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STF julga a tributação de bens no exterior, sugerindo corte no direito do contribuinte. Ganhar, mas não levar?

O Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento do tema de Repercussão Geral 825, deu início à análise da legitimidade dessas cobranças.

3/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

O ITCMD, imposto de competência estadual, está previsto na Constituição Federal em seu art. 155, I, e incide sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos.

O § 1º, inciso III do referido dispositivo prevê ainda sua incidência sobre (I) doações em que o doador tenha domicílio ou residência no exterior e sobre (II) heranças em hipóteses que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, condicionando, todavia, à regulamentação por lei complementar, esta cobrança sobre transmissões patrimoniais envolvendo relação com o exterior.

Ocorre que referida lei complementar regulamentadora não foi até o momento foi editada pelo Congresso Nacional.

A despeito de sua inexistência, sob alegação de exercício de competência legislativa plena prevista no art. 24, § 3º da CF/88, que assinala que “inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”, alguns Estados-federados instituíram leis estaduais e passaram a exigir o ITCMD sobre tais hipóteses, sem se importarem com “o desequilíbrio deletério ao sistema tributário nacional, nos dizeres do Ministério Público Federal.

Foi então que neste outubro, o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento do tema de Repercussão Geral 825, deu início à análise da legitimidade dessas cobranças, uma vez que, na qualidade de guardião da Constituição Federal, precisa se manifestar se a competência plena dos estados e do Distrito Federal a que alude o art. 24, § 3º se limitaria à possibilidade de legislarem sobre direito tributário com alcance restrito apenas às situações de alcance local, não se estendendo à matéria que envolva outras unidades federadas ou conflito federativo. Ou seja, definirá a abrangência da expressão “suas peculiaridades” do citado art. 24.

O ministro relator Dias Toffoli já emitiu seu voto de forma, a meu ver, coerente com sua posição de protetor da Constituição Federal, assinalando que: “embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita, ao estabelecer que cabe a lei complementar – e não a leis estaduais – regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior” (art. 155, § 1º, III, b). Em outras palavras, a Constituição de 1988 não concedeu aos estados a competência para instituir o ITCMD nessa hipótese, pois tal competência deve ser regulada por lei complementar”.

O ministro arremata sua posição com o seguinte esclarecimento, demonstrando a precisão de seu voto: “Foi devido ao elemento da extraterritorialidade que o Constituinte ordenou ao Congresso Nacional que procedesse a um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária, com o intuito de evitar conflitos de competências geradores de bitributação entre os estados da Federação e entre países com os quais o Brasil possui acordos comerciais, mantendo uniforme o sistema de tributos.”

Certeiro o voto proferido pelo ministro relator sobre a matéria, atualmente já acompanhado pelo ministro Edson Fachin. A tese de repercussão geral proposta foi a seguinte: É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.

A solução proposta significa o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas editadas pelos Estados, bem como a inequívoca ilegitimidade da tributação perpetrada nesse sentido.

E nada mais justo seria inclusive se, uma vez mantida tal posição, os contribuintes que se viram compelidos a pagar um tributo cuja cobrança é tida por inconstitucional, serem ressarcidos daquilo que pagaram indevidamente.

No entanto, não é esse o final feliz proposto até agora no julgamento iniciado no Supremo. Em que pese reconhecer a ilegitimidade da cobrança, o ministro relator Dias Toffoli sugere a modulação do alcance da decisão, para que ela produza efeitos apenas quanto aos fatos geradores que venham a ocorrer a partir da publicação do acórdão. Ou seja, em outras palavras, aqueles contribuintes que se viram compelidos a pagar um tributo inconstitucional nada poderiam reaver.

E realmente, sob o pretexto de proteção dos cofres públicos, o Supremo tem a liberdade ampla e irrestrita para limitar o alcance das decisões de inconstitucionalidade que profere, cometendo, assim, em que pese legitimamente, uma espécie de supressão, um verdadeiro corte, do direito dos contribuintes de se verem ressarcidos pelo pagamento de tributos indevidos.

Mas fica a dúvida: e os cofres dos Contribuintes lesados, que se viram obrigados a pagar tributos inconstitucionais, a quem caberia proteger? O instituto da modulação não acaba por encorajar os entes federados a legislarem e exigirem exações sem se preocuparem com a lisura do sistema tributário, pois ao final, mesmo quando o fazem de forma reconhecidamente indevida, permanecem com o numerário garantido?

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*Clarissa Cerqueira Viana Pereira é sócia da área Tributária do Azevedo Sette Advogados.

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