O quarto de século ultrapassado de vigência da lei federal 8.666/93 continua a suscitar manifestações que vão do repúdio à sua permanência na ordem jurídica positiva brasileira ao aplauso por sua existência, embora com ressalvas quanto à necessidade de seu aperfeiçoamento conceitual e operacional. Contribui para a controvérsia a tramitação, na Câmara dos Deputados, de texto nascido do projeto de lei 1.292-F/95, iniciado no Senado Federal, que pretende a revogação de todas as leis que regem a atividade licitatória e contratual do estado, a partir da lei federal 8.666/93, substituindo-as por lei que integre, sistemicamente, as normas que o direito brasileiro tem produzido sobre a matéria.
Sobre tal projeto veiculam-se opiniões que lhe propõem inúmeras e discrepantes alterações, tais como: inserir regras sobre sustentabilidade ambiental, a serem observadas em editais e cláusulas contratuais, determinantes da desclassificação, sem prejuízo à competitividade, de propostas de empresas que as descumpram de modo a causar danos sociais, econômicos e ambientais que se conjugam; restringir a modalidade licitatória do pregão a compras e serviços comuns (os que são encontrados no mercado com características que satisfazem às necessidades administrativas), ou ampliar a sua aplicação para abranger obras e serviços de engenharia; extinguir as modalidades de tomada de preços e convite; instituir a técnica de compras compartilhadas entre órgãos e entidades com objetivos institucionais convergentes; admitir, nas licitações, orçamentos sigilosos como meio para evitar a cartelização, ou proscrevê-los com o fim de precatar vazamentos que alimentem informações privilegiadas; exigir que empresas contratadas pelo estado adotem regras de integridade (compliance) como política compulsória de prevenção da corrupção, vinculada, ou não, ao valor do contrato e ao prazo de sua duração; impor, como requisito de habilitação para participar de licitações e para contratar com o estado, o da inexistência de antecedentes de sanções aplicadas à empresa (“ficha-limpa”); conferir maior autonomia a estados e municípios na formulação de normas próprias de licitações e contratações, independentemente das normas gerais da legislação federal, com o fim de ajustar a atividade contratual desses entes federativos às circunstâncias, peculiaridades e disponibilidade de seus recursos organizacionais, materiais, financeiros e humanos.
Percebem-se elos entre essas e outras proposições que vão e vem no cenário brasileiro da atividade contratual estatal, aparentemente díspares do ponto de vista técnico e administrativo, e já agora a incorporar alternativas destinadas a conferir maior presteza e eficiência na contratação de bens e serviços necessários ao enfrentamento da pandemia trazida pelo coronavírus: o primeiro, o da insatisfação com o elevado grau de insegurança jurídica gerada por legislação extensa e fragmentada, sujeita a conflitos de interpretação entre os agentes de sua aplicação e os agentes de controle interno e externo dessa aplicação (CF/88, art. 74), a provocar incertezas quanto à qualidade dos resultados obtidos a cada contratação, bem como à configuração e à extensão de responsabilidades administrativas, civis e penais daqueles agentes; o segundo, o da suspeita de que a etiologia dessa insegurança jurídica advenha de uma cultura de gestão pública que não logra avanços expressivos, nem mudanças significativas, quaisquer que sejam as normas reguladoras que se adotem, ou seja, ou se promove a educação para o desempenho de uma fundamental ética de boa-fé objetiva na gestão dos contratos públicos ou estes sempre estarão expostos a desvios, qualquer que seja o seu quadro regulatório. Educação permanente essa que conta com o expresso apoio do art. 39, § 2º, da Constituição da República, segundo o qual a União, os Estados e o Distrito Federal devem manter “escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira...”.
O projeto de nova lei de licitações e contratos em gestação há de primar por soluções que viabilizem segurança jurídica e flexibilidade de gestão de modo ético e inclusivo, viabilizando permanente diálogo entre estado e sociedade, agentes executores e controladores, públicos e privados, partícipes todos os poderes do estado. Os pontos mais sensíveis seriam:
I. Licitações e contratos administrativos devem resultar de sede jurídica formal que cumpra o devido processo legal, não apenas quanto a ritos, se não que, também, quanto à transparência, o que pressupõe protagonistas solidamente preparados, tanto técnica quanto eticamente, preparo esse exigente de treinamento prévio e permanente de todos os agentes públicos designados para atuar nesse segmento administrativo, qualquer que seja a modalidade de licitação ou no desempenho nas funções de fiscalização e gestão de contratos, que se devem segregar e especializar;
II. A fase interna desse processo administrativo (aqui entendido em sua acepção universal de conjunto coordenado de atos que se praticam com observância de projeto, cronologia, prazos e competência funcional predeterminados, com o fim de produzir resultado de interesse público) deve retratar o atento cumprimento de todo o ciclo virtuoso da gestão (planejamento, execução, controle e avaliação), mediante o entranhamento, nos autos de cada processo – físico ou digitalizado -, de todas as peças respectivamente pertinentes e necessárias à tomada de decisões (estudos, projetos, levantamentos, pesquisas, pareceres), a atrair a responsabilidade subjetiva de seus signatários;
III. Mecanismos eficientes para a prevenção de desvios e fraudes na definição do objeto a ser contratado e na estimativa de seu valor de mercado - que se há de fundar em ampla pesquisa em várias fontes -, de sorte a evitar direcionamentos e conluios comprometedores da competividade e da identificação da melhor proposta, que nem sempre será a de menor preço em face das peculiaridades do objeto, dos prazos e métodos de sua execução, com repercussão sobre os riscos e a duração do contrato;
IV. Na elaboração do ato convocatório do certame, atenção deve ser concentrada na escolha do modo de proceder-se à licitação e aos critérios e fatores de julgamento objetivo de propostas, com teores equilibrados de vinculação e discricionariedade, a preservar a competividade e respeitar as características do objeto, capazes de garantir que o contrato decorrente venha a cumprir as funções e as finalidades planejadas, bem assim a conter-se dentro do custo estimado;
V. Critérios e fatores de julgamento de propostas, objetivos e contribuintes para evitar fracionamentos indevidos do objeto - inspirados pelo falseamento de hipóteses de contratação sem licitação - ou parcelamentos de objeto que comprometam a economia de escala;
VI. Metodologia que sustente o exercício isonômico, por pregoeiro ou comissão de licitação, do juízo de admissibilidade de propostas de preço ou técnicas, de modo a que o órgão julgador distinga, fazendo reagir cada proposta em face das exigências do edital, as hipóteses de sua classificação ou desclassificação, sempre dependentes de expressa motivação (revelação das razões de fato e de direito que justifiquem a decisão, que se torna vinculante da administração), a cada caso;
VII. Reservar, para momento posterior à fase de julgamento de propostas, a verificação do atendimento aos requisitos de habilitação que propiciem a contratação do proponente classificado em primeiro lugar ou impliquem sua inabilitação para contratar;
VIII. Explicitação dos recursos administrativos cabíveis contra as decisões proferidas na fase de julgamento de propostas e de requisitos de habilitação, indicando os níveis hierárquicos que participam de sua recepção e julgamento, em prazo razoável e sem eficácia suspensiva;
IX. Informatização de todos os procedimentos competitivos, com acesso universal garantido a todos os segmentos do mercado interessados no objeto da contratação e ao particular que pretenda exercer o direito constitucional de representação aos poderes públicos;
X. Regramento específico para a instrução dos processos de contratação que se possam aperfeiçoar sem licitação, em caráter excepcional, para o que de grande valia será a elaboração de manuais operacionais que correspondam às peculiaridades da estrutura organizacional de cada departamento administrativo provido de autonomia de gestão;
XI. Deixar expresso, em ato convocatório e em cláusula contratual, que a pandemia constitui, no plano conceitual, álea extraordinária universal, a autorizar a revisão do contrato para restaurar-lhe o equilíbrio econômico-financeiro rompido, desde que tal rompimento resulte demonstrado a cada contrato, não bastando, destarte, a só invocação de álea extraordinária para autorizar a modificação de cláusulas econômico-financeiras e de serviços.
Os lamentáveis desvios ocorridos na contratação de bens e serviços destinados ao atendimento de pacientes infectados pelo covid-19, amplamente noticiados pela imprensa, acentuam dois pontos aparentemente antagônicos do projeto em curso, mas que, vistos em cenário pedagógico, teriam pontos de tangência entre si: diálogo e repressão.
A inovação maior do projeto em tema de modalidades de licitação está na criação da modalidade do diálogo competitivo, figura desconhecida da legislação brasileira anterior, porém praticada no direito alienígena com reconhecido êxito, na conformidade do que se tem convencionado chamar de “administração consensual”, que acompanha o desenvolvimento da gestão pública no estado democrático de direito.
Andou bem o projeto ao incluir as modalidades de licitação nas definições arroladas em seu art. 6º, que, a exemplo do que ocorria com a lei 8.666/93, em artigo do mesmo número, também consolida conceitos operacionais, ou seja, os que valem para fins de aplicação da lei. Em seu inciso XLII, define o diálogo competitivo: “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos”.
O art. 32, caput, do projeto adverte que a novel modalidade é de uso restrito a contratações de objeto a que corresponda o cenário factual descrito no inciso I: “a) inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração”.
O “e” que precede o terceiro requisito significa que se trata de exigências cumulativas, ou seja, para que seja cabível a modalidade do diálogo competitivo se impõe a presença concomitante dos três requisitos enumerados no inciso I, do art. 32, devidamente comprovados nos autos do respectivo processo administrativo. Comprovados, não apenas alegados. Tenha-se em mente que o uso dessa modalidade implica que a Administração leve em conta a contribuição dos particulares interessados na definição das características que deverá ter o objeto a ser contratado, bem como a estimativa de seu custo específico, vale dizer que esse diálogo influenciará, previamente, a definição da equação econômico-financeira do futuro contrato. Isto porque os futuros licitantes somente poderão compor suas propostas de preço e/ou técnicas, para apresentá-las à Administração, depois de definido o objeto a ser licitado através desse diálogo, e tal definição gerará consequências para a satisfação do direito subjetivo ao equilíbrio daquela equação, presente nas entrelinhas do art. 37, XXI, da Constituição da República – “[...] processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei [...]”. Em outras palavras, o uso impróprio do diálogo competitivo manchará o caso concreto de vícios de inconstitucionalidade e/ou de ilegalidade, a provocar a nulidade da licitação e do contrato que se lhe seguirá, com a responsabilização dos agentes públicos e privados que dele hajam participado.
A mesma linha de raciocínio preside a interpretação e a aplicação do inciso II, do art. 32, do projeto, que restringe a modalidade do diálogo competitivo à pertinente identificação dos meios e das alternativas capazes de satisfazer às necessidades administrativas, destacando, em suas alíneas: “a solução técnica mais adequada; os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; a estrutura jurídica ou financeira do contrato”.
Basta tal perfil normativo para se deduzir que a modalidade do diálogo competitivo é absolutamente incompatível com qualquer traço de aproximação das modalidades da concorrência e do pregão, constituindo modalidade efetivamente distinta e inovadora no direito brasileiro, a exigir instrução processual e rito procedimental peculiares. Daí o § 1º, do art. 32, do projeto desenhar, em doze incisos, o perfil de como a modalidade deve ser manejada, enunciando prazos, vedações, cautelas e deveres, dos quais convém destacar o disposto nos incisos XI (será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos três servidores efetivos, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão) e XII (órgão de controle externo poderá acompanhar e monitorar os diálogos competitivos, opinando, no prazo máximo de quarenta dias úteis, sobre a legalidade, a legitimidade e a economicidade da licitação, antes da celebração do contrato).
O art. 179 do projeto dá nova redação a incisos do art. 2º da lei 8.987/95, estendendo às concessões de serviço público, bem como às precedidas da execução de obra pública, a modalidade do diálogo competitivo para a contratação de pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. Assim também determina o art. 180 do projeto em relação à contratação de parcerias público-privadas de que trata a lei 11.079/04. É de se prever que, especialmente quanto à contratação de concessões de serviço públicos, tais disposições incrementariam de modo significativo o emprego do diálogo competitivo.
Por isto mesmo importa que se traga à colação síntese de comentário do insigne professor Thiago Marrara, da Universidade de São Paulo, publicado na revista Consultor Jurídico, edição de 6 de janeiro de 2017:
“Das inúmeras modalidades licitatórias previstas na Diretiva Europeia 2014/24 para aquisição estatal de obras, serviços e bens, merece redobrada atenção o ‘diálogo concorrencial’, nome constante da versão oficial portuguesa da normativa, mas que, no Brasil, transformou-se em ‘diálogo competitivo’... Por trás desta opção legislativa figura inicialmente a constatação de que procedimentos marcados pelo diálogo lograram mais sucesso na promoção do comércio transfronteiriço, ou seja, mostraram-se mais aptos a promover a competição efetiva entre agentes econômicos dos mais diversos países membros da União... a grande vantagem do diálogo concorrencial reside na possibilidade de se abrir a licitação ao mercado antes mesmo da definição da minuta contratual, fugindo-se da tradição de contratação por adesão que marca o direito administrativo. Embora eficiente em alguns casos, a presunção de que o Estado seja capaz de elaborar as minutas de modo unilateral e isolado antes da fase externa da licitação, na prática, muitas vezes dá vida a contratos deficientes ou que não guardam aderência ao que o mercado oferece. Em piores cenários, a lógica da adesão resultante do isolamento dos órgãos contratantes e da impermeabilidade da fase interna, origina minutas defeituosas, irreais, demasiadamente obscuras ou completamente inviáveis, fazendo fracassar a licitação... Mais que romper com o dogma da contratação por adesão, o diálogo concorrencial afasta por definitivo a presunção de que o Estado é infalível, capaz de avaliar os incontáveis segmentos de mercado em todos os contextos, capaz de elaborar isoladamente as soluções de que necessita dentro dos mais diferentes e complexos ramos de atividade em que atua e, muitas vezes, sem os recursos humanos necessários para tanto. A modalidade em questão, em última instância, atribui à licitação muito mais que uma mera função de seleção do agente econômico que será contratado. Nela, a licitação assume uma função de aprendizado, de desenvolvimento e de inovação. Pelo diálogo, a licitação passa a gerar conhecimento, novos produtos e serviços em benefício do Estado, da efetividade de suas tarefas e do atendimento das necessidades coletivas. Todavia, a produção dos efeitos esperados – é indubitável – dependerá de agentes públicos devidamente preparados e pessoalmente engajados para atuar com respeito incondicional às normas da boa-fé, de isonomia e promoção da competição real, justa e ampla. Ausentes essas condições, o diálogo concorrencial correrá o risco de se transformar facilmente em um nicho de corrupção e de benefícios indevidos”.
Entra em cena a repressão a condutas comprometedoras dos esforços da boa e regular contratação de obras, bens e serviços pela Administração pública.
O projeto de lei de que nos ocupamos propõe normas que alteram a legislação codificada.
Em seu art. 177, propõe introduzir inciso III ao art. 1.048, do Código de Processo Civil, de modo a garantir prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, aos procedimentos judiciais “em que se discuta a aplicação do disposto nas normas gerais de licitação e contratação a que se refere o inciso XXVII do caput do art. 22 da Constituição Federal”. Seria a mesma prioridade que os incisos I e II daquele preceptivo processual já asseguram aos sexagenários portadores de doença grave (lei 7.713/88, art. 6º, XIV) e aos jovens sob a tutela do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Destaque-se que o § 4º, do aludido art. 1.048, do código de ritos, preceitua que “A tramitação prioritária independe de deferimento pelo órgão jurisdicional e deverá ser imediatamente concedida diante da prova da condição de beneficiário”. Segue-se que a concessão do benefício “deixa de depender de deferimento do juiz, devendo o próprio servidor da Justiça, diante da comprovação de beneficiário, identificar o feito como sendo de tramitação prioritária” (Novo CPC, Anotado e Comparado, Carneiro, Paulo Cezar Pinheiro, e Pinho, Humberto Dalla Bernardino de. Rio de Janeiro, Ed.Forense, 2ª edição, 2016, p. 646). É de presumir-se que tal regra se estenderia aos procedimentos que sediassem lide sobre a aplicação das normas gerais de licitação e contratação referidas na Carta da República. Mas pondere-se que deixar a definição da preferência de tramitação para o cartório processante poderia trazer dificuldades porque a regra proposta se refere à aplicação das normas gerais de licitações e contratos, ao passo que do próprio texto constitucional se extrai a existência de normas não gerais, ou seja, aquelas editadas pelos demais entes da federação que não a União, inexistindo uniformidade de critérios para distinguir as normas gerais das não gerais, daí aconselhar-se que a preferência de tramitação decorra de decisão do juiz que presidirá a condução do processo.
Em seu art. 178, o projeto acrescentaria Capítulo II-B ao Título XI, da Parte Especial do Código Penal (lei 2.848/40), de modo a para ele fazer migrar todos os tipos penais definidos na lei 8.666/93, tornando-lhes mais severas as respectivas penas. A ordem jurídica passaria a contar com onze tipos penais na matéria, sendo nove apenados com reclusão e dois com detenção, ao passo que a lei 8.666/93 define dez tipos, todos apenados com detenção. Aqueles onze tipos teriam por objeto, respectivamente: contratação direta ilegal (4 a 8 anos de reclusão); frustração do caráter competitivo da licitação (4 a 8 anos de reclusão); patrocínio de contratação indevida (6 meses a 3 anos de reclusão); modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo (4 a 8 anos de reclusão); perturbação de processo licitatório (6 meses a 3 anos de detenção); violação de sigilo em licitação (2 a 3 anos de detenção); afastamento de licitação por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem (3 a 5 anos de reclusão); fraude em licitação ou contrato (4 a 8 anos de reclusão); contratação com empresa ou profissional inidôneo (1 a 3 anos de reclusão); impedimento indevido para a inscrição em registros cadastrais (6 meses a 2 anos de reclusão); omissão grave de dado ou de informação por projetista (6 meses a 3 anos de reclusão). Este último o tipo desconhecido na legislação atual. E todas as penas privativas acrescidas de multa.
Por evidente que se poderia debater sobre a adequada gradação das penas em face da maior ou menor gravidade de cada tipo e suas repercussões sobre a gestão pública brasileira, além das circunstâncias variáveis em cada caso. E descaberia dúvida sobre a necessidade da imposição de sanções penais para condutas tão ofensivas ao interesse da administração e da sociedade, tanto que o art. 190, I, do projeto revoga os artigos penais da lei 8.666/93 desde a data de publicação da nova lei, enquanto o inciso II do mesmo art. 190 revoga as demais disposições da legislação anterior “após decorridos dois anos da publicação” da nova lei. Em outras palavras, o regime penal desta tem eficácia imediata com a publicação, ao passo que as demais regras da legislação revogada permanecerão eficazes ainda por dois anos, podendo a Administração “optar por licitar de acordo com esta lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital, vedada a aplicação combinada desta lei com as citadas no referido inciso”, tal como posto no § 2º, do indigitado art. 190. O projeto faz, destarte, distinção, como devido, entre eficácia e vigência da nova lei: para os tipos penais, eficácia plena e imediata com a só vigência decorrente da publicação; para as demais disposições, a vigência não impõe eficácia plena e imediata, podendo a administração, durante dois anos, optar, nos respectivos editais, entre adotar um ou outro regime em suas licitações e contratações.
Mas as perguntas embaraçosas são outras e se apresentam nos níveis estratégico (planejamento e definição de prioridades e políticas públicas), gerencial (distribuição de competências e respectivas áreas de ação e cooperação) e operacional (alocação de recursos humanos, financeiros, materiais e organizacionais suficientes à obtenção de resultados) dos governos.
Há pelo menos duas. A primeira é se os acréscimos de tipos penais e de agravamento das penas constituirão fator suficientemente dissuasório da prática de delitos nas licitações e contratações administrativas. A segunda é se a persecução penal já existente na lei 8.666/93, bem como em outras normas de responsabilização não penal, tais como as da Lei de Improbidade Administrativa (lei 8.429/92, artigos 9º, 10 e 11), além das sanções administrativas decorrentes de procedimentos de controles interno e externo do poder público, tem sido deflagradas, instruídas, processadas e decididas com eficiência e eficácia, em prazo razoável, de modo a criar, pela certeza da punição, asseguradas as garantias do contraditório e observado o devido processo legal, barreiras a condutas inaceitáveis e a reprimir aquelas que as hajam contornado. A experiência de mais de século das práticas licitatórias na administração brasileira, desde o Império, caminha no sentido de resposta negativa, se não se investir, fortemente, instantemente, plenamente, na educação apta à formação de uma cultura da boa-fé objetiva nos contratos em geral, o que, a seu turno, pressupõe o mesmo nível de investimento na educação da sociedade brasileira, de onde são egressos os gestores públicos e privados, seus assessores, consultores e controladores. A mesma boa-fé objetiva a cuja observância exortam, reiteradamente, os artigos 113, 187 e 422 do Código Civil em vigor desde 2002, enfrentando, nas relações privadas, as mesmas resistências e os mesmos expedientes com que esgrimam aqueles que almejam contorná-la, em obséquio a seus interesses egoísticos, estes constituindo o maior e permanente desafio da humanidade.
_________