O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) regula a conduta dos usuários das vias terrestres, ou seja, ele é dirigido às pessoas que usam as vias terrestres, o que inclui calçadas e vias de circulação, além de que o uso pode ser desde o simples andar até o conduzir veículos.
O CTB define, em seu art. 96, como se classificam os veículos e, dentre eles estão as motocicletas.
Os condutores de motocicletas, motociclistas, portanto, ao fazerem uso de suas motos em vias públicas estão obrigados a seguirem as regras que regem essa utilização.
O art. 29 do CTB estabelece, como regra geral ao trânsito de veículos que:
Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
I - A circulação far-se-á pelo lado direito da via, admitindo-se as exceções devidamente sinalizadas;
II - O condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade e as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas; [...]
IV - Quando uma pista de rolamento comportar várias faixas de circulação no mesmo sentido, são as da direita destinadas ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada, e as da esquerda, destinadas à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade;
V - O trânsito de veículos sobre passeios, calçadas e nos acostamentos, só poderá ocorrer para que se adentre ou se saia dos imóveis ou áreas especiais de estacionamento; [...];
Vale dizer, as motocicletas têm que circular nas faixas de circulação, sendo que as exceções estão no inciso V e não incluem transitar entre faixas de circulação.
A não observância dessas regras sujeita o condutor a penalidades[1] e dentre as quais estão incluídas: a) dirigir fora da faixa; e/ou b) deixar de guardar distância[2].
O Anexo I do CTB define o que sejam termos encontrados na legislação é nele estão:
FAIXAS DE TRÂNSITO - Qualquer uma das áreas longitudinais em que a pista pode ser subdividida, sinalizada ou não por marcas viárias longitudinais, que tenham uma largura suficiente para permitir a circulação de veículos automotores.
PISTA - parte da via normalmente utilizada para a circulação de veículos, identificada por elementos separadores ou por diferença de nível em relação às calçadas, ilhas ou aos canteiros centrais.
O Anexo II (Resolução CONTRAN 260/2004, por seu lado, traz a regulamentação do que devam ser a sinalização vertical
1. SINALIZAÇÃO VERTICAL É um subsistema da sinalização viária cujo meio de comunicação está na posição vertical, normalmente em placa, fixado ao lado ou suspenso sobre a pista, transmitindo mensagens de caráter permanente e, eventualmente, variáveis, através de legendas e/ou símbolos pré-reconhecidos e legalmente instituídos. A sinalização vertical é classificada de acordo com sua função, compreendendo os seguintes tipos: - Sinalização de Regulamentação; - Sinalização de Advertência; - Sinalização de Indicação.
E a sinalização horizontal:
2. SINALIZAÇÃO HORIZONTAL É um subsistema da sinalização viária que se utiliza de linhas, marcações, símbolos e legendas, pintados ou apostos sobre o pavimento das vias. Têm como função organizar o fluxo de veículos e pedestres; controlar e orientar os deslocamentos em situações com problemas de geometria, topografia ou frente a obstáculos; complementar os sinais verticais de regulamentação, advertência ou indicação. Em casos específicos, tem poder de regulamentação.
Com relação à sinalização horizontal existe o Manual Brasileiro de Sinalização Horizontal - Vol. IV[3] e do qual devem ser feitas as seguintes menções:
4.1 Definição e função: A sinalização horizontal tem a finalidade de transmitir e orientar os usuários sobre as condições de utilização adequada da via, compreendendo as proibições, restrições e informações que lhes permitam adotar comportamento adequado, de forma a aumentar a segurança e ordenar os fluxos de tráfego. A sinalização horizontal é classificada segundo sua função:
Ordenar e canalizar o fluxo de veículos;
Orientar o fluxo de pedestres;
Orientar os deslocamentos de veículos em função das condições físicas da via, tais como, geometria, topografia e obstáculos;
Complementar os sinais verticais de regulamentação, advertência ou indicação, visando enfatizar a mensagem que o sinal transmite;
Regulamentar os casos previstos no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Em algumas situações a sinalização horizontal atua, por si só, como controladora de fluxos. Pode ser empregada como reforço da sinalização vertical, bem como ser complementada com dispositivos auxiliares.
4.2 Aspectos legais: É responsabilidade dos órgãos ou entidades de trânsito a implantação da sinalização horizontal, conforme estabelecido no artigo 90 do CTB. A sinalização horizontal tem poder de regulamentação em casos específicos, conforme previsto no CTB e legislação complementar e assinalados nos respectivos itens das marcas neste manual. A seguir, estão relacionados os artigos do CTB, específicos do Capítulo XV – Das Infrações – cujo desrespeito à sinalização horizontal caracteriza infração de trânsito. – Artigo 181 – VIII – proíbe o estacionamento do veículo sobre faixas de pedestres, ciclofaixas e marcas de canalização; – Artigo 181 – XIII – proíbe o estacionamento do veículo onde houver sinalização horizontal delimitadora de ponto de embarque e desembarque de passageiro de transporte coletivo; – Artigo 182 – VI – proíbe a parada do veículo sobre faixa destinada a pedestres e marcas de canalização; – Artigo 182 – VII – proíbe a parada do veículo na área de cruzamento de vias; – Artigo 183 – proíbe a parada do veículo sobre a faixa de pedestres na mudança do sinal luminoso; 6 Considerações Gerais – Artigo 185 – I – quando o veículo estiver em movimento, deixar de conservá-lo na faixa a ele destinada (ultrapassagem e transposição); – Artigo 193 – proíbe o trânsito em ciclovias e ciclofaixas e marcas de canalização; – Artigo 203 – II – ultrapassar na contramão nas faixas de pedestre; – Artigo 203 – V – proíbe a ultrapassagem pela contramão onde houver linha de divisão de fluxos opostos do tipo linha dupla contínua ou simples contínua amarela; – Artigo 206 – I – proíbe a operação de retorno em locais proibidos pela sinalização (linha contínua amarela); – Artigo 206 – III – proíbe a operação de retorno passando por cima de faixas de pedestres; – Artigo 207 – proíbe a operação de conversão à direita ou à esquerda em locais proibidos pela sinalização (linha contínua amarela); – Artigo 214 – I – não dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado que se encontre na faixa a ele destinada. 4.3 Importância A sinalização horizontal:
Permite o melhor aproveitamento do espaço viário disponível, maximizando seu uso;
Aumenta a segurança em condições adversas tais como: neblina, chuva e noite;
Contribui para a redução de acidentes;
Transmite mensagens aos condutores e pedestres.
(destaques do autor)
De tudo o quanto exposto, qualquer circulação de motocicletas deve ocorrer:
a) Dentro das faixas de circulação; e
b) Observadas as distância regulamentares,
Sendo que tais exigências têm por objetivo ordenar o fluxo de veículos, Orientar os deslocamentos de veículos em função das condições físicas da via, tais como, geometria, topografia e obstáculos, aumentar a segurança em condições adversas, reduzindo acidentes e deixando claro a condutores e pedestres como se comportam veículos nas faixas de circulação.
Curiosamente, o art. 56 do CTB que deixava expresso que a movimentação de motocicletas entre veículos era proibido foi vetado pelo então Presidente sob o argumento de que isso restringia a utilização desse tipo de veículo, uma vez perder sua agilidade.
Do ponto lógico, o argumento é totalmente contraditório com todo o conjunto normativo, isto porque a ideia de que a motocicleta, por ser ágil, pode ter sua condução feita em desobediência às normas aplicáveis a todos os demais veículos, ainda que isso resulte em aumento de insegurança no trânsito, no número de acidentes etc. não faz sentido.
De fato, o veto somente teria sentido lógico e legal na medida em que a norma trazia um elemento que já estava presente em outros trechos do CTB pelo que o art. 56 seria redundante, isto porque todos os veículos, inclusive motos, têm sua condução regulada pelo CTB, daí cabendo seu veto, mas por mera redundância.
Nessa linha, em meu entendimento, não havia, nem há, qualquer impedimento legal para que condutas infrativas de motociclistas, ao trafegarem fora das faixas e sem observância das distâncias legais, não possam ser objeto de punição, até porque a prática demonstra que isso aumenta a insegurança, o volume de acidentes, em geral com resultados graves e que afetam os cofres públicos na medida em que há perdas de produtividade, despesas hospitalares e/ou previdenciárias.
De alguma forma, contudo, prevaleceu o argumento esdrúxulo de que a agilidade das motocicletas exigia o sacrifício do aumento dos riscos e, assim, por longos anos a situação se manteve assim, isto é, com passe livre para as motocicletas.
Vêm, então, o Poder Legislativo com propostas de alteração e modernização do CTB e novamente resolve legislar sobre a matéria. O PLC 3.267/19[4], que está aguardando sua transformação em Lei, uma vez já ter sido devidamente aprovado, indicando que a Lei passará a ter a seguinte redação:
“Art. 56-A. É admitida a passagem de motocicletas, motonetas e ciclomotores entre veículos de faixas adjacentes no mesmo sentido da via quando o fluxo de veículos estiver parado ou lento, conforme regulamentação do Contran.
§ 1º Se houver mais de duas faixas de circulação, a passagem somente será admitida no espaço entre as duas faixas mais à esquerda.
§ 2º Se houver faixa exclusiva para veículos de transporte coletivo à esquerda da pista, esta será desconsiderada para fins do disposto no § 1º deste artigo.
§ 3º Não será admitida a passagem entre a calçada e os veículos na faixa a ela adjacente.
§ 4º A passagem de motocicletas, motonetas e ciclomotores entre veículos de faixas adjacentes deve ocorrer em velocidade compatível com a segurança de pedestres, ciclistas e demais veículos.
§ 5º Os órgãos e entidades com circunscrição sobre a via poderão implementar áreas de espera específicas para os veículos de que trata o caput deste artigo, junto aos semáforos, imediatamente à frente da linha de retenção dos demais veículos, na forma definida pelo Contran.”
Esta nova redação, que entra no lugar do antigo artigo revogado, deixa evidente que a livre circulação de motocicletas entre faixas não é razoável, ou seja, a agilidade das motocicletas não pode ser motivo para que elas tenham liberdade de fluxo.
No entanto a norma estabelece:
a) Ser possível a movimentação entre faixas adjacentes quando o fluxo de veículos estiver parado ou lento, o que pode ser feito inclusive em vias em que só haja uma faixa de trânsito e naquelas onde haja um fluxo de ida e outro de volta (vias de mão dupla);
b) Nas vias com várias faixas de circulação, essa movimentação somente pode ocorrer na via mais à esquerda; e
c) A movimentação, em qualquer caso, deve ser em velocidade compatível com a segurança de todos os usuários das vias.
Essa nova norma, em minha avaliação, continua sem fazer qualquer sentido uma vez que as suas condicionantes, trânsito parado ou lento e velocidade compatível com a segurança, são extremamente subjetivas: como aferir se a motocicleta se movimentou quando o trânsito já voltou a fluir? o que é trânsito lento? como manter movimento seguro sem observância das distâncias legais entre veículos?
Enfim, ainda que a nova regra pareça que reconheça que o fluxo livre de motocicletas fora da faixa de circulação não é compatível com a movimentação do trânsito em geral, ela ainda persiste em criar situações que anulam a proibição mediante o uso de critérios deixados à discrição do regulamento, continuando a tratar as motocicletas como um veículo privilegiado (e assim seu condutor), que parece merecer tratamento mais benéfico do que os demais condutores, em claro caso de quebra da igualdade perante a Lei.
Não posso deixar de observar, também, que essa questão também suscita a necessidade de um outro debate e que inclui, para não deixar o foco apenas na questão do condutor da motocicleta:
a) A reiterada alteração de tamanhos de faixa de circulação, ora para aumentá-las, ora para reduzi-las, sem que se observe a lógica das distâncias entre veículos (e aqui incluo todos os veículos, pois há vias em que claramente um automóvel não consegue ficar distante de outro em mais de 1,0m; e
b) A inexistência de qualquer fiscalização efetiva sobre a condução de motos e que precisa acontecer sobretudo agora que esse é um tipo de veículo abundante nas cidades e que trafegam sem observar velocidades, sinalizações para conversões etc.
Concluindo, uma situação de risco que teria um encaminhamento jurídico mais direto, que é o tratamento equivalente entre todos os veículos, novamente não foi resolvida e ainda com o risco do que foi definido demorar a ser regulamentado e, ainda que regulamentado, não ser cumprido.
_________
1 Art. 161. Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX. (Vide ADIN 2998)
2 Art. 185. Quando o veículo estiver em movimento, deixar de conservá-lo:
I - na faixa a ele destinada pela sinalização de regulamentação, exceto em situações de emergência;
II - nas faixas da direita, os veículos lentos e de maior porte:
Infração - média;
Penalidade - multa.
Art. 192. Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo:
Infração - grave;
Penalidade - multa.
4 O PLC 3.267/19 abrange várias alterações no CTB tais como mas sem se limitar a: a questão do uso de instrumentos de retenção para crianças de até 10 anos (cadeirinhas); o uso de luz de rodagem durante o dia; regras para renovação da CNH, alteração da forma de contagem de pontos para aplicação de restrições de dirigir a condutores etc.
_________
*José André Beretta Filho é advogado empresarial.