Essa é uma pergunta muito recorrente no meio médico. Mister informar que qualquer pessoa pode, hoje denunciar um médico no CRM do seu município, basta encaminhar a denúncia com o relato dos fatos, o nome do médico ou do hospital, data e local.
A punição, muitas vezes, vem acompanhada de clamor social ou pressão da imprensa, porém sem considerar se o médico incidiu, realmente, em culpa e em desrespeito ao Código de Ética Médica. Vale lembrar que os médicos não são Deuses e não possuem, portanto obrigação de resultado, mas sim uma obrigação de meio, visto que devem utilizar as técnicas científicas alcançáveis para salvar o paciente, conforme ensina a melhor doutrina de Genival França.
O médico, diante de uma denúncia existente, pode cair em desespero, diante do risco, a depender do caso, de cassação do seu registro. Porém, como se demonstrará, não há motivos para alardes.
No âmbito do processo administrativo cabe ao respectivo Conselho Regional a análise da gravidade da conduta e a definição da penalidade adequada, que deverá estar descrita na denúncia de acordo com a legislação.
A primeira atitude que o médico deve ter é manter a calma e analisar qual artigo da lei a sua conduta pode estar tipificada(inserida).
Após receber a citação, recomenda-se fazer cópia de todos os documentos do processo e elaborar a defesa por escrito, para responder os fatos alegados pelo denunciante.
É recomendável que contrate um advogado para fazer a defesa, apesar de o Código de Ética Médica facultar a presença do mesmo. A contratação de um advogado poderá ser crucial para o êxito da demanda, impedindo, por exemplo, a cassação do registro médico. Além disso, o mesmo poderá defender o médico no que tange a sua responsabilidade civil e penal, perante a justiça.
Seja através de uma denúncia do paciente ou ex-officio – quando é realizado pelo próprio CRM –, o processo ético se desenvolve através das fases abaixo elencadas (Decreto 44.045/58 e Resolução 2.145/2016):
a) recebida a queixa ou denúncia, ocorrerá a intimação do médico ou da pessoal jurídica para, no prazo de 30 dias oferecer a sua DEFESA;
b) esgotado o prazo de contestação, juntada ou não a defesa, a Secretaria do Conselho Regional remeterá o processo ao Relator designado pelo Presidente para emitir parecer, juntamente com um revisor;
c) após, ocorrerá a análise do parecer em sessão plenária. Relator e revisor lerão os relatórios;
d) Sustentação oral da parte – nulidades absolutas ( 10 minutos);
e) Conselheiros: julgamentos preliminares(nulidades absolutas);
f) Sustentação oral da parte – mérito ( 10 minutos);
g) Conselheiros: debates e esclarecimentos;
h) Considerações finais e orais das partes (5 minutos);
i) Conselheiros Relator e Revisor votam;
j) Demais conselheiros votam;
k) Conselheiro presidente anuncia a decisão final;
l) imposição ou não de pena disciplinar;
m) recurso de Apelação ao Conselho Federal de Medicina no prazo de 30 dias, a contar da intimação da decisão ao interessado;
n) Publicação de acórdão pelo Conselho Federal de Medicina e devolução do processo para ser cumprido no Conselho Regional de origem.
Quais punições eu posso sofrer no caso de condenação? Existem cinco penas previstas no Código de Processo Ético-Profissional do Conselho Federal de Medicina: duas confidenciais e três públicas, de “A” a “E”.
A pena A é uma advertência sigilosa, a B é uma censura sigilosa, a C é uma censura pública com publicação oficial, a D é a suspensão do exercício profissional de até 30 dias e a última pena é a cassação ad referendum do registro do médico no CFM.
A cassação é eterna? Sim, apesar da Constituição vedar penas de caráter perpétuo. A resolução 2.146/2016, em seu art. 124 diz que, após oito anos do cumprimento da pena, é possível requerer a reabilitação no CRM, com retirada dos apontamentos, exceto para o caso de cassação, que é irreversível.
Pode-se recorrer à justiça comum? Sim. Nesse caso o poder judiciário, através de rito próprio, analisará a causa e se houver algum vício ou infração ao contraditório ou ampla defesa, poderá decidir diferentemente.
Cumpre salientar que existe previsão legal no Código de Processo Médico que poderá ser proposto pelo Conselho de ética, conforme o tipo de infração, um acordo (conciliação) ou termo de ajustamento de conduta (TAC) afim de evitar ou excluir o processo ético, o que poderá beneficiar o profissional, conforme o caso.
Existe a possibilidade de arquivamento do processo por falta de provas ou prescrição. Pode ficar provado, por exemplo, que não trata-se de um ilícito ético, mas sim com uma questão administrativa, visto que não se confundem. Nesse caso, o CRM não é o fórum adequado. Além disso, pode haver denúncia vazia ou sem qualquer tipo de provas, com o fim único de prejudicar o médico, por exemplo; neste caso, o processo deverá ser indeferido desde o início.
Poderá ocorrer, ainda, caso de prescrição. Segundo Agnelo Amorim Filho, em seu artigo Critério Científico para distinguir a prescrição da decadência (RT 300/8), a prescrição extingue a pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. Extinta a pretensão, não há ação. Portanto, a prescrição extingue a pretensão, extinguindo também e indiretamente a ação.
A prescrição no processo ético poderá ocorrer. A punibilidade por falta ética prescreve em cinco anos, a partir do conhecimento do fato pelo CRM.
Após o recebimento da denúncia pelo Conselho de Classe, comunica-se o médico por meio de correspondência com AR (aviso de recebimento), dando início a uma nova contagem do prazo prescricional.
Verifica-se, portanto, que o processo ético no conselho de ética pode ser, muitas vezes, evitado, conciliado ou excluído, a depender da infração. O profissional, no entanto, deve estar atento aos prazos e contratar, imediatamente, uma boa defesa técnica, através de advogado devidamente inscrito na Ordem dos advogados do brasil.
Atenção máxima se faz no caso de cassação da licença médica, visto que a mesma não admite reabilitação, como já fora aqui colocado, sobressaindo ainda mais a contratação do advogado como importante estratégia de defesa judicial e extrajudicial.
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FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Critério Científico para distinguir a prescrição da decadência. Por: Agnelo Amorim Filho. Disponível aqui. Acesso em 28/09/2020
Como o médico deve agir em casos de denúncias perante Conselho de Classe?: Por Galvão e Silva Advocacia. Disponível aqui. Acesso em: 28/09/20.
Posso perder o meu CRM? Entenda melhor o processo ético-profissional. Por: Ana Helena de Miranda Guimarães. Disponível aqui. Acesso em: 28/09/20.
Decreto 44.045/58
Resolução 2.145/2016
Constituição da República Federativa do Brasil.
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*Lucas Andrade Araripe é formado em direito pela Universidade Católica do Salvador, Pós-Graduado em Direito Privado e ex-Procurador Municipal.