Ao falar em contratos, os profissionais do direito logo pensam nos ensinamentos dos tempos de faculdade, que remetem ao conceito de contrato do direito romano, passando pela idade média, até chegar aos dias atuais, estudando a fundo suas formalidades e elementos essenciais, estampados na lei 10.406/02 – o Código Civil de 2002.
Hoje, estudando o referido códex, vemos que os contratos devem observar, para que sejam considerados válidos, os seguintes requisitos: (I) agente capaz; (II) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e (III) forma prescrita ou não defesa em lei, todos previstos em seu art. 104.
Além disso, para que a avença seja válida, deve contar com a presença de duas ou mais partes, dotadas de plena capacidade para praticar os atos da vida civil, sempre observando os artigos 3º e 4º do Código Civil.
Outrossim, sabe-se que os contratos devem atender a requisitos formais. Em regra, como disciplina o art. 107, do Código Civil, a forma é livre, a não ser quando a lei expressamente exigir. Isso significa que nem todos os contratos precisam ser alinhavados na forma escrita, a não ser quando expressamente estabelecido em lei – como por exemplo o instrumento de compra e venda de imóvel com valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país (art. 108).
Porém, o direito não fica parado no tempo e deve sempre acompanhar as transformações da sociedade que, nos dias atuais, ocorre a uma velocidade assustadora e, se não for acompanhada pelos profissionais do direito, fará com que fiquem desatualizados e incapazes de manejar as novas ferramentas que surgem no mundo jurídico com o objetivo de dar celeridade ao trabalho, reduzir os custos e fornecer ganho de escala aos profissionais.
Na prática, com o cenário supramencionado, os contratos formalizados no modelo tradicional se tornaram custosos e ineficientes, em nada contribuindo para a celeridade que os negócios jurídicos empresariais requerem – não se perca de vista sua evolução constante, através da transformação digital.
Com isso, é imprescindível que o profissional do direito utilize ferramentas atuais que conseguem atender à real necessidade de seus clientes, em suas relações obrigacionais cotidianas.
É cediço que os advogados são mais céticos às mudanças tecnológicas. De todo modo, nossa classe está sofrendo uma transformação irreversível, consubstanciada pela criação das lawtechs e legaltechs – startups voltadas ao mercado jurídico.
Existe um movimento iniciado pela classe jurídica, que está começando a abrir os olhos para as novas ferramentas no mercado, movimento este que é irreversível e pode estar ocorrendo por insegurança de que parte de suas funções possa se tornar dispensável frente à inovação tecnológica iminente ou, como diria o mais otimista, pode ocorrer porque os profissionais do direito estão em uma corrida incessante para encontrar meios de elevar os lucros e reduzir ineficiências operacionais do negócio – seja este um escritório de advocacia, ou departamento jurídico de empresa.
Trata-se, inegavelmente, de um novo cenário, em que temos empresas especializadas em oferecer soluções tecnológicas e individualizadas para o setor jurídico, de forma hábil, e é nesse momento que surgem os smart contracts.
O que são os smart contracts?
São contratos, com as mesmas finalidades do instrumento pactuado no modelo tradicional, devendo observar as mesmas leis, porém, é constituído por códigos gerados computacionalmente, responsáveis por estabelecer regras específicas de um acordo e suas respectivas sanções, do mesmo modo que o instrumento impresso – mas de forma completamente digital.
Existem três classificações para os contratos eletrônicos, quais sejam: (I) contratos eletrônicos intersistêmicos, utilizados por empresas, através de um sistema restrito de comunicação, mediante aplicativos programados, sendo tão somente uma comunicação interna e não envolvendo terceiros; (II) contratos interpessoais, que se dão entre as partes, por meio do computador, formalizando a avença – ocorre tanto por e-mail, como videoconferência, sistema de mensagens, dentre outros; e (III) contratos eletrônicos interativos, que são entabulados entre um sistema e uma pessoa; como exemplo, podemos mencionar os contratos entre o consumidor e um e-commerce.
Como dito, mesmo o contrato sendo eletrônico e firmado entre um indivíduo e um sistema, sempre deve-se observar as disposições do Código Civil, bem como do Código de defesa do Consumidor, a depender do caso. Os princípios aplicáveis aos smart contracts são os mesmos que orientam a teoria geral dos contratos, quais sejam: função social dos contratos; autonomia da vontade; consensualismo; onerosidade excessiva e boa-fé.
Em se tratando de contratos digitais, uma ponderação deve ser feita. A assinatura também é realizada de forma digital, sendo lindada na autonomia da vontade. Com isso, importante conter evidências de que o instrumento será entabulado de forma eletrônica, sejam estas inseridas em cláusula contratual, e-mails, ou quaisquer outros meios eficazes. Por mais que o assunto seja atualíssimo, sua validade jurídica foi trazida pela medida provisória 2.200/01, ainda em vigência, sem falar na nova lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica) – que foi instituída para viabilizar a atividade econômica, considerando válido qualquer meio de autoria e integridade, desde que previamente acordado entre as partes.
Por fim, o presente artigo foi confeccionado para trazer a lume a importância desta nova ferramenta ao profissional do direito, que pode utilizá-la para reduzir as ineficiências burocráticas advindas do modelo atual de formalização de contratos e, consequentemente, lapidar sua relação com os clientes.
Como bem nos ensina Ruy Barbosa, em oração aos moços: “tomai exemplo, estudantes e doutores, tomai exemplo das estrelas da manhã, e gozareis das mesmas vantagens: não só a de levantardes mais cedo a Deus a oração do trabalho, mas a de antecederdes aos demais, logrando mais para vós mesmos, e estimulando os outros a que vos rivalizem no ganho benedito”.
Mesmo falando de inovações tecnológicas e assuntos atuais, cabe aqui, mais do que nunca, com função ilustrativa, o brocardo jurídico Dormientibus Non Sucurrit Ius – o direito não socorre aos que dormem.
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