Migalhas de Peso

Cooperativa e a terceirização da atividade-fim

Diante da situação econômica do País, faz-se necessário encontrar meios de sobrevivência, sem claro fraudar leis, além de encontrar possibilidades de desenvolvimento para todos.

13/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

No Brasil, enfrentamos preconceitos para terceirizar a atividade-fim por meio de cooperativa. Infelizmente, sabemos que tempos atrás surgiram diversas cooperativas com a finalidade de fraudar as leis trabalhistas, mas, contudo, toda regra comporta suas exceções

Diante da situação econômica do País, faz-se necessário encontrar meios de sobrevivência, sem claro fraudar leis, além de encontrar possibilidades de desenvolvimento para todos.

Segundo fonte do IBGE, no último trimestre de 2020 tivemos 12,8 milhões de desempregados desocupados no Brasil1. Além da falta de oportunidades, enfrentamos também o despreparo e baixa qualificação da população.

Portanto, a implantação de cooperativas na atividade-fim empresarial é possibilidade de redução de custos tributários, gerando competividade e meritocracia entre os cooperados, além da possibilidade de preparar um futuro profissional para o mercado de trabalho de forma remunerada e sem os requisitos da relação de emprego (subordinação, pessoalidade, entre outros).

O objetivo do presente artigo é demonstrar que existem possibilidades de reduzir o desemprego e a desigualdade social, garantindo benefícios para toda população e aos cofres públicos, sem, porém, infringir os direitos sociais através terceirização lícita por meio de cooperativa.

Mas, afinal, o que é a cooperativa?

Cooperativa de Trabalho é regulada pela lei 12.690, de 19 de julho de 2012, e, no que com ela não colidir, pelas leis 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

De acordo com a lei 12.690/12, em seu  artigo 2º: “Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.”

Vejamos recente decisão do TRT 15ª região no que tange à autonomia descrita ne legislação:

Processo Nº RTSum-0010343-77.2019.5.15.0121 AUTOR JESSICA DO PRADO MONTEIRO ADVOGADO PRISCILA TAVES ROMANELLI PIMENTA (OAB: 297399/SP) REU COOPERATIVA DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DO COMERCIO VAREJISTA DE ROUPAS COOP RETAIL ADVOGADO JAQUELINE MULLER FELIX (OAB: 307021/SP) REU Q1 COMERCIAL DE ROUPAS S.A. ADVOGADO DEBORA VICENTE DA SILVA (OAB: 314314/SP) Intimado(s)/Citado(s): - COOPERATIVA DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DO COMERCIO VAREJISTA DE ROUPAS COOP RETAIL - JESSICA DO PRADO MONTEIRO - Q1 COMERCIAL DE ROUPAS S.A. PODER JUDICIARIO JUSTICA DO TRABALHO Fundamentação Processo: 0010343-77.2019.5.15.0121 AUTOR: JESSICA DO PRADO MONTEIRO REU: COOPERATIVA DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DO COMERCIO VAREJISTA DE ROUPAS COOP RETAIL e outros SENTENCA Tratando-se de reclamação trabalhista sujeita ao procedimento sumaríssimo, a teor do disposto no art. 852-A, da Consolidação das Leis do Trabalho, fica dispensado o relatório da sentença, nos termos do art. 852-I, do mesmo diploma legal. DECIDO. II - FUNDAMENTACAO ILEGITIMIDADE PASSIVA A reclamada aduz nao ser parte legitima para responder a presente demanda, por nao ser a efetiva empregadora do reclamante. Todavia, o ordenamento jurídico pátrio adota a teoria da asserção, de forma que as condições da ação devem ser apreciadas levando em consideração tão somente as alegações iniciais. Assim, sendo as reclamadas apontadas como devedoras dos créditos postulados, independentemente se subsidiaria ou solidaria, e sendo formulados pedidos contra elas, está configurada a pertinência subjetiva para figurarem no polo passivo da presente demanda. Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. CONTRATO DE TRABALHO Registra-se de plano que a própria autora confessa em depoimento pessoal a completa ausência de subordinação, senão vejamos: "que nao tinha nenhuma cobrança de superior no local de trabalho; que ninguém fiscalizava seu trabalho; que se nao fosse trabalhar ou precisasse se atrasar, nao precisava prestar esclarecimentos a ninguém; que trabalhava das 9 às 17 horas; que se precisasse sair mais cedo, apenas saia e ia embora; que nao se recorda de ter ido até a cooperativa; que o rapaz da cooperativa foi até a loja e deu uma palestra para a depoente". Ausente um dos elementos do vínculo de emprego, nao cabe a discussão nem mesmo aprofundamento da questão para verificar se os outros estão presentes. (...) RESPONSABILIDADE DA 2ª RECLAMADA Não havendo qualquer condenação, fica prejudicada a análise quanto a responsabilidade da 2ª reclamada. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na reclamação trabalhista que JESSICA DO PRADO MONTEIRO move em face de COOPERATIVA DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DO COMERCIO VAREJISTA DE ROUPAS COOP RETAIL. (...)

Neste caso, a autonomia é aquela segundo a qual o trabalhador exerce atividade profissional remunerada, por conta própria, em caráter eventual, sem relação de emprego e assumindo o risco da atividade. A autonomia do cooperado é coletiva e coordenada, o sócio cooperado não tem liberdade total, visto que a atividades devem ser exercidas de acordo com as regras da cooperativa deliberadas em Assembleia Geral por maioria de votos dos associados presentes com direito de votar.

Princípios e valores cooperativistas

De acordo com a lei 12.690/12, a cooperativa de trabalho rege-se pelos seguintes princípios e valores:

I - adesão voluntária e livre;

II - gestão democrática;

III - participação econômica dos membros;

IV - autonomia e independência;

V - educação, formação e informação;

VI - intercooperação;

VII - interesse pela comunidade;

VIII - preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa;

IX - não precarização do trabalho;

X - respeito às decisões de assembleia, observado o disposto nesta Lei;

XI - participação na gestão em todos os níveis de decisão de acordo com o previsto em lei e no Estatuto Social.

Diante o rol taxativo, é possível perceber a garantia dos direitos dos sócios cooperados, e, mais, o artigo 7º do mesmo dispositivo legal confere aos sócios cooperados alguns direitos sociais do trabalho, contidos no artigo 7º da Constituição Federal; vejamos:

I - retiradas não inferiores ao piso da categoria profissional e, na ausência deste, não inferiores ao salário-mínimo, calculadas de forma proporcional às horas trabalhadas ou às atividades desenvolvidas;

II - duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, exceto quando a atividade, por sua natureza, demandar a prestação de trabalho por meio de plantões ou escalas, facultada a compensação de horários;

III - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

IV - repouso anual remunerado;

V - retirada para o trabalho noturno superior à do diurno;

VI - adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas;

VII - seguro de acidente de trabalho.

Breve análise – Terceirização lícita da atividade-fim por meio de cooperativas

A possibilidade de terceirização de serviços por intermédio de cooperativas é lícita na forma do parágrafo único artigo 442 da CLT: “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

Já a lei 13.429/17, que dispõe sobre a empresa prestadora de serviços a terceiros, afirma que “é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos”.

Pois bem, de acordo com a lei 5.764, dos artigos 3º e 18, § 6º, a cooperativa é uma pessoa jurídica sem fins lucrativos, portanto, ela se adequa a lei de terceirização.

Nesse prumo, a lei de terceirização dispõe que: “§ 3º O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços.”

E ainda a reforma trabalhista, lei 13.467/17, reforça que a atividade principal, pode ser terceirizada: “Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal”.

Aliás, não se perca de vista que, por 7 a 4 votos, a maioria do STF acompanhou o voto do relator Gilmar Mendes, confirmando a constitucionalidade da lei 13.429/17, rejeitando as impugnações feitas à lei da terceirização (ADIs 5.685, 5.686, 5.687, 5.695 e5.735), que acusavam a ofensa aos preceitos constitucionais (proteção de trabalho, isonomia, livre associação sindical, entre outros), cabendo destacar aqui o trecho do voto relator Gilmar Mendes: Inteiro Teor do Acórdão - Página 28/29 de 112:

“(...), como se vê, estava o conjunto de decisões da Justiça do Trabalho amparadas na Súmula 331 do TST – notadamente em seu itemI75. A partir do teor da referida Súmula, a jurisprudência trabalhista consolidou critério de definição da legalidade/ilegalidade da terceirização a partir das noções de atividade-meio e atividade-fim, critério que, com o passar do tempo e com o desenvolvimento global de um modelo de produção descentralizado, tornou-se cada dia mais controvertido. Grosso modo, quando se reconhecia que a terceirização dizia respeito à atividade-fim, era considerada ilegal e se reconhecia o vínculo desemprego diretamente entre os trabalhadores terceirizados e a empresa tomadora dos serviços. O STF consignou, então, que a Constituição não impôs modelo específico de produção e que a terceirização não traz consigo necessária precarização das condições de trabalho. No julgamento conjunto da referida ADPF com o RE 958.252, Rel. Min. Luiz Fux, aprovou-se a seguinte tese de repercussão geral: “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. Quando do julgamento dos precedentes acima, tive oportunidade de abordar em meu voto a controvérsia objeto das ações diretas agora em julgamento. Como me pronunciei naquela oportunidade, entendo que devemos analisar a terceirização da atividade-fim sob dois primas: i) a terceirização no contexto das mudanças socioeconômicas dos últimos tempos; e ii) a m prestabilidade do critério atividade-meio versus atividade-fim.”

Logo, cooperativa de trabalho de serviços é uma atividade lícita e poderá ter significativa redução de custos para as empresas. Contudo, sempre é bom analisar os riscos envolvidos e levar em consideração que o E. STF manteve a responsabilidade subsidiária da empresa contratante prevista no art. 5º-A, § 5º, da lei 6.019/74.

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*Débora Vicente é coordenadora Jurídica da Camisaria Colombo. Pós-graduação em Direito Previdenciário (Faculdade Legale). Pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Presbiteriana Mackenzie).




*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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