Migalhas de Peso

A necessidade de formação de especialistas em proteção de dados e compliance digital

Será que o mercado de trabalho brasileiro está preparado para fornecer profissionais que terão que se especializar tanto na parte conflituosa, como a que estamos vendo, como na parte preventiva?

25/9/2020

Depois de muita discussão, a LGPD finalmente entrou em vigor (seja em agosto ou setembro de 2020, a depender das interpretações em relação à problemática da MP 959/20). O fato é que agora vem aquela pergunta: será que a lei vai vingar?

Na verdade, ela entrou em vigor com mais força do que nunca: nesta semana já foi distribuída uma ação civil pública pelo Ministério Público do Distrito Federal com base exclusivamente na LGPD. Ou seja, mesmo sem ter uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados materialmente estruturada, vai ser possível que o Ministério Público, Defensoria Pública, associações civis, organizações não governamentais, e até mesmo os próprios titulares de dados, individualmente, comecem a exigir o cumprimento da lei.

A pergunta é: será que o mercado de trabalho brasileiro está preparado para fornecer profissionais que terão que se especializar tanto na parte conflituosa, como a que estamos vendo, como na parte preventiva – que algumas empresas já se adiantaram, mas a maioria ainda não se adequou 100% à lei? A LGPD exibe a importância de um programa de governança em privacidade e proteção de dados que possa trazer o respeito dos direitos dos titulares e cumprimento das diversas obrigações atinentes ao tratamento de dados.

Desde o advento do GDPR na União Europeia em 2016 e a LGPD em 2018, começaram a surgir diversos cursos de extensão e certificações profissionais no tema de privacidade e proteção de dados. Embora todas essas iniciativas sejam importantes para a formação de profissionais no tema, elas não trazem uma quantidade de horas de aula e uma metodologia acadêmica que permita uma formação mais ampla dos profissionais que terão que enfrentar diversos problemas no dia a dia da conformidade à LGPD. Logo, são excelentes iniciativas para aqueles que querem adentrar no tema; mas, para aprofundamento, há a necessidade de abordagens mais robustas.

Atento a isso, o Ibmec-SP, de maneira pioneira, organizou, no primeiro semestre, uma disciplina optativa na graduação para se discutir os principais temas afetos à privacidade, proteção de dados e segurança da informação. E agora, também na vanguarda do ensino superior em São Paulo, estruturou uma pós-graduação em privacidade e proteção de dados, com 450 horas de duração, a qual permite que qualquer profissional interessado em trabalhar com privacidade e proteção de dados – seja advogado, administrador, engenheiro, profissional da área de tecnologia de informação ou segurança da informação – tenha uma formação básica e avançada no tema. Com 4 módulos, o aluno trabalhará com as legislações de proteção de dados e conceitos de segurança da informação; com as técnicas de mapeamento e gestão de riscos e construção de programas de governança em privacidade; com as sanções administrativas e judiciais, bem como as implicações criminais que possam existir – inclusive para a alta administração e eventualmente para o Encarregado de Proteção de Dados (Data Protection Officer) – e a interação com diversos assuntos na fronteira tecnológica, como inteligência artificial e marketing digital.

Logo, com isso, a instituição pretende formar os futuros Encarregados de Proteção de Dados, dotando-os de um ferramental jurídico e tecnológico para assumir os desafios nas organizações, bem como trazendo substância para consultores que venham a atuar em projetos de adequação de empresas à LGPD. Com a possibilidade de trocar experiências com profissionais de alto renome no mercado brasileiro no tema, certamente será uma oportunidade de começarmos a construir uma massa crítica e profissionais de ponta para o mercado de trabalho brasileiro – e, quem sabe, em um futuro não muito distante, começarmos a exportar profissionais de data privacy para outros países.

A LGPD, no art. 50, ressalta a importância de ações educativas corporativas no tema de proteção de dados e privacidade, o que é uma excelente ferramenta de transformação de cultura organizacional. Fato é que estamos em um processo de mudança cultural no que se refere ao amadurecimento do tema – algo que se passou com o advento da Operação Lava Jato e o crescimento do compliance anticorrupção no Brasil. Agora vejo que estamos diante desse mesmo fenômeno na proteção de dados e privacidade: o tema está começando a despertar conhecimento geral e, talvez em menos de uma década, tenhamos um ambiente muito mais saudável nas relações corporativas com os titulares de dados.

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*André Castro Carvalho é professor do Ibmec.

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