Migalhas de Peso

Ética no trabalho, sem assédios

O assédio no ambiente de trabalho, inserido nas relações de poder, é prática há muito conhecida.

8/10/2020

A estruturação das relações pessoais nas empresas cada vez mais deve fortalecer algo fundamental para o desenvolvimento de qualquer agrupamento social: a convivência e, nesse contexto, a ética precisa ser valorizada

Houve um tempo que se uma pessoa fosse questionada sobre se era feliz no trabalho, provavelmente a questão não seria compreendida. Feliz no trabalho?! Ora, trabalho significava obter o sustento, sinônimo de algo penoso, portanto, não era espaço para a felicidade, afinal, “trabalho é trabalho”.

Sem entrar na discussão do que seria ser feliz, a verdade é que evoluímos, as novas gerações, os chamados “millennials” assumiram uma outra postura e passaram a valorizar a busca de realização pessoal que vai além da remuneração. Respeito, oportunidade, flexibilidade passaram a ser relevantes, aliás, realizar um trabalho com significado, com propósito, tem sido identificado por pesquisadores como um fator de atração e retenção de talentos.

A estruturação das relações pessoais nas empresas cada vez mais deve fortalecer algo fundamental para o desenvolvimento de qualquer agrupamento social: a convivência e, nesse contexto, a ética precisa ser valorizada. O respeito deve ser enaltecido e o contraponto, os assédios – moral, com a ação vexatória contínua ocasionando humilhação e constrangimento e o sexual, com insinuação indesejada – têm que ser combatidos, pois representam comportamentos nocivos para um relacionamento laboral produtivo, ferindo a dignidade e a integridade das pessoas. Da mesma forma a chamada “liderança tóxica” foi apontada por pesquisa da consultoria BambooHR como uma das causas mais relevantes de pedidos de demissão (cerca de 44%) e acarretam a  perda de motivação ao não reconhecerem as qualidades; o estelionato profissional (não dar crédito pelas conquistas); a falta de confiança; promoções sem merecimento e exigências descabidas.

Essa liderança tóxica e a prática dos assédios deflagram sérios danos à saúde dos trabalhadores, afetando a qualidade e os resultados das empresas e aumentam o contencioso trabalhista.

O assédio no ambiente de trabalho, inserido nas relações de poder, é prática há muito conhecida, porém, começou a ser aprofundado no Brasil com a publicação da dissertação de mestrado “Uma jornada de Humilhações”, da médica do trabalho Margarida Barreto, no início do século.

Não obstante a alta relevância, ainda não temos uma legislação federal que tipifique o assédio moral (o sexual está no art. 216-A do Código Penal) e a jurisprudência da justiça laboral tem procurado superar essa lacuna. Na verdade, poucos países têm leis específicas sobre esse desvio de conduta: Estados Unidos, França e Argentina são alguns deles.

No Brasil, até que tenhamos uma legislação, recorre-se aos princípios constitucionais, como o da dignidade humana, e às normas do Código Civil relativas à indenização por danos morais. Há também o artigo 483 da CLT, que prevê a possibilidade de rescisão indireta a ser solicitada pelo assediado. Já o Estatuto do Servidor (lei 8.112/90) determina que o ambiente de trabalho deve ser saudável e ético.

Por ser matéria nova no campo jurídico e pela subjetividade do fenômeno do assédio, especialmente o moral, as vítimas sentem–se desamparadas, inseguras e até intimidadas para denunciarem.

A dificuldade de comprovar os fatos, a vergonha e o medo de retaliação futuras são alguns dos fatores que impedem que os colaboradores sigam adiante e se defendam. Ainda assim, os números do assédio são alarmantes: apenas no ano de 2018 mais de 56 mil novas ações relacionadas ao assédio moral foram ajuizadas no Brasil; o Tribunal Superior do Trabalho aponta que o assédio moral foi a principal denúncia dos colaboradores brasileiros nos últimos dez anos; a ICTS Outsourcing informa que sete em cada dez empresas recebem relatos dessa natureza por canais de denúncia e o Ministério da Saúde indica que os transtornos mentais já são a terceira maior causa de afastamento do ambiente de trabalho demonstrando os efeitos devastadores dos assédios para a saúde do colaborador, causando síndrome do pânico, depressão e suicídios.

Na pandemia, muitas condutas de assédio moral têm sido identificadas no home office. Para uma maior produtividade as exigências das lideranças podem aumentar, ignorando que o trabalho deve ter limites de horário e respeito ao direito à desconexão.

O assédio é um vírus invisível que corrói a autoestima das pessoas e a reputação das instituições públicas e privadas. A conscientização de todos sobre os seus malefícios é fundamental, pois o valor maior é a dignidade das pessoas, motivo para que sejam implementadas políticas de prevenção, sem receios.

Lideranças humanizadas - comprometidas com a valorização de seus colaboradores, fortalecendo a boa convivência, priorizando a implementação de políticas efetivas de combate aos assédios com canais como a ouvidoria para denúncias e acolhimento – são cada vez mais necessárias, preservando a segurança psicológica, o bem-estar dos colaboradores e o sentido de respeito.

Esse chamamento à conscientização significa enaltecer a dignidade das pessoas e a ética nas instituições. Esse propósito deve gerar um movimento que merece ser incentivado.

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*Valquiria Furlani é advogada, especialista em direito empresarial e trabalhista, palestrante sobre compliance no ambiente laboral.





*Edson Vismona é advogado, fundador e atual presidente do Conselho Deliberativo da ABO –   Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman. Presidente do ETCO, foi secretário da justiça e defesa da cidadania do Estado de São Paulo.

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