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A exclusão da Multa Isolada por pagamento extemporâneo de tributos federais em face da MP nº 303/06

A Lei nº 9.430/96, que dispõe acerca da legislação tributária federal, entre outras coisas, estabelece normas relativas ao lançamento de ofício (auto de infração) de tributos federais, prevendo nestes casos as sanções cabíveis em decorrência da falta de pagamento ou de declaração destas obrigações.

13/12/2006


A exclusão da Multa Isolada por pagamento extemporâneo de tributos federais em face da MP nº 303/06

Fernando Awensztern Pavlovsky*

A Lei nº 9.430/96 (clique aqui), que dispõe acerca da legislação tributária federal, entre outras coisas, estabelece normas relativas ao lançamento de ofício (auto de infração) de tributos federais, prevendo nestes casos as sanções cabíveis em decorrência da falta de pagamento ou de declaração destas obrigações.

Nos casos de lançamento de ofício, suplementar àquele que deveria ter sido efetuado pelo sujeito passivo, o Fisco está autorizado a aplicar penalidade pecuniária, consubstanciada nas multas, quer moratória, quer punitiva.

Inobstante tal matéria, ao nosso ver, caber exclusivamente à lei complementar, uma vez que segundo o art. 113, § 1º do CTN (clique aqui), a penalidade pecuniária é objeto de obrigação tributária principal e, neste sentido, conforme preleciona a Carta Constitucional em seu art. 146, III, “b”, obrigação tributária é matéria reservada a lei complementar, o que já eivaria de inconstitucionalidade formal quaisquer enunciados referentes a obrigação e lançamento da Lei nº 9.430/96, o presente artigo pretende abordar outro aspecto, mais precisamente o tratamento dado à multa isolada com o advento da Medida Provisória nº 303/2006.

O art. 44 da Lei nº 9.430/96, com sua redação original, em seu inciso I, previa a imposição de multa punitiva em casos de pagamento ou recolhimento após o respectivo vencimento do prazo sem o acréscimo de multa moratória (v.g. Empresa A deve recolher ao erário em 01/01/XX o valor de R$ 1.000,00. Ao invés disso, acaba efetuando tal recolhimento em 01/06/XX no mesmo valor, qual seja, R$ 1.000,00, sem os devidos acréscimos moratórios). Nestas circunstâncias, o Fisco lavrava Auto de Infração de Multa Isolada, com base no art. 44, § 1º, II, da Lei nº 9.430/96.

Vale lembrar, que a multa de mora é calculada à taxa de 0,33% por dia de atraso e não pode ultrapassar 20% (art. 61 da Lei nº 9.430/96) do valor recolhido intempestivamente, ao passo que a multa punitiva, exigida isoladamente, atinge o montante de 75% sobre este valor.

Ocorre que, em 29 de junho de 2006, entrou em vigor a Medida Provisória nº <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="303, a">303 (clique aqui), a qual, em seu art. 18, deu nova redação ao referido art. 44 da Lei nº 9.430/96. Vejamos a alteração promovida:

Lei nº 9.430/96

Medida Provisória nº 303/2006

(Art. 18 que deu nova redação ao art. 44 da Lei nº 9.430/96)

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição:


I - de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte;


(...)


§ 1º As multas de que trata este artigo serão exigidas:


(...)


II - isoladamente, quando o tributo ou a contribuição houver sido pago após o vencimento do prazo previsto, mas sem o acréscimo de multa de mora;


III - isoladamente, no caso de pessoa física sujeita ao pagamento mensal do imposto (carnê-leão) na forma do art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de fazê-lo, ainda que não tenha apurado imposto a pagar na declaração de ajuste;


IV - isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 2º, que deixar de fazê-lo, ainda que tenha apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente;

(...)

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:

I - de setenta e cinco por cento sobre a totalidade ou diferença de tributo, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata;

II - de cinqüenta por cento, exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:

a) na forma do art. 8o da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de ser efetuado, ainda que não tenha sido apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no caso de pessoa física;

b) na forma do art. 2o desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.

(...)

Note-se que a nova redação, afastando os termos grifados, não mais prevê a multa punitiva em casos de pagamento ou recolhimento após o vencimento, tendo excluído a mesma do ordenamento.

Nos exatos termos do art. 106, II, “c”, do Código Tributário Nacional, a legislação passou a cominar penalidade menos severa ao sujeito passivo, na medida em que não pode mais ser infligida multa punitiva nestes casos. Por corolário, em observância ao indigitado instituto, opera-se a chamada retroatividade in mellius.

Encampando este entendimento, foram proferidas inúmeras decisões nos Egs. Conselhos de Contribuintes, in verbis:

“IRF - TRIBUTO RECOLHIDO APÓS O VENCIMENTO SEM O ACRÉSCIMO DA PENALIDADE MORATÓRIA - LANÇAMENTO DA MULTA ISOLADA - O artigo 18 da Medida Provisória n° 303, de 29/06/2006, deu nova redação ao artigo 44 da Lei n° 9.430/96, extinguindo a multa de ofício isolada prevista, até então, no artigo 44, § 1°, inciso II, da Lei n° 9.430/96. Por força do artigo 106 do Código Tributário Nacional, tal regra aplica-se retroativamente.

JUROS ISOLADOS - O recolhimento em atraso do tributo devido justifica a exigência dos juros previstos no artigo 61, § 3°, da Lei n° 9.430/96. Recurso parcialmente provido.

(Acórdão nº 106.15777, Recurso Voluntário nº 144040, Processo Administrativo 13807.000360/2001-67, Sexta Câmara, Primeiro Conselho).

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“MULTA ISOLADA. REVOGAÇÃO. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA

Tendo sido revogado, pela Medida Provisória nº 303/2006, o dispositivo constante do inciso I c/c inciso II, do § 1º, do art. 44, da Lei nº 9.430/96, que autorizava a imposição da multa isolada equivalente a 75% do valor do tributo recolhido extemporaneamente e desacompanhado de multa moratória, seus efeitos, por serem mais benéficos, retroagem para beneficiar os casos ainda não decididos (inteligência do art. 106, inciso II, "c", do CTN).

RECURSO VOLUNTÁRIO PROVIDO

(Acórdão nº 302-37910, Recurso Voluntário nº 131440, Processo Administrativo 11962.001541/2002-13, Segunda Câmara, Segundo Conselho).”

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“LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. APLICAÇÃO NO TEMPO. REGRA MENOS GRAVOSA – Aplica-se a lei tributária a ato ou fato pretérito, tratando-se de ato não definitivamente julgado, quando deixe de defini-lo como infração ou quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática. MULTA DE OFÍCIO ISOLADA – A redação do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, dada pelo art. 18 da Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006, exclui da incidência da multa de ofício isolada nas hipóteses em que pagamento do tributo sem a multa de mora realizado após o vencimento. Recurso provido.

(Acórdão nº 106-15848, Recurso Voluntário nº 148016, Processo Administrativo 16327.001191/00-49, Sexta Câmara, Primeiro Conselho).”

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“MULTA DE OFÍCIO ISOLADA – RETROATIVIDADE BENIGNA – Lei nº 9.430/96, artigo 44, § 1º, inciso II, revogado pela MP nº 303/2006 – Aplica-se a fato pretérito a legislação que deixa de considerar o fato como infração, consoante dispõe o artigo 106, inciso II, "a", do Código Tributário Nacional.

(Acórdão nº 101-95713, Recurso Voluntário nº 147801, Processo Administrativo 16327.001870/00-91, Primeira Câmara, Primeiro Conselho).”

A questão não geraria maiores discussões não fosse o fato de, em 27 de outubro p.p., ter a Medida Provisória nº 303 encerrado seu prazo de vigência e, consequentemente, perdido sua eficácia.

Com a perda de eficácia da Medida Provisória, restaurou-se a dicção contida no art. 44 da Lei nº 9.430/96, tal como anteriormente ao advento da medida, novamente impondo a multa isolada em casos de pagamento extemporâneo de tributo sem o acréscimo da multa moratória.

Em que situação ficam os contribuintes que, diferentemente daqueles que tiveram suas multas extintas em razão do julgamento de seus processos administrativos sob a égide da MP nº 303, como é o caso dos acórdãos supracitados, ainda não tiveram seus autos de infrações definitivamente julgados?

Para a construção da idéia, devemos buscar auxílio em diversas diretrizes do ordenamento jurídico, bem como em princípios gerais do direito e ainda princípios esculpidos no Sistema Tributário Nacional.

A Medida Provisória nº 303/2006 deixou de impor multa punitiva para situações de pagamento extemporâneo, como já enunciado. Em razão do mandamento contido no art. 106 do CTN, exceção ao princípio da irretroatividade, aplicou-se a casos ainda não definitivamente julgados, respeitando sempre à coisa julgada.

Tecnicamente, a Medida Provisória, que possui força de lei conforme dispõe o art. 62, caput, da Constituição Federal, acabou por funcionar como uma anistia da multa isolada nestes casos para atos não definitivamente julgados.

Em que pese a mesma ter perdido sua eficácia, os contribuintes que não tiveram seus processos julgados durante a sua vigência possuem o direito de verem suas multas isoladas excluídas, uma vez que a MP existiu e surtiu efeitos no mundo jurídico até o fim de sua eficácia.

Tais contribuintes fazem jus ao benefício, pois, valendo novamente a imposição de multa isolada em casos de pagamento após o vencimento do prazo em virtude do regresso da antiga previsão do art. 44 da Lei nº 9.430/96, esta norma só poderá surtir efeitos ex nunc em decorrência da impossibilidade de retroação da lei em malefício do contribuinte.

Neste diapasão, transbordam argumentos para sustentar tal entendimento.

O primeiro deles, já mencionado, é o princípio da irretroatividade da lei. Deste decorre o velho brocardo latino segundo o qual nulla poena sine lege. Tendo a MP deixado de cominar penalidade a determinado ato, aqueles que este praticaram foram perdoados, não possuindo a lei posterior (ainda que posterior não seja, pois apenas voltou a ter eficácia, como ocorre no fenômeno da repristinação) o condão de atingir fatos pretéritos.

O retorno da multa isolada por pagamento extemporâneo ao ordenamento jurídico só poderá gerar efeitos prospectivos, sob pena de prejudicar-se também o direito adquirido pelo contribuinte. Lembrando que o direito adquirido é aquele exercitável em momento anterior mas exercido em momento posterior. Nestes casos, o direito adquirido é aquele em ver a multa excluída. Não foi exercido em razão do não julgamento do processo administrativo, mas era exercitável.

Por outro lado, ainda, outro argumento forte neste sentido é o princípio da isonomia. Consoante estabelece o art. 150, II, da Carta Magna, é vedado “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”. A equivalência se dá, independentemente do contribuinte ter tido seu processo administrativo julgado ou não durante a eficácia da MP, visto que todos encontravam-se na mesma situação quando da entrada em vigor da medida, isto é, com “atos não definitivamente julgados” (art. 106, III, do CTN).

Põe pá de cal ao assunto a própria norma relativa à eficácia das medidas provisórias. O art. 62 da Constituição Federal, em seu § 3º, confere ao Congresso Nacional o dever de disciplinar as relações jurídicas decorrentes das MPs. Complementando, em seu § 11º, prevê que: “Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.

Assim sendo, a Constituição enuncia que, via de regra, as relações jurídicas constituídas na vigência de medidas provisórias regem-se por suas disposições, podendo o Congresso Nacional dispor de modo contrário se editar o competente decreto legislativo em até 60 dias após a caducidade da medida. Durante este período, portanto, vale a regra.

E é precisamente neste sentido a orientação da Receita Federal, que por seu secretário adjunto, o Sr. Carlos Alberto Barreto, diz que o parcelamento de dívidas, também instituído pela MP nº 303/06 (Refis III), continua valendo, conquanto tenha a MP perdido sua validade. Conforme notícia veiculada pela Agência Brasil em 27/10/2006, de acordo com o secretário: “Como a MP tinha validade durante o período de adesão ao parcelamento, os contratos firmados não serão revogados. Mesmo aqueles que parcelaram as suas dívidas em 15 anos, continuarão pagando mensalmente conforme previsto no acordo”

(fonte: https://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/10/27/materia.2006-10-27.2999058629/view).

Diferentemente não poderá ser o entendimento da receita quanto à multa isolada, afinal trata-se de um só peso, devendo ser tomada uma só medida.

Resta, assim, aguardar eventual manifestação em contrário do Congresso Nacional, a qual provavelmente não virá a fim de que sejam mantidos os efeitos da MP nº 303, que compreendem o REFIS III, mas também a exclusão da multa isolada nos termos aqui expostos.

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*Advogado

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