Migalhas de Peso

A Justiça eleitoral e o preço da eficiência

É verdade que nos acostumamos a ter o resultado calculado rapidamente e, claro, uma demora a mais causa certa ansiedade. Isso, contudo, nada tem a ver com qualquer tipo de fraude e não pode obscurecer os outros 99,9% que é de dar inveja ao mundo.

21/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

A Justiça Eleitoral está pagando um preço não apenas pela circulação de informações falsas, mas também por sua eficiência. A velocidade com que sempre se concluiu a apuração das eleições somada ao imediatismo do mundo moderno, transformaram um atraso de menos de três horas em um festival de Fake News.

Desde domingo, venho recebendo vídeos, postagens e ligações com os mais diversos tipos de teorias da conspiração. Todos têm um ponto em comum: partem de pressupostos falsos. Quem desconhece o pressuposto, acaba acreditando que o raciocínio falso tem lógica. São esses pressupostos falsos que gostaria de desconstruir.

Primeiro: é absolutamente comum que o total de votos válidos1 para vereador seja diferente do total de votos válidos atribuídos ao candidato a prefeito, porque há quem anule voto para um e não para o outro;

Segundo: não há nada de extraordinário em um candidato saber o resultado antes da divulgação no site ou aplicativo da Justiça Eleitoral. Aliás, é esperado que isso aconteça. Para saber o resultado das eleições, basta somar os votos publicados no boletim da urna eletrônica, quando se encerra a votação. Os boletins são impressos, inclusive, com QR Code para os cidadãos e candidatos fazerem exatamente isso2. Sendo o resultado de cada urna público e acessível, muitas equipes de campanha simplesmente pegam esses dados no minuto em que a votação acaba, somam e pronto. No interior, onde são poucas as seções eleitorais a prática é ainda mais previsível.

Terceiro: a reeleição de prefeitos e vereadores pode ser criticada e revista, mas, enquanto autorizada pelo texto constitucional, é comum e até previsível;

Quarto: quem apura os votos é cada urna eletrônica individual e isoladamente. Essa apuração está lá no boletim de urna, aquele papelzinho impresso quando a votação é encerrada e que qualquer cidadão pode ver, copiar e escanear. Esses números não mudam e são plenamente auditáveis. O TSE apenas TOTALIZA, ou seja: junta tudo e faz as contas. O que mudou, esse ano, foi apenas onde as contas foram feitas: antes era em cada Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em 2020 foi no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Quinto: a alteração na forma de totalização era pública, notória, sabida e auditável. Estive, com outras tantas entidades fiscalizadoras, no evento de verificação de integridade e autenticidade dos sistemas de gerenciamento da totalização, receptor de arquivos de urnas e InfoArquivos realizado pelo TSE. Entre os temas, os técnicos expuseram com muita transparência a alteração relativa à centralização do sistema de totalização. Não há a mais remota procedência na afirmação de que a alteração surpreendeu. O controle social é importante e sempre foi uma inegável qualidade da Justiça Eleitoral.

Sexto: as urnas eletrônicas são isoladas, portanto, não têm conexão com a internet. Todo o equipamento é auditável de inúmeras formas: Registro Digital do Voto, log da urna eletrônica, auditorias pré e pós-eleição, auditoria dos códigos-fonte, lacração dos sistemas, tabela de correspondência, lacre físico das urnas, identificação biométrica do eleitor, auditoria da votação (votação paralela) e oficialização dos sistemas. Além disso, os sistemas podem ser requisitados para análise e verificação, não somente no período de seis meses que antecedem o pleito, mas a qualquer tempo e pelo prazo necessário para se proceder a uma auditoria completa. Mesmo com tudo isso, nunca houve a mais remota prova de qualquer fraude3.

É verdade que nos acostumamos a ter o resultado calculado rapidamente e, claro, uma demora a mais causa certa ansiedade. Isso, contudo, nada tem a ver com qualquer tipo de fraude e não pode obscurecer os outros 99,9% que é de dar inveja ao mundo.

Chega a ser inacreditável que as pessoas não reconheçam os feitos extraordinários que foram o adiamento das eleições – em ambiente político extremamente hostil, a realização de todo o processo eleitoral no meio de uma pandemia, sem aumento significativo da abstenção e com doações da iniciativa privada.

Se ainda resta alguma dúvida, pergunte. Pegue os boletins de todas as seções eleitorais da sua cidade e some: verá que o resultado é transparente e não há divergência alguma. Não acredite em qualquer teoria mirabolante que você recebe. A operacionalização das eleições no Brasil é um exemplo para o mundo - os USA estão aí para nos lembrar disso.

Perder a eleição faz parte do jogo. Usar esse atraso para promover desinformação é, no mínimo, lamentável.

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1 Total de votos excluídos os brancos e nulos

2 https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2020/aplicativo-boletim-na-mao

3 https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Outubro/serie-desvendando-a-urna-o-equipamento-nao-e-auditavel 

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*Marilda de Paula Silveira é mestre e doutora em Direto Público pela UFMG. Coordenadora Regional da Transparência Eleitoral. Professora de Direito Administrativo e Eleitoral. Pesquisadora CEDAU e do LiderA - Observatório Eleitoral. Membro do IBRADE e ABRADEP. Advogada.

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