As ações que levam à apreciação do Judiciário e dos órgãos ambientais questões relacionadas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas – os chamados litígios climáticos – são ainda em número bastante tímido no Brasil. Ao contrário, em países como EUA e Austrália, esses casos já são bastante costumeiros. Apenas nos EUA, estima-se que o número de casos desse tipo levados à apreciação do Judiciário já passa de mil. Em sua maioria, essas ações buscam fazer com que o Estado e suas instituições cumpram com deveres de proteção ao meio ambiente e regulamentem a matéria de mudança do clima, embora também haja pleitos que demandem que particulares reparem danos eventualmente causados por emissões decorrentes de suas atividades econômicas.
Assim, o termo “litigância climática” refere-se a um espectro jurídico mais amplo do que apenas as ações climáticas strictu senso, dizendo respeito ao avanço da governança climática em escalas doméstica, supranacional e internacional. Ou seja, embora o risco da mudança do clima seja oficialmente debatido pela comunidade internacional desde 1972, com a Conferência de Estocolmo, com importantes documentos assinados desde então – como o Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015) –, tem-se a percepção de que menos avanço do que seria necessário para reverter o quadro do aquecimento global tem sido feito pelos países. Isso decorre, principalmente, de dois motivos. Primeiro, a imprevisibilidade dos danos ao clima, assim como sua difícil aferição. Segundo, pois não há mecanismos de enforcement suficientes em âmbito internacional para fazer com que os acordos sejam cumpridos por parte dos países. Se estes não são internalizados por meio de regulamentação doméstica, há pouco que os faça de fato sair do papel. Aqui, consideramos a mudança do clima um fenômeno que, diferentemente de outros tipos de danos ambientais, possui natureza essencialmente transfronteiriça.
Recentemente, em 5/6/20, três novas ações climáticas foram ajuizadas perante o Judiciário brasileiro. Duas delas, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADOs) 59 e 60 – esta última, convertida na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708 –, ajuizadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Rede Sustentabilidade (REDE) questionam a União pela falta de aplicação dos recursos do Fundo Amazônia e do Fundo Clima. O primeiro, obtido através de recursos provenientes de ações para a Redução de Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal (REDD+), é financiado principalmente pela Noruega para a implementação de projetos que preservem a floresta amazônica. O segundo, previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima (lei 12.187/09) e criado pela lei 12.114/09, prevê o investimento em projetos que mitiguem a emissão de gases causadores do efeito estufa. Esses dois fundos são sumariamente importantes para que o país possa cumprir com suas metas de redução de emissões firmadas em âmbitos nacional e internacional. Contudo, ambos possuem recursos atualmente represados pelo Governo Federal.
O terceiro caso, uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), pelo Instituto Socioambiental (ISA), o Greenpeace Brasil e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA) em face do IBAMA, questiona o Despacho Interpretativo 7036900/2020-GABIN, emitido pelo órgão ambiental, que desonera as empresas madeireiras de obterem autorização expressa do órgão para a exportação de madeira nativa – o que, segundo as autoras, significa uma autorização irrestrita para a exportação de madeira nativa obtida de forma ilegal.
Em 21 e 22/9/20, o ministro Luís Roberto Barroso conduziu audiência pública na ADPF 708, sobre o Fundo Clima, em que foram ouvidos juristas ambientalistas, estudiosos e representantes da sociedade civil afetos à temática, oportunidade na qual deram suas contribuições a respeito da situação atual do ambientalismo brasileiro. A decisão do ministro em agendar essa audiência é bastante emblemática, dadas as atuais políticas ambientais do governo federal, que já reduziu participação de membros da sociedade civil organizada no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e no Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Além disso, está marcada para os dias 23 a 26/10/20 uma outra Audiência Pública para a discussão do Fundo Amazônia, objeto da ADO 59.
As decisões de ouvir especialistas e a sociedade civil sobre o tema são importantes, pois reafirmam a característica de política pública que possuem as políticas ambientais. Esse caráter, que encontra abundante respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, possui status constitucional, uma vez que o art. 225 da Carta Magna delega ao Poder Público papel de centralidade no controle e manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, propício ao desenvolvimento de uma sadia qualidade de vida por parte de todos os cidadãos. Por conta de tais mandamentos, o desenvolvimento de políticas públicas para a proteção ambiental não passa pelo crivo da discricionariedade. Na verdade, o Estado Brasileiro está verdadeiramente vinculado ao desenvolvimento dessas políticas, devendo fazê-lo. O ajuizamento dessas ações perante o Judiciário não constitui invasão deste à esfera de atuação do Executivo: trata-se somente da função mais básica do Poder Judiciário, que é assegurar o cumprimento de normas jurídicas, inclusive quando quem as descumpre seja os outros Poderes da República.
Porém, há também uma importante participação dos entes privados para a consecução da política climática brasileira. Se, por um lado, o Poder Público é cada vez mais chamado a regulamentar questões relacionadas à mitigação e adaptação à mudança do clima, o setor empresarial, responsável direto pelas emissões, é cada vez mais pressionado a adotar uma agenda verde, priorizando processos que reduzam as emissões de gases causadores do efeito estufa. Em 2011, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/SP) ajuizou ações civis públicas contra mais de 40 (quarenta) companhias aéreas que operavam no Aeroporto Internacional de Guarulhos à época. Alegou que as atividades das demandadas causavam grandes emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE), requerendo que fossem condenadas a reflorestar imóveis a serem comprados, como maneira de reduzir os impactos de suas emissões por meio da vegetação, os sumidouros de carbono. Embora tenha sido negado provimento a praticamente todas as ações, uma delas está pendente de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de Recurso Especial (REsp).
Significa dizer que, independentemente das ações do Poder Público, há uma expectativa crescente para que as empresas busquem processos produtivos que internalizem os impactos ambientais de suas atividades. Caso isso não ocorra, o cenário parece cada vez mais favorável ao ajuizamento de ações que podem questionar a falta de políticas institucionais sustentáveis, como por exemplo a elaboração de Mercados Voluntários de Carbono. Instrumentos como esse, que auxiliam diretamente na mitigação das emissões de GEE, podem representar novas fontes de ganhos para as empresas e evitar que venham, eventualmente, sofrer com riscos financeiros e à sua própria imagem no mercado, pela possibilidade do ajuizamento de ações desse tipo.
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*Alexandre Salomão Jabra é associado da área de Meio Ambiente, Consumidor e Sustentabilidade do escritório Trench Rossi Watanabe.