Para que incida a técnica de ampliação do colegiado estabelecida no art. 942 do CPC/15 no julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão unânime proferido em sede de recurso de apelação, faz-se necessário que a decisão proferida nos aclaratórios seja não unânime e implique a alteração do julgamento anterior.
No caso do agravo de instrumento, a convocação de outros julgadores somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário e, consequentemente, alterar a decisão parcial de mérito então proferida pelo juízo de primeiro grau.
Isso porque, nesses casos, o julgamento terá se alterado, deixando de haver unanimidade e atraindo a incidência da regra prevista no art. 942 do CPC/15.
Nesse ponto, quando do julgamento do IAC 495116-8, o Órgão Especial do TJPE, por maioria de votos, fixou as seguintes teses jurídicas, as quais restaram numeradas como a oitava e nona:
“Amplia-se o colegiado quando, por maioria de votos, a decisão dos embargos de declaração alterar o resultado unânime da apelação.”
“Não incidirá o artigo 942 do CPC, quando o provimento majoritário dos embargos de declaração, em nada alterar o conteúdo do ato judicial embargado.”
Na ocasião, prevaleceu o voto proferido pelo Des. Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima, que assim se posicionou sobre a ampliação do julgamento nos embargos de declaração:
Em regra, os embargos de declaração têm caráter integrativo ou aclaratório, porquanto buscam, objetivamente, apenas a clareza da decisão. A sua função processual é de esclarecimento, de interpretação do decisum. Excepcionalmente, podem modificar o pronunciamento judicial embargado. Não raramente, diante do esclarecimento da obscuridade, da resolução da contradição ou do suprimento da omissão haverá uma alteração da decisão anterior. Para além disso, a jurisprudência firmou entendimento no sentido de admitir a força modificativa e infringente dos embargos declaratórios em casos de erro material manifesto ou de erro de fato. Nestes casos, os embargos têm caráter substitutivo, de modo que se o recurso que deu origem aos embargos de declaração estava subordinado a técnica do artigo 942 do CPC/15, eventual acolhimento dos embargos de declaração por maioria de votos faz incidir a aplicação da nova técnica de julgamento.
Pontue-se que no caso de acolhimento dos embargados de declaração com alteração substancial do resultado do julgamento embargado, mesmo quando o acórdão embargado tenha decorrido de decisão unânime, deverá haver a instauração do incidente a que alude o artigo 942 do CPC/15. É que, nestas circunstâncias, o acórdão dos embargos de declaração tem efeito substitutivo.
O Relator do IAC 495116-8, Des. Frederico Ricardo de Almeida Neves, defendeu uma interpretação mais ampla para a incidência da técnica de complementação de julgamento não unânime no julgamento dos embargos de declaração, nos seguintes termos:
O julgamento unânime da apelação não autoriza a incidência do artigo 942 do CPC. Sabe-se que a não unanimidade no julgamento do apelo – na conformidade do que ficou decidido por este Órgão Especial - é o único pressuposto exigido para a adoção da nova técnica de julgamento estendido. Todavia, contra o acórdão unânime proferido no julgamento de apelação, pode a parte interessada aviar embargos de declaração. Estes, como é cediço, têm natureza constitutivo-integrativa. É dizer, a decisão proferida em sede de embargos de declaração, passa, como se fosse um amálgama, a fazer parte integrante do ato judicial embargado.
Assim, podem os aclaratórios mudar a decisão do apelo ou transformar o que era unânime em não unânime, chamando a intervir a regra do artigo 942 do CPC. Deste modo, sendo os embargos de declaração acolhidos, por maioria de votos, para modificar o julgamento unânime da apelação, deverá ser suspenso o julgamento com a convocação de dois julgadores para o prosseguimento dos trabalhos. Mas, ainda que os embargos sejam desprovidos, por maioria, o voto vencido pode retirar a unanimidade do Acórdão embargado, fazendo incidir a regra do artigo 942 do CPC.
Pense-se na hipótese seguinte: contra o Acórdão unânime que nega provimento ao recurso de apelação, foram interpostos embargos de declaração com efeitos modificativos. Enquanto dois votos rejeitam os aclaratórios, um voto dá-lhe provimento para prover o apelo e reformar a sentença. Ora, neste caso, o voto vencido proferido no julgamento dos embargos, pela sua natureza integrativa, ao tempo em que faz desaparecer a unanimidade do julgamento da apelação, autoriza a incidência da nova técnica de julgamento ampliado.
Pensamos estar correta a tese defendida pelo Relator do IAC 495116-8, Des. Frederico Ricardo de Almeida Neves, no sentido de que incidirá a regra prevista no art. 942 do CPC/15 mesmo na hipótese de os embargos de declaração serem rejeitados por maioria de votos.
Como é de conhecimento geral, a decisão que julga os embargos de declaração possui a mesma natureza do ato judicial embargado, notadamente em razão do efeito integrativo, próprio dos aclaratórios, que objetivam complementar e aperfeiçoar a decisão impugnada, exaurindo a prestação jurisdicional que se encontra inacabada.
Por conseguinte, o voto vencido proferido no julgamento dos embargos de declaração integra o acórdão da apelação ou do agravo de instrumento, e, estando preenchidas as demais regras de incidência da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015, deve-se reconhecer a possibilidade de aplicação da regra do mencionado dispositivo legal, mesmo na hipótese de os aclaratórios serem rejeitados por maioria de votos.
Cumpre ressaltar, por relevante, que esse foi o entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ no julgamento do REsp 1833497/TO, senão vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA SEGUNDA INSTÂNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. APELAÇÃO PROVIDA POR UNANIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS POR MAIORIA. VOTO VENCIDO QUE ALTERA O RESULTADO INICIAL DA APELAÇÃO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DA MAIORIA QUALIFICADA. EFEITO INTEGRATIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia recursal cinge-se a decidir sobre: i) a nulidade do julgamento da apelação por ausência de intimação prévia do Ministério Público; ii) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; e iii) a necessidade de ampliação do quórum do órgão julgador (art. 942 do CPC/2015) quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação.
2. Segundo a jurisprudência do STJ, a ausência de intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamento o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 489, § 1º, IV, do CPC/15.
4. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido de alterar a conclusão inicial.
5. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso.
6. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1833497/TO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 01/09/2020). (Original sem destaques).
Nesse recentíssimo julgado, prevaleceu o voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, ao qual nos reportamos por tê-lo como irrepreensível e perfeitamente aplicável à matéria em debate:
“Outrossim, impende anotar que os aclaratórios são dotados de efeito integrativo, o qual visa complementar a decisão embargada, a ela se aderindo a fundamentação constante do julgamento dos embargos, constituindo um julgado uno.
Acerca dessa característica peculiar dos embargos, destaco o entendimento por mim proferido no voto dos EREsp 1.290.283/GO, seguido pela maioria dos membros da Segunda Seção (DJe 22/5/2018), no qual ficou consignado serem "cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada desponta nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença".
Naquela oportunidade, citei a doutrina de Bernardo Pimentel Souza, que entendo pertinente replicar neste feito, segundo a qual "como o aresto proferido no recurso de declaração integra o acórdão embargado, é possível concluir pela existência de julgamento indireto da apelação e da ação rescisória" (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cabíveis e à ação rescisória. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 515).
Não obstante aquela questão debatida seja atinente ao cabimento dos extintos embargos infringentes, penso que a lógica jurídica lá utilizada amolda-se, também, à hipótese dos autos, que trata da técnica de julgamento ampliado. Isso porque, como visto inicialmente, ambos os institutos processuais possuem, igualmente, o propósito de formação, após a prolação de voto dissidente, de uma maioria qualificada, além de remanescer inalterado o caráter integrativo dos embargos.
Desse modo, amparado em tais premissas e mantendo a mesma linha de raciocínio, penso que a técnica de julgamento ampliado, positivada no art. 942 do códex processual em vigor, deve ser observada nos embargos de declaração não unânimes decorrentes de acórdão de apelação, quando a divergência for suficiente à alteração do resultado inicial, pois o julgamento dos embargos constitui extensão da própria apelação, mostrando-se irrelevante o resultado majoritário dos embargos (se de rejeição ou se de acolhimento, com ou sem efeito modificativo).
Situação distinta sobressai nos embargos de declaração não unânimes contra acórdão de ação rescisória ou de agravo de instrumento, visto que em tais casos a aplicação da técnica em debate, por requerer, ainda, que o tribunal tenha, inicialmente, rescindido a sentença ou reformado a decisão interlocutória de mérito, de acordo com o que preconiza o já citado § 3º, pode sim depender do resultado dos embargos, conforme se fizer indispensável ao preenchimento do mencionado requisito legal.”
Registre-se, por pertinente, que apesar de esse recente precedente do STJ ter sido fixado pela Terceira Turma do STJ, ou seja, não se tratar de um precedente vinculante, ele seguiu a mesma linha de raciocínio de um precedente firmado pela Segunda Seção do STJ no julgamento do EREsp 1290283/GO.
Como é de sabença geral, as três seções do STJ são especializadas. Dentro de cada especialidade, elas julgam mandados de segurança, reclamações e conflitos de competência. Elas também são responsáveis pelo julgamento dos recursos repetitivos.
Portanto, com a devida vênia, entendemos ter o Órgão Especial do TJPE, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, equivocado-se ao restringir a incidência da regra prevista no art. 942 do CPC/2015 apenas à hipótese de os embargos de declaração serem acolhidos por maioria.
Defendemos, portanto, que a técnica de complementação de julgamento não unânime incidirá sempre que o julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar a alteração do resultado anterior, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso.
Por outro lado, pensamos não ser aplicável a técnica de ampliação do colegiado na hipótese de o órgão julgador decidir, por maioria de votos, sobre a admissibilidade dos embargos de declaração ou se o órgão julgador rejeitar ou acolher apenas para esclarecer uma obscuridade, suprir uma omissão, eliminar uma contradição ou corrigir um erro material, sem alterar o resultado anterior, ainda que por maioria de votos.
Por fim, mas não menos importante, destacamos que as considerações acima foram produzidas com base nas nossas primeiras impressões acerca do recentíssimo precedente firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1833497/TO.
Portanto, trata-se de considerações iniciais, abertas a novas reflexões.
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*Carlos Jar é bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Assessor Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco - TJPE.