A polarização política vivida no plano global e nacional tem levado ao questionamento da ciência e da necessidade de proteção ambiental em relação a muitos aspectos da natureza, assim como da regulação das atividades econômicas, pontos antes tidos como estandartes valorativos internacionais quase categóricos.
Além desse quadro por si só carregado de forças contrárias, parece paradoxal ao capitalismo levantar a bandeira da sustentabilidade, dado que o consumo leva inevitavelmente à exploração da natureza, a alguma forma de poluição e à produção de lixo. Em outros termos, o capitalismo precisa incentivar o consumo e o consumo será sempre degradante em algum nível. No que diz respeito à produção de lixo, muito se tem feito quanto ao incentivo de materiais recicláveis e à reflexão sobre a logística reversa em seus mais variados aspectos. Tem-se também, desde a década de 70, elaborado o conceito de desenvolvimento sustentável, buscando conciliar a produção econômica e justiça social com a proteção da natureza para as gerações presentes e futuras.
Em adição à complexidade do cenário, a pandemia do coronavirus, ao mesmo tempo que trouxe uma retração econômica sem precedentes, revelou que a má gestão de resíduos sólidos e condições habitacionais ecologicamente desequilibradas contribuem para a propagação de doenças contagiosas.
Foram apresentados esses três grandes painéis como premissa para enfrentar o problema do incentivo ao consumo de bens na sociedade capitalista contemporânea, e refletir sobre a economia de embalagens, sobretudo do ponto de vista ecológico. Parte-se, portanto, do pressuposto de que o estímulo ao consumo de bens é relevante, mas também do fundamento de que é indispensável impor condicionamentos ambientais normativos e educacionais para tanto.
A polarização política foi referida, ao início, com o propósito específico de anunciar a consciência de sua existência, e, mesmo considerando-a, avançar na necessidade de proteção ambiental. Tenta-se reduzir a polarização nesse caso específico do paralelo entre incentivo ao consumo x economia de embalagens, porque outros aspectos do saber, além da necessidade de preservação ambiental para gerações futuras, revelam a importância de se impor limites ao uso de embalagens. Por questão de eficiência na implementação de políticas públicas, é importante encontrar ponto de equilíbrio argumentativo para avançar mais facilmente no diálogo, ainda que o convencimento na matéria seja sempre difícil.
Dado que a importância de condicionamentos ambientais ao manejo de embalagens está relacionada não apenas a discussões cientificas sobre os efeitos danosos dos materiais utilizados na natureza, mas também a questões estéticas e sanitárias, parece mais fácil defendê-la. O lixo de embalagens mal gerido é feio, agride a visão, e leva à propagação de doenças.
Há caminhos para o incentivo ao consumo por meios menos agressivos à natureza. E dadas as vantagens e desvantagens trazidas pelo consumo desmedido ou pelo consumo com gestão consciente do lixo, este último é o mais adequado, e todos os esforços devem ser realizados para alcançá-lo.
Como dito, de certa forma, apesar das polêmicas dos últimos anos sobre a importância da proteção ambiental, no que diz respeito à gestão das embalagens, vêm sendo apresentadas medidas sobretudo no que diz respeito à reciclagem de materiais e à logística reversa. A questão é que essas não são as medidas protetivas mais eficientes, uma vez que geram igualmente lixo, além de serem caras. Além disso, nem todo produto feito de material reciclável é passível de passar por este procedimento, como é o caso de 30% dos plásticos de invólucros, que são muito pequenos ou complexos para serem reciclados, de modo a terminarem, muitas vezes, nos oceanos. O mais eficiente e ecologicamente adequado é não produzir lixo, principalmente de embalagens.
O resultado ótimo, aliás, seria consumir consideravelmente menos. A humanidade precisa, de fato, de muito menos do que consome, sobretudo no mundo da moda e de eletrônicos. Parte vultosa das aquisições é supérflua. O estímulo de compra é criado a cada nova estação ou temporada, com destaque para cores e formas, sem se atentar para a funcionalidade dos produtos. Apenas a partir do estímulo mercadológico advém a necessidade psicológica. Não se pode desconsiderar, é certo, que o desejo pela novidade parece inato ao humano, assim como o exercício da criatividade que termina por levar à criação de novos produtos e ao despertar de novos talentos. As ofertas do mercado, em certa medida, casam com esse anseio. Todavia, o estímulo capitalista vai além e trabalha com o excesso.
Não se pode, porém, esperar do mercado de bens de consumo a propagação dessa consciência: compre menos, você não precisa de tanto. Mas se pode esperar racionalização no uso de matérias primas e de embalagens. Trata-se de destacar o principal (o produto em si) e economizar no acessório (a embalagem).
E pode-se esperar a formação das consciências por ações estatais e da sociedade civil, para a redução do consumo como o todo, também o de embalagens. A ação estatal, além da atividade educacional, pode também advir de normas indutoras, fiscalizatórias e proibitivas.
Importa assim refletir sobre quais são essas ações possíveis que conciliam estímulo ao consumo e economia no uso de embalagens.
A Lei de Resíduos Sólidos é relativamente recente, mas já vem sendo aplicada, ainda que timidamente, em relação à logística reversa e ao uso de materiais recicláveis. É interessante observar, porém, que de acordo com sua redação, a prioridade deveria ser dada à não produção de lixo, como já destacado.
Esse é o aspecto, portanto, que merece mais desenvolvimento no Brasil, considerando, entre outras questões, o relevante impacto do setor de resíduos sólidos na emissão de gases de efeito estufa, os principais responsáveis pelas mudanças climáticas que tanto ameaçam a vida na Terra, e o baixo índice de reciclagem do país (cerca de 3% do lixo produzido), sendo, portanto, necessárias ações para reduzir esse tipo de poluição.
Talvez uma medida interessante seja estimular os comerciantes a por nas lojas algum aviso de incentivo ao menor uso de embalagens, ou embalagens ecológicas, reutilizáveis, valendo-se de nudges. Assim como eles foram obrigados a disponibilizar para os consumidores o manuseio de código do consumidor, a visualização desse aviso antes do empacotamento de produtos talvez desenvolva a consciência. Em muitos ambientes, o que temos é o oposto, é o incentivo ao uso de sacolas e embalagens como forma de fazer marketing do produto ou da loja e como símbolo de status.
Como medidas secundárias, poderiam advir o estímulo ao uso de embalagens com material e design recicláveis e o emprego da logística reversa.
Por fim, é importante destacar que qualquer política de incentivo ao consumo por parte do governo, deve vir acompanhada da exigência do cumprimento de medidas ambientais. Essa experiência já foi vivenciada no que diz respeito à redução do IPI da linha branca e dos automóveis, em que se condicionou o incentivo à produção de produtos menos poluentes e mais econômicos de energia. Não se tratou, porém, da política da embalagem utilizada na venda de produtos. É o caso de se pensar em desenvolvê-la, para evitar a geração de lixo desmedida, dar melhor aproveitamento aos resíduos produzidos, e de, inclusive, considerar a ilegalidade de incentivos fiscais para aumento de consumo sem contrapartidas ambientais.
Há algumas empresas que já trabalham com o incentivo à devolução de embalagens, como, por exemplo, a marca de cosméticos MAC, que oferta descontos aos clientes que retornam embalagens, numa forma de, ao mesmo tempo incentivar a fidelidade e a logística reversa. Medidas dessa natureza podem ser tomadas por mais empresas e incentivadas pelo governo.
A pandemia do coronavirus certamente levará os governos à promoção de incentivos fiscais, como forma de estímulo ao consumo. Entretanto, este estímulo não pode ser aleatório, pensando apenas em crescimento econômico, mas, sim, voltado para a redução do desperdício e focado na proteção ambiental como forma de evitar maiores danos ao planeta. O novo cenário, pelas razões apontadas acima, requer que tais condicionamentos sejam feitos, até para que, diante da acumulação de lixo, novas pandemias não sejam facilitadas.
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*Raquel Cavalcanti Ramos Machado é professora da Universidade Federal do Ceará, advogada, Doutora pela USP.
*Lucas Campos Jereissati é advogado. Mestre em Direito pela UFC.