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White-collar crime: Uma análise sobre o crime no ambiente empresarial e os aspectos da cognição humana

Entender que uma empresa possui fatores criminógenos íncitos à sua própria existência, que potencializam o risco de cometimento de condutas ilícitas no desenvolvimento de sua atividade.

16/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Não é recente a discussão sobre como as organizações empresariais são capazes de determinar comportamentos criminosos. Em 1939, Edwin SUTHERLAND apresentou ao mundo, em discurso proferido à American Sociological Society, o termo e respectivo conceito do que chamou de White collar crime. Este seria uma espécie de crime praticado por pessoas respeitáveis, de elevado status social e no exercício de sua ocupação profissional.

A partir de então, Sutherland inaugurou uma nova perspectiva criminológica baseada na análise do comportamento de políticos e empresários no cometimento de crimes econômicos, bem como relacionou o estudo da Teoria da Associação Diferencial, anteriormente desenvolvida para estudo da delinquência juvenil, com os crimes do colarinho branco. Esse estudo representa uma primeira forma de análise da maneira como se estabelecem as relações em ambientes empresariais e como a prática de condutas criminosas poderia advir da associação diferencial.1

SUTHERLAND identificou que algumas empresas pareciam mais férteis ao cometimento de crimes do que outras, e que algumas dessas empresas e indústrias possuíam uma cultura própria, permissiva e de incentivo à prática de ilícitos criminais. Essa é uma das razões pelas quais, dentro da estrutura empresarial, o processo de contratação de funcionários, afirmava, não é direcionado a delinquentes, mas essas características peculiares influenciam e explicam o fato de algumas organizações serem formadas por pessoas íntegras, as quais, influenciadas pela ambição que marca uma economia de mercado baseada no resultado, aderem a condutas antiéticas e criminosas.2

No mesmo sentido, NIETO MARTIN afirma que o delito cometido no âmbito da empresa seria um delito estrutural, ou seja, é determinado por fatores ambientais procedentes do grupo e a estrutura de poder dentro da corporação é que o influencia. Os laços criados entre os membros da organização se tornariam mais fortes do que o respeito à legalidade, formando assim o chamado “espírito criminal do grupo” que se constituiria em uma forma desviada de cultura corporativa.3

Sob outra perspectiva, no ano de 2016, o professor da Harvard Business School, EUGENE SOLTES, publicou o livro Why they do it: inside the mind of White-collar criminal, e ofereceu nova e importante contribuição sobre a temática incialmente tratada por SUTHERLAND. Para o autor, a análise dos fatores criminógenos ínsitos às organizações empresariais não se mostrariam suficientes para descrever o fenômeno da criminalidade empresarial.

Além de os fatores ambientais de uma organização não ter o potencial de afetar todos os seus membros, o chamado triângulo da fraude, descrito com base nos estudos desenvolvidos por DONALD CRESSEY, aluno de SUTHERLAND que se ocupou em desenvolver sua teoria nos anos que se seguiram, composta pela (I) pressão, (II) oportunidade e (III) racionalização, não explicaria algo fundamental  quando se está a tratar das peculiaridades do crime empresarial: o aspecto da cognição humana, ou seja, o processo subjetivo de decisão do autor no contexto da atividade econômica.

Em outras palavras, a teoria desenvolvida por SUTHERLAND e CRESSEY não se ocuparia em descrever o motivo pelo qual o gestor optou pela prática criminosa quando opções legais estavam à sua disposição.

Assim, SOLTES passou a investigar como se daria processo cognitivo de tomada de decisão do indivíduo na prática do ilícito e em dezenas de entrevistas diretamente com gestores e ex-gestores de empresas, processados ou condenados pela prática de crimes empresariais, chegou à conclusão de que nenhuma dessas pessoas fazia uma análise minuciosa e racional no momento do cometimento do crime.4

O autor então descartou a ideia de que o crime ocorreria sob a perspectiva de análise entre custo e benefício, a partir da teoria da escolha racional descrita pelo economista e professor da Universidade de Chicago GARY BECKER, e concluiu que as múltiplas decisões tomadas no âmbito empresarial não comportariam um processo minucioso de escolhas realizadas de maneira racional. Assim, a suposta racionalidade do gestor, teoricamente existente no cometimento do crime do colarinho branco seria superestimada.

A pesquisa encontra-se embasada em estudos da Neurociência, em especial de JOHN BARGH, psicólogo social e professor da Universidade de Yale, e TANYA CHARTRAND, psicóloga social professora na Universidade Duke, no sentido de que muitas decisões não são tomadas conscientemente. O comportamento humano seria (I) dirigido por um automático e intuitivo processo de reação e (II) o processo de reflexão humana também não comportaria a tomada de decisões racionais ao mesmo tempo, principalmente quando se está a falar do contexto da atividade econômica empresarial.5 A teoria da escolha racional enxerga o aspecto reflexivo como dominante em todo processo de decisão, no entanto as pesquisas demonstram que a reflexão humana é muito menos presente na prática.

Esse aspecto reflexivo da cognição humana seria muito menos adaptado aos desafios da economia moderna e dos mecanismos de gestão empresarial. Invariavelmente, a maioria dos gestores entrevistados por SOLTES pensavam ser infalíveis e moralmente superiores. Assim, reconhecer as debilidades inerentes à própria condição humana pode oferecer a chance para o desenvolvimento de mecanismos de gestão para ajudar o processo de decisão de empresário.6

De outro lado, o autor acentua que a característica do dano causado pela prática do crime econômico e a forma como as sociedades empresariais se constituíram a partir do início do século XX explicariam o fenômeno. Ao contrário da criminalidade clássica, o dano econômico não é físico, é abstrato e impessoal. Essa característica dos efeitos da prática criminosa não teria o mesmo impacto psicológico na subjetividade do ofensor. O distanciamento dos gestores dos negócios, em oposição à característica familiar na estruturação das empresas, também afetaria a psicologia do dano e conduziria ao distanciamento do ofensor dos atos lesivos causados.7

O fato é que tanto o estudo sobre os fatores ambientais das organizações, quanto o aspecto cognitivo do processo de decisão do gestor, (I) contribuem para entender o fenômeno do crime corporativo, ajudando a estabelecer padrões que se adequem melhor às modernas técnicas de autorregulação empresarial bem como (II) para estabelecer limites à imputação penal individual.8

Entender que uma empresa possui fatores criminógenos íncitos à sua própria existência, que potencializam o risco de cometimento de condutas ilícitas no desenvolvimento de sua atividade e desmistificar a ideia de que o crime econômico sempre partiria de uma escolha racional do sujeito se constituem nos desafios do presente tema.

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1 SUTHERLAND. Edwin Hardin. White Collar Crime. United States. Yale University, 1983, p. 49.

2 SUTHERLAND. Edwin. “White collar criminals, like professional thieves, are seldom recruited from juvenile delinquents. As part of the process of learning practical business, a young man with idealism and thoughtfulness for others is inducted into white collar crime. In many cases he is ordered by managers to do things which he regards as unethical or illegal, while in other cases he learns from those who have the same rank as his own how they make a success. He learns specific techniques of violating the law, together with definitions and situations in which those techniques may be used. Also, he develops a general ideology. This ideology grows in part out of the specific practices and is in the nature of generalization from concrete experiences, but in part it is transmitted as a generalization by phrases such as “We are not in business for our health”, “Business is business”, and “No business was ever built on the beatitudes.” These generalizations, whether transmitted as such or constructed from concrete practices, assist the neophyte in business to accept illegal practices and provide rationalizations for them”. In: SUTHERLAND. Edwin Hardin. White Collar Crime. United States. Yale University, 1983, p. 50.

3 NIETO MARTIN, Adan. Cumplimiento normativo, criminologia y responsabilidad penal de las personas jurídicas. In: Manual de cumplimiento normativo penal em la empresa. MARTÍN, Adan Nieto. (Coord). Valencia: Tirant lo Blanch, 2015. p.26

4 SOLTES, Eugene. Why they do it: Inside the mind of the white collar criminal. Public Affairs. New York. 2016. p.34

5 SOLTES, Eugene. Why they do it: Inside the mind of the white collar criminal. PublicAffairs. New York. 2016. p.34

6 SOLTES, Eugene. Why they do it: Inside the mind of the white collar criminal. PublicAffairs. New York. 2016. p.330

7 SOLTES, Eugene. Why they do it: Inside the mind of the white collar criminal. PublicAffairs. New York. 2016. p.34

8 SANCHEZ RIO, Rodrigo; GUEDES DE CASTRO, Rafael. A Responsabilização Criminal Individual em Estruturas Empresariais Complexas: uma análise aplicada.. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, v. 69, p. 71-100, 2016. p, 77.

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NIETO MARTIN, Adan. Cumplimiento normativo, criminologia y responsabilidad penal de las personas jurídicas. In: Manual de cumplimiento normativo penal em la empresa. MARTÍN, Adan Nieto. (Coord). Valencia: Tirant lo Blanch, 2015.

SANCHEZ RIOS, Rodrigo; GUEDES DE CASTRO, Rafael. A Responsabilização Criminal Individual em Estruturas Empresariais Complexas: uma análise aplicada. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, v. 69, p. 71-100, 2016.

SOLTES, Eugene. Why they do it: Inside the mind of the white collar criminal. Public Affairs. New York. 2016.

SUTHERLAND. Edwin Hardin. White Collar Crime.United States: Yale University, 1983.

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*Rafael Guedes de Castro é sócio advogado do escritório Antonietto & Guedes de Castro Advogados Associados. Mestre em Direito pela PUC/PR. Especialista em Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Direito Penal Econômico.

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