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A aplicabilidade da multa do art. 467 da CLT contra empresas em recuperação judicial

Não existem dúvidas quanto à possibilidade de inclusão de créditos trabalhistas no procedimento, mas sim em como se determinará o valor a ser contabilizado no quadro geral de credores.

28/9/2020

A Lei de Recuperação Judicial e Falências, embora já tenha se consolidado na prática jurídica brasileira, ainda hoje é foco de diversas discussões. Uma delas se vincula à exigibilidade da multa prevista no art. 467 da CLT, sobretudo diante da impossibilidade de disposição patrimonial por parte da Recuperanda.

Tanto a legislação Falimentar1, quanto a jurisprudência vertida do Superior Tribunal de Justiça2 preveem a inclusão dos créditos de natureza trabalhista em seu procedimento de maneira expressa, em alguns casos, inclusive, estabelecendo condições especiais de tratamento3, haja vista sua natureza vinculada a caráter de verbas alimentares.

Não existem, portanto, dúvidas quanto à possibilidade de inclusão de créditos trabalhistas no procedimento, mas sim em como se determinará o valor a ser contabilizado no quadro geral de credores.

De acordo com o art. 6º, § 2º, da LREF, “as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença”. Desse modo, em um primeiro momento, é possível considerar como adequado para composição da relação de credores eventual valor determinado em sentença pela Justiça do Trabalho, a quem é atribuída a competência para liquidação do crédito dessa natureza.

Contudo, a problemática exsurge quando o valor determinado pela Justiça do Trabalho é apurado mediante aplicação de princípios e critérios dissonantes àqueles basilares da legislação Falimentar e do concurso de credores, principalmente nos casos em que se entende pela inserção de valores relativos à aplicação da multa do art. 467 da CLT, entendimento bastante comum no âmbito da Justiça do Trabalho4.

Pois bem, o art. 467 da CLT prevê que “em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento”.

Desse modo, poderíamos entender, prima facie, que, preenchidos os requisitos para a aplicação da multa, estaria então obrigada a Recuperanda. No entanto, tal análise poderia soar precipitada, sobretudo porquanto não observados os impedimentos legais impostos pela legislação Falimentar no que se refere à disposição de patrimônio de empresas em recuperação judicial e à impossibilidade de adoção de medidas que beneficiem determinados credores em detrimento dos demais no âmbito de processos concursais.

Seja na recuperação judicial, seja na falência, uma vez que iniciado o procedimento falimentar, a sociedade não pode mais dispor do seu patrimônio da forma que o fazia anteriormente5. Aliás, conduta nesse sentido certamente constituiria infração prevista no art. 172 da LRF6, bem como incorreria em violação ao princípio do par conditio creditorum7.

Desse modo, não se trataria de deliberado inadimplemento ao credor trabalhista das verbas incontroversas quando da audiência, mas sim de verdadeira impossibilidade por parte da empresa reclamada de dispor de tais valores. Aplicar a multa prevista no art. 467, da CLT, diante de tais circunstâncias soaria totalmente ilógico, eis que não se estaria por sancionar conduta desvinculada daquilo preceituado pela legislação nacional, mas por sancionar conduta integralmente em acordo àquilo preceituado pela LREF.

Foi nesse sentido que foram apresentados entendimentos recentes no âmbito da Justiça do Trabalho entendendo pela inaplicabilidade da referida multa quando a empresa se encontra em recuperação judicial8.

Contudo, tal entendimento só pode ser aplicável às situações onde, já à data da audiência, se encontrava a reclamada em recuperação judicial. Tal requisito resta em consonância com o intento da aplicação da multa: caso ainda não deferido o processamento da recuperação judicial da reclamada à época da audiência, não haveria escusa vinculada à impossibilidade de pagamento aos credores por violação do par conditio creditorum. Tão somente com o início do procedimento recuperatório é que efetivamente se daria a impossibilidade de pagamento de verbas a credor específico de maneira unilateral9.

No entanto, ainda hoje, o entendimento majoritário no âmbito da Justiça do Trabalho se vincula à aplicação da multa anteriormente referida independentemente da condição recuperacional da empresa reclamada10. Entende-se, de forma geral, que “o deferimento da recuperação judicial não exime a empresa recuperanda do pagamento das verbas rescisórias incontroversas, na primeira oportunidade em que comparecer a esta justiça Especializada, sob pena de incidência da multa do art. 467 da CLT11.

Tal corrente, embora dominante, não apresenta afinidade lógica com o raciocínio empregado na aplicação da legislação pátria. Sobretudo, não parece estar de acordo com as próprias súmulas ementadas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

A súmula 388 do TST refere que “A Massa Falida não se sujeita à penalidade do art. 467 e nem à multa do § 8º do art. 477, ambos da CLT”. Nesse ponto, não se questiona que a súmula trata expressamente sobre “massa falida”, vinculada à falência das empresas. Contudo, o ponto que efetivamente parecer estar sendo contradito pela posição majoritária sobre a aplicação da multa se vincula de maneira mais geral à impossibilidade de disposição do patrimônio da reclamada.

Conforme descrito na decisão proferida nos autos de recurso julgado sob relatoria do ministro João Oreste Dalazen12, que, dentre outras, serviu como base à elaboração da súmula supracitada, o entendimento pela inaplicabilidade da multa referida no art. 467 da CLT não se vincula simplesmente à condição de massa falida, mas sim à condição de “estar impedida de saldar qualquer título fora do juízo universal da falência, ainda que de natureza trabalhista”.

De igual modo, foi essa a racionalidade contida na decisão de relatoria do ministro Ives Gandra Martins Filho13, que entendeu pela inaplicabilidade da multa prevista no art. 467 da CLT por estar “legalmente impedida de satisfazer créditos fora do Juízo Universal da Falência”, sendo essa a razão de entender ser “incompatível com as normas falimentares a aplicação do art. 467 da CLT”.

Nesta seara, igualmente merece destaque o entendimento aplicado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul. Por se tratar a recuperação judicial de condição que torna a recuperanda “impedida, por lei, de efetuar pagamento a qualquer credor sujeito aos efeitos da recuperação, em especial no prazo de suspensão das ações e execuções contra o devedor (art. 6º da lei 11.101/05), sob pena de ofensa a par conditio creditorum”, é que não pode ser considerado exigível multa contratual vinculada ao inadimplemento da obrigação. Isto é, “não houve o simples inadimplemento do acordo e sim a suspensão da exigibilidade”, em decorrência da impossibilidade efetiva de dispor sobre o patrimônio14.

Aqui, giza-se novamente, a condição de impedimento do saldo de créditos específicos que, de forma geral, estariam submetidos ao processo falimentar, não se restringe aos casos de falência, onde a reclamada resta constituída sobre a condição de massa falida, mas também se vincula aos casos onde a reclamada se encontra em recuperação judicial, igualmente impossibilitada de adiantar valores a credores específicos sem que em consonância com aquilo previsto no plano de recuperação judicial.

Assim, inobstante constitua posição jurisprudencial minoritária no âmbito da justiça do Trabalho, entende-se que o correto entendimento a ser aplicado é justamente aquele vinculado à inaplicabilidade da multa prevista no art. 467, da CLT, sobretudo por ser posição que melhor se adequa não apenas ao preceituado pela Lei de Recuperação Judicial e Falências, mas também por estar de acordo com a ratio de súmula ementada pelo Tribunal Superior do Trabalho.

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1 “Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.”

2 Recurso Especial 1.634.046/RS, Relatora Minª. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 18/5/17; Recurso Especial 1.641.191/RS, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, Julgado em 23/6/17.

3 “Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.”

4 Recurso Ordinário 0020251-96.2017.5.04.0522, Oitava Turma, Relator Des. Luiz Alberto de Vargas, Julgado em 30/9/19; Recurso Ordinário 0020649-77.2017.5.04.0252, Sétima Turma, Relator Desª. Denise Pacheco, Julgado em 14/4/20.

5 “Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.”; “Salvo casos excepcionais, em que se exigirá o reconhecimento judicial da evidente utilidade da venda, após a oitiva do Comitê de Credores, a alienação ou oneração de ativos permanentes da recuperanda é proibida após a distribuição do pedido de recuperação judicial, exceto se prevista no plano de recuperação judicial e aprovada pelos credores. A anuência dos credores é necessária porque a alienação de ativos poderá comprometer a satisfação dos credores por ocasião de eventual liquidação dos bens na falência, além de ser parte da proposta realizada pelo devedor para que estruture sua atividade e consiga satisfazer os credores.” (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 268).

6 “Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”

7 TJSP, Agravo de Instrumento n.º 2167494-89.2019.8.26.0000, Relator Des. Araldo Telles, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Julgado em 29/10/2019; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. Recuperação Judicial – Sociedades Anônimas – Debêntures – Assembleia Geral de Credores – Liberdade de Associação – Boa-fé Objetiva – Abuso de Direito – Cram Down – Par Condicio Creditorum, in Revista de Direito Mercantil, Industrial e Financeiro, vol. 142, 2006, p. 263-281.

8 TRT3, Recurso Ordinário 0011510-30.2018.5.03.0144, Nona Turma, Relator Des. Rodrigo Ribeiro Bueno, Julgado em 12/7/19.

9 “A decisão de processamento suspenderá todas as ações ou execuções contra o devedor. A suspensão das ações, pelo prazo do stay period de 180 dias, exigirá que os créditos existentes até a data do pedido sejam exigidos mediante habilitação no respectivo procedimento de recuperação judicial e se submeterão ao pagamento conforme previsão no plano de recuperação judicial”. (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 243).

10 TST, Recurso Revista 4-66.2019.5.09.0011, Oitava Turma, Relatora Min. Dora Maria da Costa, Julgado em 12/8/20.

11 TRT1, Recurso Ordinário 0101331-55.2018.5.01.0482, Primeira Turma, Relator Des. Jose Nascimento Araujo Neto, Julgado em 28/8/19.

12 TST. Embargos de Declaração em Recurso de Revista de 39868/2002-900-02-00. Relator Min. João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, julgado em 5/5/03.

13 TST. Recurso de Revista 673457, Relator Min. Ives Gandra Martins Filho, Quarta Turma, Julgado em 20/9/00.

14 TJRS, AI n.º 70078489366, Quinta Câmara Cível, Relatora Des. Isabel Dias Almeida, Julgado em 26/9/18.

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*Carlos Henrique Machado Ortiz Cruz é acadêmico da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Colaborador na Brizola e Japur Administradora Judicial.







*Patrick Menin Rebolho é acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador Voluntário em Projeto de Iniciação Científica em Direito Privado. Colaborador na Brizola e Japur Administração Judicial




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