Em 18 de novembro de 2019, a quarta e mais recente versão dos Princípios do Equador (“Princípios”) foi publicada e, desde 1º de outubro de 2020, sua adoção passou a ser exigida das instituições financeiras signatárias (Equator Principles Financial Institutions – “EPFIs”), que se comprometem a não financiar projetos que não atendam aos Princípios.
Entre as principais novidades da quarta edição estão a ampliação do escopo de aplicação dos Princípios, novos requisitos para projetos localizados em “Países Designados”1 e critérios adicionais a serem observados na avaliação de projetos, especialmente relacionados a direitos humanos e mudanças climáticas.
Lançados em 2003, os Princípios conjugam dez enunciados que são atualmente adotados por mais de 110 instituições financeiras ao redor do mundo, as quais se comprometem a identificar, avaliar e gerenciar riscos e impactos socioambientais dos projetos financiados e assessorados, de forma a garantir que eles sejam desenvolvidos de maneira socialmente responsável e com a incorporação de práticas seguras de gestão ambiental. No Brasil, são signatários Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Votorantim, Itaú, Bradesco e BTG Pactual.
Apesar de não terem sido projetados para aplicação retroativa, as EPFIs devem aplicar os Princípios também ao financiar expansões ou modernizações de projetos existentes. Ademais, eles são objeto de revisões periódicas, com foco em refletir aprendizado contínuo e boas práticas emergentes.
Em relação ao escopo de aplicação dos Princípios, merece registro que, além dos quatro produtos financeiros anteriormente previstos2, a quarta edição incluiu uma quinta categoria de produtos: Refinanciamento Relacionado a Projetos e Financiamento de Aquisição Relacionada a Projetos (“Project-Related Refinance” e “Project-Related Acquisition Finance”).
Mais importante que incluir uma nova categoria, a recente revisão reflete o reconhecimento do papel das instituições signatárias na mitigação de riscos climáticos, no respeito aos direitos humanos e na conservação da biodiversidade.
Apesar de os Princípios, desde a sua concepção, estarem voltados à avaliação e gerenciamento de riscos socioambientais, agora se observa redobrada preocupação com os impactos dos projetos financiados, acompanhando a tendência global de crescente incorporação de aspectos ambientais, sociais e de governança (“ESG”, na sigla em inglês) na tomada de decisões negociais e em estratégias de investimento.
Já no preâmbulo da nova edição, as EPFIs reconhecem que a aplicação dos Princípios pode contribuir para que sejam alcançados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Adiante, as instituições signatárias assumem os compromissos de: (I) respeitarem os direitos humanos, em linha com os Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas (“UNGPs”, na sigla em inglês); (II) apoiarem os objetivos do Acordo de Paris e reconhecerem o seu papel na melhora da divulgação de informações climáticas, com a observância das recomendações da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (“TCFD”, na sigla em inglês); e (III) apoiarem a conservação da biodiversidade por meio do aprimoramento de bases de dados para pesquisa e decisões a ela relacionadas.
Nesse passo, o Princípio 2 passou a requerer que a avaliação socioambiental dos projetos propostos inclua a análise de potenciais impactos adversos a direitos humanos. Não há detalhamento quanto ao escopo desta análise, mas se faz referência aos supracitados UNGPs. Destaque-se que, na edição anterior dos Princípios, apenas em “situações restritas de alto risco” – que sequer tinham definição – havia a previsão de due diligence específica sobre direitos humanos. Acrescente-se ainda que a avaliação de impacto social deve englobar não apenas comunidades afetadas, mas também trabalhadores.
Além disso, o Princípio 5 lista as situações que demandam a obtenção de Consentimento Livre, Prévio e Informado de populações indígenas (e.g. projetos com impactos em terras e recursos naturais sujeitos a ocupação tradicional indígena), em consonância com o Padrão de Desempenho 7 da International Financial Corporation (“Padrão da IFC”). Há ainda a previsão de que a EPFI solicite a um consultor independente que avalie o processo de consulta de povos indígenas. Se comprovado que negociações de boa-fé foram conduzidas seguindo o aludido Padrão da IFC, mas houver dúvida se o consentimento foi obtido, a EPFI poderá decidir, com apoio do consultor, se está caracterizado um “desvio justificado” do Padrão da IFC e se são necessárias ações corretivas para atendê-lo.
Em relação às mudanças climáticas, deve ser registrada a inclusão, também no Princípio 2, de avaliação dos riscos climáticos associados aos projetos propostos, consoante divisão da TCFD em “riscos de transição” (relacionados à transição para uma economia de baixo carbono) e “riscos físicos” (aqueles resultantes das mudanças climáticas, ocasionados por eventos ou alterações de longo prazo nos padrões climáticos).
Essa avaliação é exigida: (i) de todos os projetos de Categoria A (projetos com potencial de riscos/impactos adversos significativos) e, conforme apropriado, de projetos de Categoria B (projetos com potencial de riscos/impactos limitados); e (ii) de todos os projetos em que as emissões do escopo 1 (diretas) e do escopo 2 (indiretas) estejam previstas para superar 100 mil toneladas de CO2 equivalente anualmente. Na avaliação referente aos projetos enquadrados no item (ii), os riscos de transição devem ser considerados, bem como uma análise de alternativas menos poluentes.
Finalmente, o Princípio 10 prevê, para projetos de Categoria A – e, conforme apropriado, de Categoria B –, que, no mínimo, um sumário da avaliação socioambiental seja disponibilizado online, devendo incluir, quando aplicável, um resumo dos riscos e impactos climáticos e de direitos humanos. O Princípio também determina que projetos que emitam mais de 100 mil toneladas de CO2 equivalente por ano reportem publicamente seus níveis de emissão. Ainda, as EPFIs encorajarão os clientes a compartilharem dados sobre biodiversidade no Sistema Global de Informação sobre a Biodiversidade (“GBIF”, na sigla em inglês) e outros repositórios nacionais e globais.
Para orientar a implementação da quarta versão dos Princípios, a Associação dos Princípios do Equador (“EPA”, na sigla em inglês) publicou guias com diretrizes relacionadas à avaliação de riscos climáticos e de direitos humanos, projetos que afetem populações indígenas e compartilhamento de dados de biodiversidade.
Em tempos em que as atenções da sociedade, investidores e empresas estão cada vez mais voltadas para os fatores ESG, a nova versão dos Princípios reforça a abrangência do compromisso socioambiental assumido pelas EPFIs e, consequentemente, demanda que tal compromisso seja também avocado pelos responsáveis por projetos financiados. Assim, com a aplicação de requisitos mais claros e rigorosos para financiamentos – aos quais se somam as exigências legais e regulatórias do local em que o projeto se localiza –, espera-se que os riscos e impactos climáticos, à biodiversidade e a direitos humanos e sociais passem a ser melhor considerados em todas as etapas do ciclo de vida dos projetos.
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1 Nome dado a países que são membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) e que figuram entre os mais ricos do mundo.
2 (I) Serviços de Assessoria a Project Finance; (II) Project Finance; (III) Empréstimos Corporativos Relacionados a Projetos (“PRCL”, na sigla em inglês); e (IV) Empréstimos-Ponte a serem refinanciados por Project Finance ou PRCL.
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