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Lista de credores - Novo paradigma para sua elaboração

A valorização da conciliação como ferramenta para agilizar a elaboração da lista de credores e reduzir a quantidade de incidentes de debate de créditos em ações recuperacionais e falimentares

16/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

A solução de grande parte das recuperações judiciais e falências acaba sendo adiada em razão de embates entre as devedoras e seus credores acerca do montante e classificação dos créditos envolvidos.

A lei 11.101/05 traz um sistema estruturado de duas fases para o reconhecimento dos créditos, sendo uma administrativa e prevista no caput e § 1º do art. 7º, na qual os credores podem enviar seus documentos e a devedora tem que apresentar seus registros para verificação pelo administrador judicial, o qual irá elaborar sua lista com base nessas informações. Já a e outra fase, judicial, após a publicação de um novo edital previsto no art. 7º, § 2º, os credores podem questionar judicialmente a lista elaborada pelo auxiliar do juízo através do ajuizamento de incidentes de impugnação de crédito previstos no art. 8º da mesma lei.

Detalhando melhor a fase administrativa, o início do processamento da recuperação judicial ou da falência são marcados pela publicação de edital listando os créditos e os respectivos credores envolvidos no processo (artigos 52 e 99 da lei) abrindo prazo de 15 dias para os pedidos de habilitações e divergências perante o administrador judicial. Esta é a única possibilidade que foi concedida aos credores para a validação de seus créditos sem o envolvimento jurisdicional.

Ocorre que, mesmo estando os créditos listados pela devedora, cabe ao administrador judicial a verificação dos lançamentos contábeis ou documentos que embasam os créditos originalmente indicados, sendo o auxiliar do juízo obrigado a suprimir os créditos que não encontre sua devida correspondência, situação que poderia ser evitada através do envio, pelos credores, das informações e detalhamento de seus créditos, indistintamente se concordam ou não com o valor lançado, mas para garantir seu reconhecimento nessa fase do processo concursal.

Neste ponto, após a apresentação da lista de credores pelo administrador judicial, caso o credor tenha qualquer insatisfação quanto ao valor arrolado, classe ou à sua exclusão, caberá apenas a via judicial, ingressando com o respectivo incidente processual de impugnação de crédito.

Cada recuperação judicial tem suas singularidades, o que dificulta o levantamento de dados sólidos para quantificar as interposições dos incidentes e ilustrar o debate. No entanto, a prática deixa evidente que parte significativa dos incidentes processuais apresentados possuem como causa raiz (1) o desconhecimento por parte dos credores a respeito da data limite para atualização dos valores e dos índices de correção monetária utilizados; (2) pelo desconhecimento da oportunidade da comprovação documental dos créditos na fase administrativa para sua permanência na lista, seja essa comprovação obtida através dos registros contábeis da devedora ou pelos documentos enviados pelos credores.

Nesse diapasão que reside a necessidade de melhoria dos procedimentos para o reconhecimento dos créditos, sendo o novo paradigma ora defendido prestigiado pela recomendação 58 de 22/10/19 do Conselho Nacional de Justiça, a qual, mesmo tratando da mediação em casos de insolvência, traz em seu artigo 6º a possibilidade das tentativas de conciliação pelo magistrado ou pelo administrador judicial.

Nos parece mais lógico conceder períodos para conciliação entre a disponibilização do resultado da verificação dos créditos pelo administrador judicial e a publicação do edital previsto no artigo 7º, § 2º, da lei 11.101/05, oportunizando uma lista de credores mais eficiente e evitando o ajuizamento de diversas impugnações judiciais que poderiam ser evitadas.

Há uma tendência crescente no aparato legal em priorizar a solução consensual antes de provocar o juízo, como a lei 13.129, de 26 de maio de 2015, que ressignificou a Lei de Arbitragem, e a lei 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares e a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. O Código de Processo Civil também está permeado pelo estímulo à solução consensual de conflitos.

Ao considerar essa perspectiva, a estrutura legal do ordenamento jurídico brasileiro tem se desenhado no sentido de permitir a conjugação dos institutos de conciliação ou mediação com os processos recuperacionais para consolidação do quadro de credores.

Neste ritmo, cabe destacar o enunciado 45 da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, onde se estabeleceu que “a mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”.

Acrescentando ao tema, recentemente foi publicada a recomendação 72 de 19/8/20 do CNJ que, logo no primeiro artigo, dispôs sobre a necessidade de transparência nas análises dos pedidos administrativos de habilitação de crédito ou divergência, de forma a ampliar o acesso à informação a respeito da análise dos créditos que constituirão o edital de credores, reforçando a preocupação do judiciário de minimizar tanto quanto possível a interposição de incidentes.

Ante a problemática do excesso de incidentes processuais no curso da Recuperação Judicial e Falências, a valorização da conciliação como forma alternativa de solução de conflitos merece destaque para trazer novas nuances e acelerar a autocomposição de controvérsias entre credores e devedores.

O novo paradigma ora proposto tem como metodologia a publicação de 2 (dois) editais contendo a relação de credores previsto no artigo 7º, parágrafo 2º da lei 11.101/05, decorrendo da primeira publicitação o prazo de 10 (dez) dias para que os legitimados à apresentação de impugnações, na forma do artigo 8ª, indiquem ao administrador judicial o interesse na participação em sessão de conciliação relacionada à crédito incluído ou excluído na verificação realizada pelo auxiliar do juízo.

Do resultado das conciliações, a serem conduzidas pelo administrador judicial e as partes diretamente envolvidas, deverá ser publicada a nova relação de credores, da qual, então, decorrerá o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de impugnações judiciais.

Ainda que o procedimento sugerido de alguma forma amplie o prazo para verificação administrativa dos créditos, certamente implicará na aceleração na fase judicial voltada à consolidação do Quadro Geral de Credores, a qual, pela sua natureza é consideravelmente mais morosa que a primeira.

Isto porque, procedimentos que possibilitam a conversa entre credor e a empresa recuperanda após a análise realizada pelo administrador judicial e antes da publicação do edital previsto no artigo 7º, § 2º, da lei 11.101/05, têm o potencial de reduzir significativamente a interposição de incidentes sem pretensão resistida e deixa aos cuidados do juízo apenas as lides que de fato demandam a prestação jurisdicional para a sua resolução.

Assim, a implementação da conciliação após a consolidação da relação de credores e antes da publicação do respectivo edital, permitirá que a simples validação documental feita em ambiente que reúna credor e devedor elimine o abarrotamento do Judiciário com procedimentos incidentais aos processos concursais, focalizando o debate no tema mais relevante, qual seja, o plano de recuperação judicial e seu debate junto aos credores ou o rateio dos valores auferidos pela massa falida.

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*Claudio Montoro é professor do Insper e administrador Judicial da Capital Administradora.






*Carolina Merizio é advogada especializada em Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Sócia da Capital Administradora.





*Mariana Resende Alves é advogada direcionada ao Direito Empresarial. Associada ao IBRADEMP - Instituto Brasileiro de Direito Empresarial. Advogada da Capital Administradora.

 

 

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