Corte de Nova York para o fim de explicar ao juiz da causa o instituto do adiantamento sobre contrato de câmbio – ACC, diante da pretensão de bancos no sentido de responsabilizar pelo seu pagamento a empresa importadora, norte-americana. É possível que uma situação semelhante possa se apresentar em uma arbitragem.

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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Árbitro e consultor jurídico de empresas.

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