Historicamente, firmou-se entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca existência de várias categorias de danos indenizáveis, quais sejam, danos patrimonial, extrapatrimonial e estético.
De forma a complementar o rol dos danos indenizáveis, o professor Antônio Junqueira de Azevedo desenvolveu a teoria do dano social, definido como aquele que provoca negativa repercussão social, acarretando o rebaixamento moral ou a perda de qualidade de vida em razão de comportamentos socialmente reprováveis.
A nova teoria do dano social tem por fundamento o princípio da função social da responsabilidade civil, segundo o qual o instituto da responsabilidade civil deve alinhar-se à cláusula geral da dignidade da pessoa humana, considerando-se, ainda, o papel das indenizações no contexto social.
Parte-se do princípio de que a cláusula geral da dignidade, expressamente prevista no art. 1, inciso III, da Constituição Federal, como fundamento da República Federativa do Brasil, permite o reconhecimento de novos danos indenizáveis, bem como de outros direitos da personalidade, além daqueles previamente disciplinados no Código Civil.
Para Antônio Junqueira de Azevedo, a prática de atos negativos consubstanciados em maus exemplos que comprometem as dinâmicas sociais e acarreta o rebaixamento do nível coletivo de vida, mais especificamente da qualidade de vida, enseja a devida reparação. Ademais, ensina o mencionado autor que a indenização deverá ser revertida a uma instituição de caridade, a fim de evitar enriquecimento ilícito por qualquer das partes. Vale ressaltar que o dano social configura uma teoria inovadora, cuja aplicação ainda tem sido tímida pelos tribunais.
Não obstante isso, importante se faz mencionar o acórdão emanado pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual ficou consignada a caracterização de dano social em decorrência do descumprimento reiterado e injustificado do contrato de seguro saúde por parte da seguradora de saúde Amil. A conduta reiterada desta empresa consistente em negativa de cobertura emergencial por período maior que 24 horas caracterizou dano moral ao lesado individual, bem como dano social, na medida em que atingiu indevidamente outros segurados e violou todas as normas protetivas dos consumidores. Ressalve-se que o TJ/SP reconheceu, de ofício, a existência de dano social e condenou a seguradora ao pagamento do valor de um milhão de reais, a ser revertido em prol do Hospital das Clínicas de São Paulo, valor este que não se com a destinada ao segurado (TJ/SP. Apelação 0027158-41.2010.8.26.0564, rel. des. Teixeira Leite, 2013).
Nessa linha, as Turmas Recursais de Goiás também já reconheceram a existência de dano social, em caso de relação de consumo em que o cliente reclamava reparação pela espera de 53 minutos da fila do banco, quando o tolerado por lei seriam 20 minutos. Na decisão, a 2ª turma julgadora mista dos juizados especiais de Goiás escreveu: “A indenização derivada do dano social não é para uma pessoa específica, porque vítima é toda a sociedade, portanto, será destinada ao Centro de Valorização da Mulher Consuelo Nasser”. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de agravo regimental, recebeu reclamação referente à decisão da turma recursal de Goiás, entendendo que a possiblidade de aplicação de ofício de indenização por dano social não encontra amparo legal e que a decisão colegiada viola o princípio da proibição da ne reformatio in pejus. “Contudo, ao que se percebe, o acórdão reclamado valeu-se de argumentos jamais suscitados pelas partes, nem debatidos na instância de origem, para impor ao réu, de ofício, condenação por dano social”, escreveu o relator, Luis Felipe Salomão.
No caso em comento, o acórdão reclamado, ao impor condenação além daquela fixada na sentença, sem que a parte autora tenha feito pedido neste sentido em sede de recurso inominado, incorreu em reformatio in pejus, o que é vedado pelo Código de Processo Civil.
No entanto, muito embora Antônio Junqueira esclareça que a punição civil possa ser direta ou indireta, não havendo necessidade de previsão expressa, já que a pena civil difere da pena criminal, pois não exige tipicidade, o Ministro Relator, em seu voto, reconheceu que o instituto do dano social possui previsibilidade no art. 944 do Código Civil e encontra respaldo na Constituição Federal.
A questão a ser discutida, na visão do ministro, era processual, pois, impera no sistema brasileiro os princípios da inércia e da demanda. Dessa forma, no caso sub judice, constatou-se ausência de causa de pedir e de pedido pelas partes, de forma que a imposição por dano social configurou julgamento extra petita.
Não obstante isso, louvável a decisão do TJ/SP e das turmas recursais dos Estados de Goiás no sentido de reconhecer o dano social, bem como da importância de se combater a prática reiterada de descumprimento contratual por certas empresas em detrimento dos consumidores.
O referido abuso deve ser contido pelo Poder Judiciário, como forma de garantir os direitos individuais, sociais e difusos. Além disso, deve-se preservar a rápida e eficiente prestação jurisdicional, a qual resta comprometida com a propositura de inúmeras ações com os mesmos pedidos e causas de pedir e recursos meramente protelatórios.
Importante se faz mencionar que, na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, foi aprovado o enunciado 455, segundo o qual: “a expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas”.
O reconhecimento de novos danos indenizáveis, bem como de direitos de personalidade, além dos expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado, coaduna-se com o novo paradigma do Direito, qual seja de preservação e efetivação da dignidade da pessoa humana, o que vai de encontro com adoção da socialidade como um dos paradigmas do direito privado.
Numa sociedade verdadeiramente democrática, o Poder Judiciário deve atuar de forma a proteger os direitos inerentes às pessoas, sendo que a atuação judicial, no que tange ao reconhecimento de dano social e consequente indenização, merece aplausos, na medida em que se busca tão somente preservar o interesse coletivo e alcançar a pacificação social.
Contudo, tendo em vista princípios processuais que delimitam o alcance do provimento judicial, o reconhecimento de ofício pelo Tribunal de punitive damage agrava a situação da parte e enseja reformatio in pejus, o que não se permite no ordenamento jurídico atual. Dessa forma, imperioso se faz difundir a mencionada tese, instruindo os advogados a pleitear o referido dano como medida apta a dissuadir o ofensor do ilícito praticado.
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